sábado, 6 de março de 2010

ECONOMIA - Entrevista com o ex-ministro tucano Bresser Pereira.

'O neoliberalismo, se não morreu, está muito mal'

Íntegra da entrevista com o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira (CartaCapital/Edição

CC: O senhor acha que o neoliberalismo morreu?
LCBP:
O neoliberalismo, se não morreu, está muito mal. Foi uma ideologia que uniu rentistas a uma tecnoburocracia de jovens brilhantes da área financeira, com phds mas principalmente com mbas nos EUA, criando inovações financeiras muito inteligentes e muito espertas, que permitirão aos rentistas aumentar os seus rendimentos em três ou quatro vezes nos últimos trinta anos. Foram os anos neoliberais, entre 1978 e 2008, mas o desastre foi muito grande. No começo, pensávamos que o desastre neoliberal era apenas para nós, era o Consenso de Washington, a ortodoxia convencional que nos prejudicava fortemente.

Quando eu escrevi o livro Macroeconomia da Estabilização, eu estava preocupado com essa questão. Quem se desenvolvia? Quem tem uma nação forte e, portanto, não ouve os seus competidores, era a minha tese fundamental. Eu dizia que os países ricos estavam ‘chutando a nossa escada’, estavam interessados em ganhar dinheiro aqui e não no nosso desenvolvimento. Quando a China e a Índia fazem com competência a política do câmbio administrado, eles demonstram ser nações fortes, e nós não. Mas o que se verificou na crise é que a coisa deu um bumerangue.

Aquilo que eles nos aconselhavam e parecia que não cumpriam, eles também estava fazendo para eles próprios, não tudo, mas o suficiente para quebrarem da maneira lamentável como quebraram agora. O fracasso do neoliberalismo e a criação de riqueza financeira fictícia, com a multiplicação por três ou quatro vezes dos ganhos dos rentistas, tudo isso deu um bumerangue. Acho que o discurso neoliberal está morto.

CC: Também no Brasil?
LCBP:
No caso brasileiro, além do Lula, parece que existe um outro herói no Brasil, o Henrique Meirelles. Todos os brasileiros somos reféns da inflação. E acreditamos que é graças ao Meirelles e ao Banco Central que a inflação está baixa no Brasil, o que é ridículo. A inflação está baixa porque foi neutralizada a inércia em 1994. E principalmente porque desde 1999 o Brasil tem uma política fiscal responsável, são esses os dois motivos.

Essa política de meta de inflação foi só um jeito de aumentar a taxa de juros de forma a dar vantagem aos rentistas. E usaram a taxa de câmbio para controlar a inflação, em vez de fazer um controle da inflação mais correto, por meio da desindexação dos preços públicos. O Lula está com 80% de apoio e ele próprio acha que deve uma parte disso ao Meirelles. É um equívoco monumental, mas o que se pode fazer?

CC: O Meirelles é uma espécie de totem para os dois lados. Para o Lula, por essa razão que o senhor mencionou. E para a oposição, por supostamente representar a continuidade da política econômica anterior.
LCBP:
A sua análise é correta. Mas isso uma hora acaba.

CC: Acaba bem ou mal?
LCBP:
Acaba bem. O Brasil avançou bastante na defesa dos seus interesses. Mesmo no governo Fernando Henrique, a Petrobras não foi vendida. Não vendeu todas as hidrelétricas, vendeu uma parte. E agora no governo Lula as ações do Ministério da Fazenda, do BNDES, são ações voltadas ao interesse nacional, muito claramente.

Critico muito os brasileiros porque são pouco nacionalistas. Mas quando vou ao exterior e vejo compararem o Brasil com os demais países da América Latina, percebo que somos os mais capazes de defender os próprios interesses. O México também era assim, até que um dia um senhor chamado Salinas assinou a carta de submissão aos EUA, e aí foi uma desgraça.

CC: O Brasil quase foi nessa também, não?
LCBP:
A gente quase foi porque a hegemonia neoliberal dos anos 90 era muito violenta, então todos nós caímos, cada um de um jeito. Eu mesmo em alguns momentos tremi. Ninguém escapa a esse tipo de hegemonia. Nos anos 90, começaram as crise, no México, depois na Ásia, que foi muito importante, na Rússia, no Brasil, na Turquia e depois, em 2001, na Argentina. Essas crises fizeram o Terceiro Mundo abrir os olhos. E depois vem essa crise de 2008 que faz os países do Primeiro Mundo verem que estavam eles próprios sendo completamente enganados.

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