Célula anticomunista atuou no Brasil durante a ditadura
Ex-banqueiro conta que empresários de São Paulo financiavam grupo de direita
Arquivo Nacional mantém cartas e relatórios do SNI sobre ação que prestava solidariedade a ditaduras da América Latina nos anos 70
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Documentos guardados no Arquivo Nacional de Brasília revelam as atividades de uma célula anticomunista que operou no Brasil por mais de 15 anos e foi liderada por um banqueiro de São Paulo.
A partir da leitura dos documentos -produzidos pela representação do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Ministério das Relações Exteriores-, a Folha localizou e conversou com quatro ex-integrantes do braço brasileiro da WACL ("World Anticommunist League", ou Liga Anticomunista Mundial).
O nome mais ativo era Carlo Barbieri Filho, cuja família era proprietária do Banco Aplik, vendido no final dos anos 1970. Fundador e líder da organização, Barbieri hoje vive entre Miami (EUA) e São Paulo e escreve textos de economia para um portal na internet voltado para dirigentes de bancos.
Barbieri contou que o grupo nasceu a partir de "divagações e conversas" que ele e seu pai mantiveram com o economista e banqueiro Mário Henrique Simonsen (1935-1997), ministro da Fazenda na ditadura.
O primeiro passo de Barbieri foi fundar, em 1971, a Sepes (Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais), sediada no shopping Iguatemi, em São Paulo. Em seguida, se uniu à WACL, na qual teve carreira meteórica, assumindo a presidência mundial da organização em 1975. Entre 21 e 25 de abril daquele ano, reuniu cerca de 400 participantes de 65 países no oitavo congresso da WACL, num hotel no Rio.
A WACL foi criada na Ásia em 1966 por generais chineses derrotados pela revolução maoísta. Em 1972, espraiou-se pela América Latina.
Segundo o ex-banqueiro, toda entidade empresarial de São Paulo tinha um nome no conselho da Sepes. Citou como exemplo o representante da Fiesp (Federação das Indústrias dos Estados de São Paulo) Theobaldo De Nigris, de uma família dona de concessionária de veículos Mercedes-Benz.
Indagado se os empresários davam dinheiro ao grupo, Barbieri foi lacônico: "Sim, claro".
Encontro com ditador
Em 1975, o advogado José Eduardo Chaib -que hoje vive num sítio em Jaguariúna (SP), onde recebeu a Folha- viajou, a convite de Barbieri, para se encontrar com o ditador Augusto Pinochet em Santiago do Chile, dois anos após o golpe que derrubou Salvador Allende. Uma foto marca o encontro.
"Fomos lá conhecê-lo, prestar solidariedade", disse Chaib, para quem Barbieri era o principal articulador da WACL. "O Barbieri tinha suas influências, os contatos com os militares."
"[Eu] me dava bem com o general [Ednardo] Dávila Mello, que se preocupava, como nós, em buscar uma rápida saída dos militares do poder, para evitar desgaste (...), embora não privasse com ele. Com o ministro [da Justiça Alfredo] Buzaid, que foi advogado de uma empresa de minha família, também tinha bom relacionamento", relatou Barbieri.
Mello foi exonerado em janeiro de 1976 do comando do 2º Exército, em São Paulo, depois que várias pessoas morreram sob tortura nas dependências do DOI-Codi, entre elas o jornalista Vladimir Herzog.
Os documentos do Arquivo Nacional revelam que, em 1975, Barbieri foi a Riad, na Arábia Saudita, para pedir ao rei Khalid Abdul Aziz que "continuasse ajudando a WACL". Em carta entregue ao rei, Barbieri alegou que a Sepes mantinha "60 mil membros" e uma sede em cada Estado brasileiro.
Após o encontro, ele emitiu uma carta-circular aos membros da WACL para conclamar "ações mais poderosas" contra o comunismo. Trinta anos depois, indagado pela Folha sobre quais seriam essas ações, e se a WACL brasileira realizou algum tipo de ato concreto contra comunistas, Barbieri não respondeu. "Foi um momento histórico com posições radicais, que não encontram mais base no mundo atual."
Barbieri também se envolveu com a CAL (Confederação Anticomunista Latinoamericana), mas disse que dela se afastou por suas "posições radicais". "[A CAL] tinha uma posição antissionista e não tinha apreço pela democracia, que era nossa base doutrinária."
Ex-banqueiro conta que empresários de São Paulo financiavam grupo de direita
Arquivo Nacional mantém cartas e relatórios do SNI sobre ação que prestava solidariedade a ditaduras da América Latina nos anos 70
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Documentos guardados no Arquivo Nacional de Brasília revelam as atividades de uma célula anticomunista que operou no Brasil por mais de 15 anos e foi liderada por um banqueiro de São Paulo.
A partir da leitura dos documentos -produzidos pela representação do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Ministério das Relações Exteriores-, a Folha localizou e conversou com quatro ex-integrantes do braço brasileiro da WACL ("World Anticommunist League", ou Liga Anticomunista Mundial).
O nome mais ativo era Carlo Barbieri Filho, cuja família era proprietária do Banco Aplik, vendido no final dos anos 1970. Fundador e líder da organização, Barbieri hoje vive entre Miami (EUA) e São Paulo e escreve textos de economia para um portal na internet voltado para dirigentes de bancos.
Barbieri contou que o grupo nasceu a partir de "divagações e conversas" que ele e seu pai mantiveram com o economista e banqueiro Mário Henrique Simonsen (1935-1997), ministro da Fazenda na ditadura.
O primeiro passo de Barbieri foi fundar, em 1971, a Sepes (Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais), sediada no shopping Iguatemi, em São Paulo. Em seguida, se uniu à WACL, na qual teve carreira meteórica, assumindo a presidência mundial da organização em 1975. Entre 21 e 25 de abril daquele ano, reuniu cerca de 400 participantes de 65 países no oitavo congresso da WACL, num hotel no Rio.
A WACL foi criada na Ásia em 1966 por generais chineses derrotados pela revolução maoísta. Em 1972, espraiou-se pela América Latina.
Segundo o ex-banqueiro, toda entidade empresarial de São Paulo tinha um nome no conselho da Sepes. Citou como exemplo o representante da Fiesp (Federação das Indústrias dos Estados de São Paulo) Theobaldo De Nigris, de uma família dona de concessionária de veículos Mercedes-Benz.
Indagado se os empresários davam dinheiro ao grupo, Barbieri foi lacônico: "Sim, claro".
Encontro com ditador
Em 1975, o advogado José Eduardo Chaib -que hoje vive num sítio em Jaguariúna (SP), onde recebeu a Folha- viajou, a convite de Barbieri, para se encontrar com o ditador Augusto Pinochet em Santiago do Chile, dois anos após o golpe que derrubou Salvador Allende. Uma foto marca o encontro.
"Fomos lá conhecê-lo, prestar solidariedade", disse Chaib, para quem Barbieri era o principal articulador da WACL. "O Barbieri tinha suas influências, os contatos com os militares."
"[Eu] me dava bem com o general [Ednardo] Dávila Mello, que se preocupava, como nós, em buscar uma rápida saída dos militares do poder, para evitar desgaste (...), embora não privasse com ele. Com o ministro [da Justiça Alfredo] Buzaid, que foi advogado de uma empresa de minha família, também tinha bom relacionamento", relatou Barbieri.
Mello foi exonerado em janeiro de 1976 do comando do 2º Exército, em São Paulo, depois que várias pessoas morreram sob tortura nas dependências do DOI-Codi, entre elas o jornalista Vladimir Herzog.
Os documentos do Arquivo Nacional revelam que, em 1975, Barbieri foi a Riad, na Arábia Saudita, para pedir ao rei Khalid Abdul Aziz que "continuasse ajudando a WACL". Em carta entregue ao rei, Barbieri alegou que a Sepes mantinha "60 mil membros" e uma sede em cada Estado brasileiro.
Após o encontro, ele emitiu uma carta-circular aos membros da WACL para conclamar "ações mais poderosas" contra o comunismo. Trinta anos depois, indagado pela Folha sobre quais seriam essas ações, e se a WACL brasileira realizou algum tipo de ato concreto contra comunistas, Barbieri não respondeu. "Foi um momento histórico com posições radicais, que não encontram mais base no mundo atual."
Barbieri também se envolveu com a CAL (Confederação Anticomunista Latinoamericana), mas disse que dela se afastou por suas "posições radicais". "[A CAL] tinha uma posição antissionista e não tinha apreço pela democracia, que era nossa base doutrinária."
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