SUSANA SALVADOR.
em Havana.
A jornalista viajou para Cuba com visto de turista
Havana. Há meio século, Fidel Castro liderava os guerrilheiros para a vitória, depois de três anos de luta na Sierra Maestra. Hoje, os cubanos ainda apoiam a revolução, mas vivem com esperança de que o futuro será melhor. Raúl Castro prometeu mudanças e Cuba está à espera. Amanhã: o turismo como motor económico da ilha
Marisa tinha 17 anos quando os barbudos liderados por Fidel Castro entraram triunfantes em Havana. Apesar de ser oriunda de uma família burguesa, abraçou a revolução que prometia acabar com as desigualdades sociais na sua ilha. "Foi um amor à primeira vista", diz hoje esta antiga historiadora de olhos azuis, que revela aos turistas as histórias dos bastidores do Hotel Nacional de Cuba. Um amor que, como qualquer outro, teve os seus momentos bons e maus, mas que agora celebra as suas bodas de ouro. "Há dificuldades, não vou dizer que não, mas é tudo por causa do bloqueio."
No pequeno parque na esquina da calle San Rafael com a Avenida de Itália, no degradado centro de Havana, Eloy e Juan discutem, como sempre, as novidades do dia. O primeiro olha com desconfiança para a estrangeira que acaba de se sentar no banco, mas o segundo vê com bons olhos a possibilidade de trocar dois dedos de conversa com uma portuguesa, uma quebra à rotina de reformado.
Tem "novio"? A pergunta sobre a existência ou não de um namorado costuma ser a terceira ou quarta que os cubanos fazem e Juan, de 64 anos, não é excepção. Este antigo mecânico divorciou-se há alguns anos da mulher, com quem teve sete filhos. "Dois vivem nos EUA", diz orgulhoso com um sorriso que revela já a falta de alguns dentes. Ao lado, Eloy, uns anos mais velho, participa na conversa apenas com monossílabos. O medo ainda está presente na sociedade cubana e nunca se sabe quem pode estar à escuta.
Tal como Marisa e a maioria dos cubanos, Juan repete o discurso oficial quando diz que a situação é culpa dos "imperialistas" e do embargo decretado na década de 1960. "Nós queremos fazer negócios com os outros países, mas os americanos não deixam. Descobrem e pressionam as empresas para que desistam", acrescenta, para logo depois se congratular com o apoio recebido do líder venezuelano Hugo Chávez: "A Venezuela é como uma família para Cuba."
Juan tinha 14 anos quando se deu a revolução, mas não gosta de se lembrar daqueles tempos - não do que veio depois, mas do que ficou para trás. "Ui, aqui em Havana era muito mau. Havia tortura, mortes..." Noutro canto da cidade, Che recorda como a polícia do ditador Fulgencio Batista (que fugiu de Havana a 1 de Janeiro de 1959, abrindo assim caminho à vitória dos barbudos que tinham desembarcado três anos antes do Granma) prendia os jovens por "tudo e por nada". O antigo guerrilheiro argentino, a quem roubou a alcunha, é o seu herói.
Na colonial Habana Vieja, este homem de 63 anos e uma longa barba posa para as fotografias dos turistas em troca de alguns pesos. Che lembra-se "como se fosse ontem" de ver entrar Fidel em Havana, última paragem da Caravana da Liberdade. "El Comandante chegou num tanque, com Fidelito ao lado". "E depois?", perguntamos. "Depois, tudo mudou... para melhor."
Saúde e educação são os aspectos que os cubanos mais gostam de destacar, quando é para referir as vitórias da revolução. Mas mesmo nestes sectores, a situação já não é a que era. Nos últimos anos, a ilha "exportou" médicos e professores para outros países da América Latina e do mundo, acabando por ficar com falta de profissionais. Mal pagos, estão sujeitos às pressões de todo o lado: quer isso signifique ganhar a vida a guiar um táxi ou receber dos alunos um pequeno suborno para garantir as boas notas.
Nos hospitais, os cubanos não pagam, mas muitas vezes faltam os materiais: "Um dia, precisei fazer uma radiografia e não foi possível", diz Yuan, de 30 anos, tantos quantos os do seu Fiat 500 que é preciso empurrar para pôr a funcionar. "Ou então, vamos à farmácia oficial do Estado e não há o remédio que procuramos, mas ao lado, na farmácia para os estrangeiros, já há", acrescenta, enquanto conduz pelo trânsito caótico de Havana.
Miriam, de 21 anos, dá graças a Deus pelos acontecimentos de há 50 anos. "Se não fosse a revolução, eu não podia estudar. Os meus pais não têm recursos", diz, sentada na escadaria em frente à Universidade de Havana. A nova geração de cubanos, que cresceu a ouvir louvar o regime, está dividida em relação ao futuro. Por um lado, estão confiantes nas mudanças iniciadas por Raúl Castro, mas por outro querem que estas ocorram mais rapidamente.
"Não acredito no fim do sistema, mas acredito numa abertura", explica Ariel, um mulato de 20 anos, colega de Miriam no curso de Alimentação. "Há muita coisa boa que a revolução nos dá. Em vez de criticarmos tudo, devíamos contribuir para a discussão, para as mudanças que já estão a acontecer", acrescenta, sob o olhar aprovador dos amigos. Quando a conversa recai no futuro Presidente dos EUA, Barack Obama, os rostos dos dois jovens iluminam-se de esperança. Ao contrário dos mais velhos, acreditam que o "embargo" é só uma desculpa usada pelo regime para justificar as dificuldades. E acreditam que Obama já vai ajudar Cuba, permitindo, como prometeu, o envio de remessas e facilitando as viagens dos americanos à ilha.
De volta ao banco de jardim, Juan não se deixa enganar: "Já passaram dez presidentes dos EUA e as coisas nunca melhoraram. Porque é que agora havia de ser diferente?" Frente à secção de interesses de Washington em Havana, na mais famosa avenida cubana, o Malecón, um trabalhador pinta pacientemente cada um dos 138 postes do "bosque de bandeiras", plantado pelo regime para esconder as mensagens ianquis que iluminam o edifício à noite. No dia 1 de Janeiro, os cubanos vão assinalar aqui, na Tribuna Anti-Imperialista, mais um aniversário da revolução que, para o bem e para o mal, continua viva.|
Fonte:DN Online.
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