Por Mauro Santayana
O caso Battisti evoca trágica experiência política do século passado. Os episódios de 1978, que causaram a morte de Aldo Moro, ocorreram diante da insanidade dos extremos e da incapacidade de as elites se reunirem no centro político, que Berliguer e Moro propunham com o seu Compromisso Histórico.
Moro era um católico que estava à esquerda de De Gasperi e de Giulio Andreotti, próximo de pensadores franceses identificados na esquerda, como Jacques Maritain – que provavelmente conhecera, quando o filósofo tomista fora embaixador junto ao Vaticano, entre 1945 e 1948. Ele temia que o confronto ideológico, no movimento católico, impedisse o governo de centro na jovem República italiana. Como líder de sua corrente – a dos “doroteanos” – que dispunha de ponderável votação, Moro participou dos governos democrata-cristãos até 1976, quando a ala direita se impôs com a entrega do governo a Giulio Andreotti, seu principal adversário. Entre 1976 e 1978, Moro articulou a retomada do entendimento entre os comunistas e os democrata-cristãos em busca de uma saída histórica, proposta por Enrico Berlinguer em 1973. O entendimento era combatido com vigor por Andreotti, pelo Vaticano, pela Máfia e pelos Estados Unidos.
Havia 12 anos que, com a criação da República, e o confronto entre as duas correntes partidárias, sob a influência das duas superpotências, a Itália estivera à margem da guerra civil. Em 1978 – com a reabilitação do pensamento de Gramsci, e dez anos depois da invasão de Praga, que eles combateram – os comunistas italianos já estavam muito mais distantes dos soviéticos na construção do diálogo com os cristãos e do eurocomunismo. A situação estava madura para que a Itália se livrasse dos efeitos da Guerra Fria e buscasse um projeto nacional de desenvolvimento e de presença mais forte na Comunidade Europeia que se formava. Nos meses que antecedem o sequestro e a morte de Aldo Moro surge o estranho movimento das Brigadas Vermelhas. O grupo, conforme voz corrente, era liderado pela chefia misteriosa de um Gran Vecchio. Embora, na época, Andreotti não tivesse ainda 60 anos (nascera em 1919), seu porte encurvado dava-lhe aparência bem mais idosa. Há indícios de que as Brigadas teriam sido criadas por Andreotti, com a ajuda da Máfia, da CIA e dos serviços secretos italianos a fim de impedir, com atos de terrorismo, o “Compromesso Storico”, de centro-esquerda. Dele foi aliado intransigente Francesco Cossiga, hoje irado defensor da extradição de Battisti.
A quem, realmente, serviam as Brigadas Vermelhas, que seguiam, na retórica política, a Rote Armee Fraktion, do grupo Baaden-Meinhof da Alemanha? Sabe-se, pelo relato dos sequestradores de Moro, que os dois grupos se encontraram algumas vezes em Paris, mas os italianos tinham meta precisa: combater o entendimento entre comunistas e os democrata-cristãos de Moro. Qualquer amador em política poderia deduzir que o sequestro de Moro, por um grupo que se apresentava como de esquerda, seria um grande trunfo para a direita. É sempre bom lembrar o exemplo do agente cabo Anselmo, aqui no Brasil. Os brigadistas queriam a liberdade de 13 dos seus, em troca da vida de Moro. Cossiga e Andreotti a isso se opuseram, apesar dos apelos dramáticos do ex-primeiro-ministro ao governo e até do papa Paulo VI, de quem era amigo pessoal.
Battisti pertencia a um grupo à margem das Brigadas Vermelhas, mas a serviço do mesmo objetivo. É provável que esse grupo fosse constituído de fanáticos, que agiam sem outras ligações, ou de simples inocentes úteis, recrutados pelos seguidores de Gran Vecchio. Em qualquer caso, foi instrumento de interesses muito maiores do que ele, muito maiores do que os do pequeno bando de alucinados de que fazia parte. Com seus vagos ideais aos 22 anos, ou cooptado pelos agentes da direita, dissimulados como de esquerda, o que é comum, é um homem acabado, condenado à prisão perpétua e à privação do sol. É provável que o presidente Lula esteja informado dessas circunstâncias históricas, na hora de decidir o destino de Battisti.
Em tempo: Andreotti foi condenado, em 2002, a 24 anos de prisão por ter, em associação com a Máfia, mandado matar o jornalista Mino Pecorelli, que iria publicar documentos provando seu envolvimento no assassinato de Moro. Tendo em vista sua idade, a Suprema Corte livrou-o da cadeia.
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