Cláudio Lembo
Aproximam-se os derradeiros momentos de 2008. Ficará marcado como um ano terrível. Romperam-se os laços de confiança que devem existir entre as pessoas.
Quando os vínculos se quebram, o convívio torna-se inevitavelmente perverso. Os acontecimentos financeiros, que marcaram o último trimestre de 2008, violaram normas elementares de convivência.
Qualquer observador, medianamente consciente, sabia que a ciranda financeira, concebida por inteligências malignas, não poderia acabar bem. Era inevitável a grande catástrofe.
Aconteceu. Suportadas em uma globalização sem regras de comportamento, as instituições financeiras norte-americanas exportaram práticas de engodo. A vantagem sem trabalho.
A praga espalhou-se por toda a parte. Vetustos bancos europeus entraram no minueto - ou no diabólico rock - gostosamente. As velhas barbas dos antepassados foram raspadas pelos jovens sem escrúpulos.
Uma geração de inconseqüentes surgiu do ganho fácil. A riqueza a partir do nada. Verdadeiros alquimistas. Transformaram antigos procedimentos em farsas contábeis. A austeridade em peça de museu.
Não transformaram metais comuns em ouro. Ao contrário, estes desalmados geraram a miséria geral. Milhares de pessoas desempregadas. Grandes investimentos perdidos.
Tudo isto é muito grave. Mas, não é o pior. A péssima herança gerada pelos yuppies - estes pernósticos e soberbos operadores financeiros - é a perda da credibilidade.
Hoje, ninguém confia em ninguém. As palavras possuem pouco valor. As informações oferecidas tornaram-se peças de ficção. A mentira contaminou todas as relações comerciais.
Eram estes operadores de mercados críticos dos sistemas políticos e de seus atores. Sabiam tudo. Sempre ofereciam suas opiniões de queixo erguido. Todos obrigados a ouvir estes oráculos da patranha.
Ai de quem duvidasse. Os meios de comunicação abriam páginas e espaços eletrônicos para suas baboseiras. Não podiam ser contestados. Contavam com o dom da infalibilidade.
Esta - como todas as infalibilidades declaradas - ruiu. Apesar de parecerem deuses, estes operadores financeiros eram humanos. E, como humanos, possuíam todos os vícios e nenhuma virtude.
Produziram a mais virulenta peste conhecida pela humanidade. Não é biológica. Gravemente moral. Mentiram. Falsearam números. Romperam os mais elementares princípios da confiança.
Os governantes - os maus falados políticos - de todos os países tornaram-se agentes da salvação. Obama precisa resolver os problemas dos Estados Unidos. Os líderes europeus as aflições dos povos da União Européia.
Os esfarrapados governantes latino-americanos proferem discursos barrocos na busca da salvação. Bons ou maus são os políticos que procuram saídas.
Os financistas calam-se. Temem a perda de seus privilégios. Começaram a se preocupar com sua própria sobrevivência. Sabem que a qualquer momento poderão ser julgados e condenados.
Grande ironia. Os falsos sábios de ontem - falavam sobre tudo e davam lições aos políticos - tornaram-se motivo de escárnio. De profunda suspeita.
Restam traços de confiança no Poder Público. Este indica novos caminhos para as sociedades fragilizadas e atônitas. O Estado, ente tão espezinhado nos últimos anos, volta ativo a exercer suas clássicas funções.
Preservar os povos e indicar soluções. Este sempre foi o papel do Estado. Desejaram transferir estas funções ao mercado e a seus operadores. Deu no que deu.
A História registrará este ano 2008 entre os mais trágicos da humanidade. Perdeu-se o sentimento da confiança. Os operadores financeiros praticaram uma hecatombe moral.
Bem registrou The Economist, revista inglesa: 2008 será conhecido como o annus horribilis. O pior da História econômica e financeira, em razão de seus efeitos universais.
Razão tinham os velhos banqueiros mineiros: Quem gasta mais do que pode é ladrão ou esta p'ra ser.
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.
Fonte: Terra Magazine.
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