A leviandade e a falta de fundamento da campanha contra Fachin
Por Mário Luiz Delgado, advogado, doutor pela USP, mestre pela PUC/SP, no Consultor Jurídico.
Ao longo dos últimos doze anos de governos do PT
vimos serem questionadas as indicações ao Supremo Tribunal Federal pelos
mais diversos motivos, sendo o mais frequente a suposta ligação dos
indicados com o Poder Executivo, pondo-se em dúvida a imparcialidade dos
futuros magistrados quando convocados a julgar demandas de interesse de
quem os nomeou. Na maioria dos casos as suspeitas eram infundadas,
bastando citar, por emblemáticas, as nomeações de Joaquim Barbosa e Luiz
Fux e suas posições no julgamento da Ação Penal 470, o processo do
mensalão.
Já se chegou a criticar a indicação de um ministro
por falta de preparo intelectual, muito embora nada de concreto possa
ser apontado até hoje em sua atuação na mais alta magistratura da nação.
Entretanto, jamais houve uma contestação mais
virulenta ou desarrazoada como a lançada atualmente contra Luiz Edson
Fachin. Mais do que censurar a indicação, tenta-se deturpar a biografia,
contorcer posições jurídicas e denegrir a moral de um jurista de escol,
considerado um dos mais brilhantes de sua geração. É verdade que os
principais censores, para não dizer algozes, do indicado se situam fora
do meio jurídico, sem qualquer conhecimento, ou condições técnicas, para
avaliar as suas manifestações acadêmicas.
Chegou-se ao ponto de um conhecido blogueiro de uma
revista semanal [N.E.: Reinaldo Azevedo], sem formação jurídica, se
meter a analisar questões de Direito de Família, impingindo a Fachin
posições que não são dele, como, por exemplo, a extensão de supostos
direitos à amante ou a defesa da poligamia. Sobre esse tema o jurista já
se expôs, de forma contundente, inclusive na grande imprensa: “Não
comungo de qualquer pretensão de ruptura do modelo monogâmico, em termos
de estruturação social. Admito apenas a proteção jurídica, individual,
daqueles que não vivem sob esse modelo basilar.”(Folha de S.Paulo, 3 de maio de 2015).
Se a pseudo análise jurídica do blogueiro fosse
honesta e com o mínimo alicerce intelectual, deveria ter feito menção ao
recente julgamento do STJ, no REsp 1.185.337/RS, que reconheceu a
proteção do Direito de Família à situação de uma concubina,
assegurando-lhe o direito a alimentos. Ora, essa é uma questão
tormentosa e das mais atuais na doutrina e na jurisprudência, a
comportar posições diametralmente opostas e que não pode ser tratada de
forma rasa e leviana, como fez o blogueiro.
O mesmo jornalista também se arvorou a discutir a
posição de Fachin sobre a “função social da propriedade”, desconhecendo
completamente que tanto a função social da propriedade como dos
contratos encontram-se expressamente positivados na Constituição de 1988
e no Código Civil de 2002. Antes do CC/2002, até se poderia defender
que a idéia de função social não integrava o conceito de propriedade. O
novo Código tornou o direito de propriedade mais social, enfatizando que
a função social abrange também a proteção ao meio ambiente e às belezas
naturais, diminuindo prazos de usucapião, estabelecendo uma nova
modalidade de desapropriação social, decorrente de decisão judicial.
A concepção de função social de Fachin se insere no
movimento de “repersonalização” de todo o direito civil, dentro de uma
visão antropocêntrica do direito privado. O centro do ordenamento não é
mais o “patrimônio” ou o “homem individual”, mas sim o homem inserido no
complexo das relações sociais, e cuja atuação é funcionalizada em favor
da coletividade universalizada. Em oposição ao “patrimonialismo” dos
códigos oitocentistas, que norteou nosso ordenamento juscivilístico nos
últimos séculos, pretende-se recolocar o ser humano e os valores
existenciais no vértice do ordenamento jurídico, considerando que a
pessoa humana é o valor que deve orientar todo e qualquer ramo do
direito, especialmente o direito civil.
Trata-se, assim, de uma nova concepção do patrimônio
que coloca “no centro das relações jurídicas a pessoa e seus respectivos
valores personalíssimos, especialmente, dentre eles, aquele jungido a
uma existência digna”1.
A propriedade, como todo e qualquer direito
subjetivo, não é absoluta e comporta restrições, podendo mesmo ser
afastada quando desvirtuada de sua função social. Isso qualquer
estudante de Direito sabe. Evidente que não se pode exigir conhecimentos
técnicos dos que se dizem formadores de opinião. Mas é de se exigir, ao
menos, honestidade. Que não se fale do que não se sabe.
A prosperarem as estultices reverberadas por alguns
desinformados ou mal intencionados, todos os autores do Direito Civil
contemporâneo seriam considerados “esquerdistas” e aliados ao MST.
Todos nós seríamos chamados de “petralhas”!
O nome de Luiz Edson Fachin tem o apoio praticamente
unânime da comunidade jurídica. Nunca se viu um indicado ao STF com
maior aprovação por parte dos que conhecem o Direito. Todas as
seccionais da Ordem dos Advogados doo Brasil, Associações de Juízes, de
membros do Ministério Público, de procuradores, academias de Letras
Jurídicas, professores das principais faculdades de Direito, tribunais
de Justiça, ministros dos tribunais superiores, todos enaltecem a
biografia, o notório saber e a reputação de Fachin.
Paradoxalmente, em tempo algum eclodiram imprecações
tão viscerais contra um indicado. Logo agora que o governo do PT faz a
sua melhor indicação em seus quatro mandatos consecutivos? Logo agora
que um civilista está prestes a retornar ao STF, demanda que se
manifesta desde a aposentadoria de Moreira Alves? O pior de tudo é que a
população, leiga e desavisada, tem embarcado nessa canoa furada,
inflamando o Senado a rejeitar o nome de Fachin.
Estamos todos loucos? Estaria correto Herasmus
Gerritszoon, mais conhecido como Erasmo de Rotterdã, quando dizia que
“tudo o que fazem os homens está cheio de loucura”? É o que parece. E
sendo assim, deveríamos seguir o conselho do teólogo holandês? (“se
houver na face da terra uma única cabeça sã, que se retire para um
deserto, a fim de gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria”)
Não! Não vamos nos retirar para o deserto, mas lutar para que a verdade seja restaurada e a desonestidade espancada.
É um absurdo e uma injustiça o que se está a dizer de
Fachin, só pelo prazer de contestar. Quando se passa a raciocinar de
forma tão inconsistente não há como responder, já ensinava Miguel Reale.
Espero que os senadores da República saibam separar o
joio do trigo e não se deixem influenciar por manifestações tão
levianas quanto infundadas e inconsequentes como as que tem sido
publicadas, especialmente nas redes sociais, fazendo prevalecer os
interesses maiores do país, que coincidem com a aprovação e posse do
Fachin na nossa mais alta corte de Justiça.
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