Chile. O terremoto da Ira | |
"O terremoto desnudou as debilidades do modelo. O Chile segue sendo um país atrasado, ainda que se esteja na OCDE com os países ricos. Sofre enormes inequidades e está submetido à vontade de empresas e consórcios privados que atuam à margem do controle do Estado e de toda desconsideração pelo bem comum”. A afirmação é do editorial da revista chilea Punto Final, 05-03-2010. A tradução é de Patrícia Benvenuti e publicado no portal da Agência Brasil de Fato, 06-03-2010. Eis o editorial. Talvez desde o terremoto de Chillán, em 24 de janeiro de 1939 (7,8 graus e 30 mil mortos), que não se produzia no Chile um sismo dessa magnitude (9 graus) e violência como no dia 27 de fevereiro na área compreendida entre Valparaíso e Concepción, onde vive cerca de 50% da população do país. Não há ainda uma cifra definitiva do número de vítimas, porque há em todas as partes escombros para remover. Mas já superavam as 800 pessoas ao final desta edição. Os desaparecidos são inumeráveis, em especial devido aos maremotos que arrasaram portos, enseadas e balneários do litoral. Há centenas de feridos. Os danos materiais são enormes. Números muito provisórios falam de 30 bilhões de dólares. Como sempre, a maioria das vítimas tem sido chilenos pobres. Parece inevitável que eles recebam o principal impacto das catástrofes. São os mesmos que agora sofrem diretamente a falta de alimentos, água, medicamentos, agasalhos e abrigos. Em muitas áreas se carece de eletricidade, água e combustível. Porém são milhares que estão na intempérie porque tiveram que abandonar ou perderam suas casas. Nas zonas mais afetadas existe desespero e uma crescente indignação pela ineficiência das autoridades. A ação do Executivo tem sido dificultada pela incompetência e debilidade do aparato administrativo e as hesitações, demoras e contradições em nível superior. Apesar das advertências e da trágica regularidade com que o país é atingido por desastres naturais, não se conseguiram estabelecer critérios e normas adequadas para enfrentar estas emergências. Foi notória desde o primeiro momento a descoordenação dos serviços: faltaram água, eletricidade e telefones, todos elementos em mãos privadas, que vários dias depois da catástrofe seguiam sem funcionar, afetando mais de dois milhões e meio de pessoas. Em matéria de telefonia se produziu um caos em todo o sistema de telefonia móvel: as autoridades ficaram praticamente isoladas da população, que não sabia o que estava se passando e imaginava o pior. Com soberba - e ignorância - o governo não aceitou inicialmente a ajuda oferecida por diversos governos desde o primeiro momento. Logo teve que se render diante da carência de meios existente no Chile. Especial relevância teve a rápida ajuda prestada por Cuba, Bolívia, Peru e Brasil. Ficou demonstrada a precariedade do equipamento para fazer frente a emergências e catástrofes: desde a falta de hospitais de campanha, pontes mecânicas, plantas purificadoras de água, geradores, sistemas de comunicação, etc. A rede sismológica existe somente na imaginação de seus promotores. O serviço científico da Marinha - que devia dar alerta do tsunami - incorreu em um erro indesculpável ao descartar um maremoto que ocorreu com consequencias devastadoras nas zonas costeiras de Maule e Bío Bío. Sérias foram também as debilidades administrativas da autoridade. Nada foi feito para controlar a especulação e o saque de alimentos e artigos essenciais. Tampouco se previu que a venda de gasolina não funcionaria devido aos cortes de energia elétrica. Não se tiveram em conta as ações do lúmpen produzidas quando há apagões, nem a necessidade de estabelecer uma rede informativa. O terremoto desnudou as debilidades do modelo. O Chile segue sendo um país atrasado, ainda que se esteja na OCDE com os países ricos. Sofre enormes inequidades e está submetido à vontade de empresas e consórcios privados que atuam à margem do controle do Estado e de toda desconsideração pelo bem comum. As autopistas concessionadas, por exemplo, sofreram danos graves que têm posto em perigo a conectividade do país. Como pode se explicar que edifícios recém construídos, ocupados por proprietários que para consegui-los tiveram que hipotecar seus bens até o fim de seus dias, tenham sido derrubados ou estejam tão danificados que tenham que ser demolidos? O negócio imobiliário faz o que quer neste país. Não há cálculos estruturais nem estudos de mecânica de solos que façam frente à voracidade de ganhar dinheiro em quantidade. Por dizer essa verdade, produziram incômodo as palavras do bispo Alejandro Goic, presidente da Conferência Episcopal, que condenou os abusos das empresas construtoras e aludiu aos empresários que por "uns quantos pesos" não vacilam em pôr em perigo a vida das famílias. Nenhuma construtora assume responsabilidades, ninguém será punido, ninguém irá para a cadeia. A empresa privada é intocável e seus interesses merecem mais respeito do Estado que o bem-estar e segurança da população. Os supermercados sobem os preços e escondem produtos. Enquanto isso, o governo compra bilhões de pesos em mercadorias para distribuir entre os feridos. São debilidades, abusos e corrupção que explicam a reação irada de milhões de pessoas que protestam e que têm chegado, inclusive, a apoderar-se de alimentos e artigos indispensáveis para suas famílias. Aproveitando essa reação natural e legítima dos cidadãos, elementos do lúmpen e delinquentes tambêm têm atuado para roubar artigos eletrônicos, licores e outros objetos. Junto com o terremoto e o tsunami, entrou em erupção o vulcão do mal-estar social que permanecia adormecido. A ira dos cidadãos despertou. Há que canalizá-la e organizá-la, para que se converta em força construtora de um poder democrático e popular. A memória histórica do povo chileno conserva o legado de gerações de lutadores sociais e políticos que foram capazes de estruturar e orientar as demandas populares. A situação atual chegou a extremos críticos em várias cidades. O governo decretou zonas de catástrofe em duas regiões, sob comando do Exército. Frente a esta medida, a direita tem celebrado a volta dos militares e dos tanques à rua. As organizações sociais, estudantes e os cidadãos, os sindicatos, devem atuar nestas circunstâncias críticas. Organizadamente o povo deve recorrer às autoridades, propor soluções e controlar suas atuações. O povo tem a força e as condições para fazê-lo. Além disso, assim, se abrirá caminho para a reconstrução, que abordará o próximo governo encabeçado pelo empresário Sebastián Piñera, que sem dúvida tratará que o custo desta catástrofe seja pago pelos de sempre, os pobres. |
Carlos Augusto de Araujo Dória, 82 anos, economista, nacionalista, socialista, lulista, budista, gaitista, blogueiro, espírita, membro da Igreja Messiânica, tricolor, anistiado político, ex-empregado da Petrobras. Um defensor da justiça social, da preservação do meio ambiente, da Petrobras e das causas nacionalistas.
domingo, 7 de março de 2010
CHILE - O terremoto da Ira.
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