domingo, 7 de março de 2010

HISTÓRIA - O pedido do Vaticano a Tancredo.



Reforma Agrária. O pedido do Vaticano a Tancredo Neves

A velha agenda ficou entre os guardados do embaixador e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero por um quarto de século. Nela, o diplomata registrou, em letra de mão caprichada, um capítulo conturbado da história brasileira.

A reportagem é de Ivan Marsiglia e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-03-2010.

No dia 23 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, recém-eleito presidente, partiu em avião de carreira do Aeroporto do Galeão para o exterior. Com ele, uma discreta comitiva, integrada, entre outros, por Ricupero, o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, a primeira-dama, d. Risoleta, e seu neto, Aécio Neves. A ditadura militar agonizava, mas elementos da linha-dura do regime - que o general Ernesto Geisel chamara de "sinceros, porém radicais" - ainda resistiam à Nova República.

"A viagem tinha o sentido de uma sagração para desestimular qualquer tipo de golpe", lembra Ricupero. O périplo de 15 dias viria a ser, nas palavras do ex-chanceler Celso Lafer, o "momento presidencial de Tancredo", no qual se pode vislumbrar o que teria sido a sua presidência.

O jornal publica um trecho que relata a inusitada conversa no Vaticano com um assessor do Papa,

SURPRESA NA SANTA SÉ

Cumprimos esta manhã o programa no Vaticano. O único aspecto inesperado foi a longa duração da audiência a sós com o papa, das 11h32 às 12h15, bem mais do que os 15 minutos previstos. (...) Fomos, em seguida, recebidos pelo cardeal Casaroli, o secretário de Estado, homem miúdo, de ar inteligente.

O presidente eleito adotou, no início da conversa, temas e tons que naturalmente imaginara que seriam do agrado de um cardeal idoso, dos mais poderosos da Cúria romana: "Eminência, viemos aqui, minha mulher, minha comitiva e eu, trazer ao Santo Padre a comovida expressão dos sentimentos mais sinceros da devoção e da filial obediência do povo brasileiro. Nossa população é muito sofrida e ainda numerosos brasileiros vivem em estado de lamentável pobreza (...). São os atributos de fervorosa fé católica e de viva religiosidade que explicam a resignação com que a população brasileira suporta a adversidade e o sofrimento".

O velho cardeal secretário de Estado ouviu tudo com atenção e, na mesma nota de unção e formalismo, replicou usando palavras parecidas, mas se encaminhando a uma conclusão bem diferente: "Senhor presidente, tenho a certeza de que o Santo Padre terá acolhido com grande alegria esse fervoroso testemunho (...). Mas é preciso nunca esquecer que a fé profunda, a religiosidade são sempre admiráveis, mas não bastam. É necessário igualmente agir para mudar a situação, para melhorar as condições de vida do povo, não só resignar-se. É preciso realizar a reforma agrária e as demais reformas sociais aconselháveis."

Senti que dr. Tancredo não esperava esse tipo de resposta.

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