Marcia de Almeida.www.emdiacomacidadania.com.br
Martín Almada
# Como foi que o senhor descobriu a existência da Operação Condor, na década de 70?
M.A: Fui preso no dia 26 de novembro de 1974, voltando da Universidade de La Plata, onde eu era professor. Queriam saber se a universidade tinha contatos com a opsição argentina.
O primeiro a me interrogar foi um militar chileno. Depois, um argentino, pois eu estava na Argentina.Eram todos muito elegantes, pareciam estar indo a um baile de gala. Muitos levavam suas condecorações no peito, e óculos escuros.
# Eles adoram óculos escuros…Pinochet, João Batista figueredo, no Brasil, Jorge Videla, na Argentina…
M.A: Isso mesmo. Fiquei 30 dias nas mãos deles, sendo interrogado e torturado. Nesses 30 dias, vi mais de 1200 torturas, de gente de todas as idades e nacionalidades: camponses, classe média, estudantes, intelectuais, mas sobretudo, camponeses. Depois deste período, fui classificado como terrorista intelectual, por terem encontrado um livro de Paulo Freire nas minhas coisas. Eu era diretor de uma escola e líamos Paulo freire. E também era dirigente sindical do magistério. Eu não queria grandes mudanças políticas, queria reformas, melhorar a situação econômica da minha categoria, mais nada.
Minha referência era Fernando Henrique Cardoso, eu estava apaixonado pela sua teoria do desenvolvimento e dependência. Minha tese na universidade for a Paraguai, Educação e Independência, onde eu dizia que a Educação no Paraguai era classista.
# Tem uma passagem pela Interpol, não tem/
M.A: Sim, depois de 30 dias e de ter sido rotulado, fui mandado para uma delegacia da Interpol, que estava começando. Squela era a peração Argentina.
A Interpol estava a servico da Operação Condor. Era uma InterCondor. Eles vinahm aos sábados e ajudavam a afogar os prisioneiros acusados de terrorismo, ali na nossa frnete, porque a diferença do Paraguai para o brasil, Uruguai e Argentina, na época, é que a tortura era aberta. E eu conhecia todos eles.
Um dia, cai lá dentro um policial cujo filho estudava na Universidade de La Plata e isso era sinônimo de subversào. O pai não havia dedurado que o filho se convertera a ela. E ele, claro, mais do que ninguém, conhecia um por um daquela gente. Depois, perguntando, fiquei sabedo que ele trabalhara no setor de telecomunicações, era quem recebia e traduzia os telex.
E ele me disse que havia tantos oficiais estrangeiros ali, porque estávamos em mãos do Condor. Era maio de 75. Já havia um colaboração bilateral entre as ditaduras militares, mas foi nesse ano que nasceu o Condor. Em dezembro de 1975, oficialmente, em Santiago do Chile, e estávamos em maio.
E este agente me deu o nome do oficial chileno que me torturou, Jorge Oteiza López, da força aérea chilena. E o do argentino. Eu contiuava perguntando tudo e lá pelas tantas ele me disse que, se eu saísse vivo dali, deveria procurar pela revista Polícia, do Paraguai uma publicação interna, editada e distribuída entre os agentes no país -, pois tudo o que eu queria estava lá.
Como eu dava um curso de alfabetização para os presos, especialmente os camponeses, que eram uns 30, com o método Paulo Freire, fui transferido para um lugar pior, chamado Comisería 3a. Sepulcro de los Vivos. Em condições sub humanas, o argentino Almir Santucho, que me contou ter passado por um tribunal militar, comandado por um oficial chileno.
Era a segunda vez que me falavam da Operação Condor.
Fui transferido, então, para um campo de concentração, onde éramos uns 400 presos e, lá, uma senhora paraguaia, que fugira de Stroessner para a Argentina, me falou do Condor . Era a terceira vez e tive a noção exata de que havia um pacto criminoso entre Brasil, Uruguai, Chile, Argentina, Bolívia e Paraguai. Mais tarde, entrou o Equador, mas seu papel no Condor não é muito claro.
# Mas o senhor conseguiu provar isso com documentos, né?
M.A: Sim, sim. A Anistia Internacional conseguiu me tirar do Paraguai, em 1977. Fui para o Panamá e, depois, para Paris. Acabei me tornando um consultor da Unesco para América Latina, um alto cargo, muito bem pago. Como eu havia levado minha mãe e meus 3 filhos, e ela não se adaptara, pois mal falava o espanhol, só guarani, e a colônia paraguaia era grande, começou a fazer encontros aos sábados, com alguma comida típica. Ali, também frequentado por gente ligada ao governo, pedi a um deles que me trouxe erva mate para o chimarrão, e a revista Policia, que haviam dito ser a melhor do gênero na América Latina e a ONU queria tê-la.
Funcionou, e, como eu conhecia caras e nomes, e eles estavam lá – a revista falava da vida social e profissional dos agentes, promoções, bolsa de estudos -.
Em 15 anos de investigação, identifico 3 lugares possíveis. Em 89, há um quartelaço e cai Stroessner, se asilando no Brasil. E passamos a ter o direito de pedir nossos antecedentes nos arquivos. Em 1992 há uma nova constituição. E eu queria modificar aquela pecha de terrorista que ainda existia. Queria também saber como morreu minha mulher e saber por quê havia militares estrangeiros no meu país.
Os militares paraguaios têm complexo de faraó
As forças de segurança me disseram que não havia antecedentes e que eu nunca tinha estado preso. Como eu era o primeiro paraguaio a se tornar doutor em Educação, a ser funcionário das Nações Unidas, e eu, muito elegante, de sapatos de Charol, claro, simbolizando o Poder. E eu usava o carro maior que havia e ficava lá dentro, pensando que eu estava feito os militares paraguaios – que têm complexo de faraó. O símbolo de poder para eles era ter uma casa muito grande, que chamavam de palacete. E eu mentia, ia num lugar e dizia que queria construir ali um palacete…Ou que queria comprar aquele palacete. Então, com sapatos de Charol, carro grande, falando francês, causava grande impressào.
Um dia, num desses lugares que eu dizia em que queria construir um palacete, veio uma senhora e, em guarani, me perguntou se eu era eu. Ficamos conversando e, de repente, ela se transforma numa mulher amarga e má, e me diz que aqueles que partiram ficaram numa boa, e que aqueles que ficaram, continuaram a sofrer. E me contou que aquele terreno ali era dela, onde criava cabras e plantava verduras e legumes para vender na cidade, e a polícia política quis comprar por nada.
# Qual foi a posição da Igreja paraguaia nesses anos todos, especialmente nos anos 70>
M.A: A Igreja teve uma postura muito boa, pois se guiava pela teologia da libertação, que era muito boa e muito revolucionária. Era uma posição de enfrentamento aberto. Hoje, com a democracia, a Igreja é totalmente de direita.
# Bom, eu acho que sempre que a Igreja ( falo da católica) vai para a esquerda, ela retorna ao seu ponto de origem, que é a direita mesmo, pura e simples. Ela , fora a Teologia de Libertação, sempre esteve com os ricos.
E quando o senhor pode fazer a denúncia oficial sobre a existência da Operação Condor?
M.A: Chego lá. A senhora me diz que aquela propriedade era dela e que, como prenderam seu filho, trocou a propriedade pelo corpo vivo do filho, mas que ali existiam almas penadas, de jovens mortos. Como eu havia dito que queria meus arquivos, a imprensa noticiou e eu recebo um telefonema de uma mulher, que diz que meus arquivos policiais estão fora de Assunção. Nos encontramos e ela, uma cinquentona muito chique, diz que quer colaborar com a Justiça e me traz a Operação Condor, em papel.
Eu levei aquilo tudo ao juiz.
Essa mulher era casada com um policial, que foi embora com a secretária. Era uma vingança pessoa, mas isso eu só soube 10 anos depois.
No lugar citado pelo plano da Operação, que era exatamente o local que pertencera à senhora que me falara em guarani, havia documentos preciosos, incluindo os de 1929 a 1939, a história da repressão política no Paraguai, aos anarquistas espanhóis, para os comunistas, para os socialistas e para nós, tidos como subversivos. Depois, a história da evolução nazista. E encontramos a ata de nascimento oficial da Operação Condor ( obs: o documento está sobre a mesa, li, e fiquei de receber uma cópia), datada de outubro de 1975. Um convite de trabalho e inteligência do General Contreras, do Chile, ao Paraguai.
Eu chamo a isso ata de nascimento do Condor. Eles estavam ali para salvar a civilização cristã ocidental, com a proposta de criar uma comissão de segurança e um banco de dados em todos os exércitos daqueles países. E diz que queria criar algo similar ao que a Interpol tem, em Paris. Eu estivera preso na Interpol, e Pinochet queria criar uma espécie de Interpol. Coincidência, não? Eles tinham tudo e toda a proteção, imunidade diplomática. E os adidos militares todos eram Condor, por isso eu havia sido interrogado por oficiais militares.As relações de parceria militar bilateral, já existiam, mas a partir dali elas foram multilaterais, organizadas. Tudo estava previsto.
E isso deixou como consequência mais de cem mil mortos, entre Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai. Se examinarmos caso a caso, veremos que uns 50% eram dirigentes sindicais. Depois vinham os estudantes, professores, jornalistas, religiosos e religiosas, artistas, advogados, médicos, intelectuais.
Em 10 anos se decapitou a classe pensante da América Latina. 15, 20 anos depois da descoberta desses arquivos, vemos que nada foi casual. Nossa ignorância, nossa morte, tudo foi planejado.
# E o que mais se pode concluir sobre a Operação Condor?
M.A: Que o Condor foi uma consequência da Guerra Fria. E o mais grave: él Condor sigue volando. Hoje, a Operação Condor está globalizada. Antes, eram seis países. Com Bush, se globalizaou: eles foram aos paises do leste europeu, há Guantánamo.
# Havia um vetor especial da Operação Condor para estudantes, não é? O senhor poderia falar um pouco disso?
Fonte:Blog Em dia com a cidadania.
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