Por Redação, com Reuters - de São Paulo
Catherine Deneuve ficou com o papel da matriarca Junon.
No cinema de Hollywood, Natal é sempre igual: a época do ano quando as famílias se reúnem para trocar acusações mútuas e acertar as contas com o passado. Um Conto de Natal, que estréia apenas em São Paulo, possui todos esses elementos, mas há um diferencial: este filme é francês, por isso, seu desenvolvimento reserva várias surpresas, a começar pelo tom irônico e, às vezes, amargo.
Dirigido com vigor por Arnaud Desplechin (de Reis e Rainha), a partir de um roteiro assinado por ele e Emmanuel Bourdieu, Um Conto de Natal é um filme de difícil classificação. Há momentos de comédia, como também de drama e sentimentalismo. O cineasta transita por diversos registros e técnicas - até teatro de marionetes aparece na tela -, acrescentando camadas aos personagens e suas tramas.
A matriarca, Junon (Catherine Deneuve, que recebeu um prêmio especial por este trabalho no Festival de Cannes 2008), sofre de um tipo raro de câncer e depende de um transplante para sobreviver. Seus possíveis doadores são os parentes mais próximos - ou seja, filhos e netos. O fato de a família não se dar muito bem, mantendo ressentimentos e frustrações do passado, dificulta as coisas.
Depois de uma série de exames, descobrem-se os possíveis doadores: Henri (Mathieu Amalric, de 007 Quantum of Solace), o filho do meio de Junon, e Paul (Emile Berling), o neto depressivo e suicida. As perspectivas, assim, não são nada boas para Junon, uma vez que Henri foi banido da família pela irmã mais velha, Elizabeth (Anne Consigny) e sempre teve uma relação bastante tensa com a própria mãe.
Desplechlin nos lembra de que somos protagonistas de nossas vidas, mas coadjuvantes das vidas das outras pessoas. Assim, todos aqui têm seus momentos em primeiro plano. Sylvia (Chiara Mastroianni), por exemplo, a mulher do filho mais novo, Ivan (Melvil Poupaud), tem uma história de amor mal resolvida com o primo dele, Simon (Laurent Capelluto), que só agora vem à tona, quando ela descobre ter sido privada de uma chance de escolha entre os dois rapazes.
Um diálogo entre Junon e seu filho mais rejeitado, Henri, de quem agora tanto necessita, traz à tona a frieza da relação entre os dois. Ela lembra que ele foi concebido para salvar a vida do irmão mais velho há muitos anos, mas o transplante não funcionou, o primogênito morreu. Pela vida toda, Henri foi culpado por isso. Só que agora repete-se uma situação parecida, entre a mãe e o filho.
Apesar de sua longa duração (duas horas e meia) e sua verborragia tipicamente francesa, Um Conto de Natal consegue colocar o público dentro da reunião familiar. Não é como se assistíssemos a um final de semana entre família, é como se fossemos um dos convidados, compartilhando com eles as dores e alegrias dessa convivência.
Como em seu Reis e Rainha, o diretor não tem medo de usar elementos que, nas mãos de outros cineastas, pareceriam exibicionismo.
Com citações de Nietzsche a Shakespeare, passando por Hitchcock, e atores falando diretamente para a câmera, Desplechin retrata a complexidade da vida, em especial, aquela em família - em que a convivência tantas vezes depende mais de abrir mão de algumas coisas do que impor os próprios desejos.
Fonte:Jornal Correio do Brasil.
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