quarta-feira, 18 de novembro de 2009

CASO BATTISTI.

Luis Nassif on line.

Da filha de Olga Benário para Lula

Por Aton Fon

Exmo. Sr. Presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva.

Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo Sr. Carlos Lungarzo da Anistia Internacional (em anexo), na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.

Atenciosamente,

Anita Leocádia Prestes
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Carta a que D. Anita Leocádia Prestes faz referência:

São Paulo, 14 de novembro de 2009
Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil
Dr. Gilmar Ferreira Mendes
Prezado Senhor:

Escrevo a Vossa Excelência na simples condição de alguém que milita em defesa dos Direitos Humanos desde a adolescência, que passou por várias seções da Anistia Internacional, foi voluntário do ACNUR e da Justiça e Paz.

Não sou membro de nenhum partido político ou seita religiosa, não sou eleitor no Brasil nem em meu país de origem, não recebo dinheiro da Itália, nem de grupos terroristas. Conheci Battisti esta semana; antes que recebesse refúgio, nunca tinha ouvido falar dele nem no grupo a que pertencia. Tampouco tenho interesse intelectual ou profissional no caso: sou um cientista e não advogado, jornalista ou político. O que me move a empenhar‐me nesta causa são o sentido de solidariedade, minha visão ética da vida e, também, a vergonha que me produz pensar que possa viver sob instituições nas quais se pratica linchamento. Embora tenha uma firme ideologia pessoal, repudio igualmente aos neofascistas italianos que perseguem Battisti e aos pseudo‐esquerdistas que se enrolam na causa do revanchismo e a “vendetta”.

Acompanhei muitos casos em minha condição de membro de AI, e vi pessoas liberadas por um STF diferente: vi a liberação de Fernando Falco, na qual participei ativamente, e a do padre Medina, em cujo apoio apenas pude redigir algumas cartas. Antes disso, soube da extradição de Mário Firmenich, que foi correta.

Minha atividade em favor dos DH não foi apenas a de preencher papéis. Na década de 70 protegi refugiados do Cone Sul, vítimas da Operação Condor, com grave perigo para mim e minha família. Na década de 80 participei na resistência contra o Operativo Charlie no México e na América Central. Por tudo isso, não tenho nenhum embaraço em assumir que me sinto plenamente qualificado para exigir justiça para Battisti.

Não estou pedindo clemência. Este é um termo teológico. O extraditando merece justiça. Em meus anos de militância conheci dúzias de vítimas da repressão e posso afirmar que é relativamente fácil, nessas condições, reconhecer a têmpera de alguém. Bastou estar uma hora com Cesare Battisti para perceber que ele tem enorme coragem, o oposto exato de seus inimigos, que se movem nas sombras, protegidos pelo poder. Posso me equivocar, mas me parece certo que Battisti não poderá ser amedrontado, como não foram amedrontados Nicola Sacco, Bartolomeu Vanzetti, Joe Hill, Ethel Rosenberg, Dreyfus, Olga Benário, e muitos outros.

Não vou dizer a VE que a história nos julgará: a história é longa e talvez só mude muito tempo depois que se acabe a única vida que temos certeza que possuímos. A crença na justiça histórica é apenas uma maneira racional de fantasiar um desejo mítico de eternidade. Mas, quero fazer uma observação prática: a realização da vingança de outros, como simples procuradores, talvez não seja um bom negócio e não se possa fazer dela um bom proveito. Muitos dirão que, apesar de que Hitler e Mussolini tiveram má sorte, esse não foi o caso de Margareth Thatcher nem do ditador Franco, e que boa parte da Espanha e da Itália ainda apóia o fascismo e seus similares, e parecem ter muito sucesso.

Mas, será realmente assim? Será que o triunfo de crueldade faz seus autores felizes?

Todos os anos, milhares de flores chegam ao túmulo de Bobby Sands e dos outros 9 heróicos garotos que levaram até a morte sua greve de forme em 1981, e não o fizeram para pedir liberdade, apenas para manifestar seu desprezo por seus infames opressores. Seu carrasco, a senhora Thatcher, só recebe os cumprimentos de subservientes empresários que enriqueceram com a ruína de seu país. Os que já não podem beneficiar‐se dela, se afastaram. Aliás, se o ódio compensa, eu gostaria de saber: por que o racismo atravessa a Itália?

Por que os mesmos vândalos que exigem a cabeça de Battisti andam com tochas ateando fogo em acampamentos de africanos, árabes e ciganos, matando mulheres e crianças? Será que pessoas felizes precisam de violência?

Não digo que esses atos deveriam parar por razões morais. Os que os praticam não tem uma moral humanista: eles não acreditam na humanidade, mas nos mitos, na raça, na linhagem, nas armas.

Mas, será que os massacres, a punição coletiva, a perseguição e o papel de inquisidores medievais leva alguma felicidade a suas mentes doentias? Se não for assim, qual é a vantagem desse ódio?

Não posso evitar pensar no famoso coronel de Carandiru. Ele sentiu‐se muito feliz quando massacrou 111 pessoas indefesas, mas, será que era feliz junto a sua namorada, que aplicou com ele a mesma metodologia criminosa, a única que eles conhecem?

Não estou dizendo a ingenuidade de que “a vida se vinga” ou “o mal acaba recebendo seu castigo”. A história mostra que isso não é verdade. Esta é uma idéia antropomórfica, válida para os que acreditam num destino personalizado. Há, porém, uma razão mais básica. A crueldade, a vingança e o revanchismo tornam as pessoas doentes. Não é o castigo divino; é o “castigo” de nossas próprias células.

Estatísticas feitas nos Estados Unidos, na França, durante a Guerra de Argélia, e na Nicarágua, depois da libertação, mostram que torturadores, carrascos, linchadores, têm o maior índice de problemas em sua vida afetiva. Na Georgia, por cada 9 famílias de militares com graves quadros de violência familiar, há apenas 2 famílias civis com os mesmos problemas. Em Alabama, por cada mulher de civil que apanha de seu marido, há 4,7 esposas de policiais que padecem desse problema.

Contrariamente às opiniões cheias de ódio, de sede de sangue e de “vendettas”, há muitas pessoas que valorizam Battisti, sua integridade, resistência e inteligência, sua qualidade de escritor, sua capacidade de lutar durante 30 anos e estar disposto a morrer, em vez de tornar‐se delator, “arrependido”, um lacaio da máfia peninsular.

Ele não estará sozinho em sua greve de fome, e não será possível para nenhum tribunal extraditar para Itália todos os amigos de Battisti.

Excelência, sei que o VE está num nível cognitivo muito superior ao de outras pessoas que se manifestaram contra Battisti. Sei reconhecer a inteligência de alguém, mesmo quando nossos valores sejam opostos. Ouso dizer que Vossa Excelência apreciou 100% da brilhante intervenção do Ministro Marco Aurélio, e reconhece, sem dúvida, que naquela longa argumentação não há uma palavra desnecessária, uma frase que não seja precisa, uma verdade que não tenha sido exaustivamente provada.

O Ministro Marco Aurélio fez, como ninguém tinha feito, uma análise profunda da Sentença 76/88, RG 49/84 da Corte d’Assise de Milano. Ele enumerou 34 provas de que Battisti foi tratado como autor de crime político e acusado diretamente de subversivo (evversivo). Não acredito, mesmo sendo um outsider, que em direito absolutamente tudo seja assunto de opinião.

Não posso pensar que o VE acredite realmente que esses crimes foram comuns. Nunca pensaria isso, porque seria insultar vossa inteligência, e eu nunca cometeria essa impropriedade. Também tenho certeza de que o VE sabe que a causa está prescrita. A prova dada pelo Ministro Marco Aurélio é um verdadeiro teorema, que só pode nos inspirar pena pelos que pretendem defender o parecer contrário.

Percebi que VE ouviu às poucas mas precisas ironias do Ministro Marco Aurélio sobre o cinismo do governo italiano e seus xenófobos e racistas partidários, ao descrever as 12 maiores injúrias que os mais altos políticos fizeram da cultura e do povo brasileiro e até de seus magistrados. Ele fez isso, olhando “olho no olho” no Embaixador Italiano, que naquele momento abandonou a empáfia e fechou o rosto.

Sei que VE entendeu que o Ministro Marco Aurélio desmascarou os interesses políticos e psicológicos (ressentimento, vingança, propaganda, revanchismo) que nada têm de jurídico e se escondem detrás de um julgamento feito com todas as violações possíveis aos Direitos Humanos e ao devido processo. E que ele também ressaltou o idealismo das gerações que lutaram contra a barbárie na década de 70, sem se importar que os vândalos usassem farda ou se vestissem à paisana.

Seria impossível duvidar de que VE ouviu a um dos maiores magistrados da atualidade falar da ditadura do judiciário, algo que conduzirá à catástrofe não apenas da instituição do refúgio, mas de toda a democracia.

Tampouco VE ignora muitos fatos que, embora não tenham sido narrados no dia 12, são de absoluta evidência: Que o governo da Itália se utiliza da organização DSSA para sequestrar refugiados no exterior, que o ministro italiano Clemente Mastella disse aos parentes das vítimas que não cumpriria sua promessa feita ao Brasil de limitar a prisão de Battisti aos 30 anos, que Battisti morreria na Itália pelas mãos de seus algozes e, portanto, que a declaração de greve de fome de Battisti é a evidência de que prefere uma morte digna por sua própria mão.

Em fim, Senhor Presidente: Vossa Excelência sabe que o Ministro Marco Aurélio está certo, e hoje há milhares de pessoas que sabem disso. Não o conheço e não posso julgar se os Direitos Humanos e a Justiça são importantes ou não para Vossa Excelência.

Mas, caso o sejam, VE tem uma excelente oportunidade de cumprir com esses direitos e honrar a justiça:

Admita o empate e outorgue ao réu o benefício da dúvida!

Atenciosamente
Carlos Alberto Lungarzo
Matrícula de Anistia Internacional (USA) 21525711

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