Publicação ensinava a fazer buscas clandestinas e interrogatórios, além de citar técnicas de contrapropaganda.
Marcelo de Moraes
Para facilitar a repressão a seus adversários, manuais secretos da ditadura militar ensinavam o passo- a- passo para a atuação e infiltração de seus agentes de informação. A preocupação em vigiar e barrar os passos dos opositores do regime era tão intensa que esse tipo de material chegou a ser editado, na década de 70, até mesmo por órgãos que, por suas finalidades, não deveriam cuidar desse tipo de assunto.
Foi o caso do então Ministério da Educação e Cultura (MEC) - hoje desmembrado em duas pastas distintas -, que publicou, em 1970, um Manual de Segurança e Informações. O Estado teve acesso ao documento inédito, com 75 páginas e classificado como reservado, que está guardado no Arquivo Nacional, em Brasília.
O material parece uma cartilha do Serviço Nacional de Informações (SNI), principal órgão de inteligência da ditadura. Oferece instruções absolutamente anormais para uma publicação do Ministério da Educação e acaba servindo como testemunho formal da existência de técnicas violentas de interrogatório.
"Se hoje, nos países democráticos, a psicologia prática, aliada à sagacidade e à experiência dos inquiridores, tem dado ótimos resultados, os métodos violentos e brutais ainda são utilizados por algumas organizações, não obstante a sua total ilegalidade e pequena eficiência", descreve o manual, na sua página 17. Chega a admitir que "por mais democrático que seja o interrogatório, será sempre um ato de coação psicológica, visto o interrogado encontrar-se em situação de inferioridade em relação ao inquiridor".
O manual ensina como um agente deve fazer buscas, inclusive clandestinas, alertando para as conseqüências de um fracasso. "Convém assinalar que uma busca clandestina mal sucedida poderá conduzir ao ridículo um órgão e até mesmo um serviço de informações", previne o documento. "A montagem de uma busca clandestina deve ser meticulosa e detalhada. A execução deve ser entregue a agentes experimentados.
No manual, o governo não tem qualquer pudor em sistematizar a atividade de busca clandestina, um instrumento que o próprio documento reconhece como prática ilegal.
"Decidida a realização de busca clandestina, a meticulosidade deve ser a tônica em todos os itens do planejamento, pois que dois fatores essenciais devem ser conciliados: eficiência e segurança. Sendo uma operação sem cobertura legal, a compartimentação rigorosa, em todos os escalões e em todas as suas fases, é básica para a segurança da operação em si e para a salvaguarda da organização que a ordenou", recomenda o manual.
Detalha ainda técnicas de contrapropaganda, contra-espionagem, contra-sabotagem e contraterrorismo. No caso da contrapropaganda, o manual prega que a imprensa deveria ser o alvo desse tipo de ação.
"Os profissionais da imprensa (escrita, falada e televisionada) devem constituir o primeiro objetivo de quem planeja a contrapropaganda. Uma vez influenciados e orientados, tornar-se-ão os veículos das idéias, sentimentos e atitudes que se pretendem incutir em qualquer público", orienta o manual.
Em outro ponto, onde trata do combate à subversão, o manual admite o uso da força contra a ação de dos grupos clandestinos. "A única força empregada, diametralmente oposta à subversão, é aquela que terá de ser executada contra terroristas, bandos armados e guerrilhas. Em outras palavras, a força empregada contra os subversivos que pretendem obrigar a população a lhes dar apoio ou que combatem pelas armas contra as autoridades."
O manual tinha como objetivo ajudar a sistematizar a produção e transmissão das informações consideradas estratégicas pelo governo contra seus adversários, aproveitando as novas técnicas de comunicação.
"Na era da comunicação, que permite a divulgação de idéias e informações com uma rapidez nunca antes sonhada, a Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação e Cultura objetiva, com este manual, maior aproximação com as fontes, através do pleno conhecimento de seu setor específico e, de modo especial, a correta mentalidade de informações", avisa a introdução do material.
E introduz, em seguida, uma filosofia de "guerra" contra os grupos clandestinos que combatiam o governo. Para isso, usa uma citação de "A Arte da Guerra", um clássico da estratégia militar, do chinês Sun Tzu: "Se conheceis o inimigo e vós mesmos, não deveis temer o resultado de cem batalhas. Se conheceis a vós mesmos, mas não conheceis o inimigo, para cada vitória alcançada sofrereis uma derrota. Se não conheceis nenhum dos dois, sereis sempre derrotado".
O governo também admite as dificuldades de lidar contra a oposição armada, a quem trata como terroristas. "O terrorismo é uma arma poderosa, particularmente para perturbar a segurança interna. Tem como alvo, sempre, as populações e contra elas dirige seus ataques", diz o texto. "Como os agentes terroristas têm a vantagem da iniciativa, da escolha dos alvos e da oportunidade, o contraterrorismo é uma atividade difícil, de caráter eminentemente preventivo."
Fonte:ESTADÃO.
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