Por Wálter Fanganiello Maierovitch
“Mas está claro que o sistema criminal, como numa república bananeira, já conta com o antes e o depois de Dantas. Para quem duvidar, basta atentar para a decisão da ministra Ellen Gracie, que blindou dados do Opportunity. Nesse caso, foi como impedir exame cadavérico num corpo crivado de balas e ficar sem a prova da causa da morte. E, sem essa prova, não se pode condenar”.
Fonte: CartaCapital
A atuação do ministro da Justiça, Tarso Genro, serve para explicar as razões das inúmeras reprovações de bacharéis em Direito nos exames feitos pela Ordem dos Advogados. Apenas os limitados conhecimentos em matéria criminal e processual-constitucional podem explicar a sua radical mudança de entendimento acerca do inquérito policial decorrente da chamada Operação Satiagraha.
Para Genro, inicialmente, esse inquérito, presidido pelo delegado Protógenes Queiroz, era um primor, com provas imaculadas e reveladoras dos autores de graves crimes. Depois do afastamento do delegado e da reação corporativa do Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o habeas corpus do poderoso paciente Daniel Dantas, o ministro Genro passou a entender que o inquérito estava eivado de vícios e precisava ser refeito.
Quando impõe o refazimento do inquérito, Genro obra em elementar erro de competência. Ou seja, invade o campo de atribuição constitucional reservado ao Ministério Público. E o pior dos vícios, ensinam os juristas, é o de não saber a medida da sua atribuição.
Em vez de pôr fim aos conflitos internos que desprestigiam a Polícia Federal e que não atendem aos interesses dos cidadãos, o ministro Genro preferiu subtrair atribuições exclusivas e indelegáveis do MP, que é independente, uno e indivisível.
Nesta quadra, convém recordar que o inquérito, nas ações de iniciativa pública, é peça de informação dirigida ao MP, titular da ação penal. Com base no contido no inquérito, que não é processo, é que o representante do MP formula a sua opinião. Ao formular o convencimento poderá o representante do Ministério Público concluir pela necessidade de se refazer a investigação, total ou parcialmente. É o representante do MP, e não o ministro da Justiça, a autoridade constitucionalmente competente para se manifestar no inquérito.
Pelo sistema processual-constitucional, o Ministério Público é o recipiendário do trabalho da Polícia Judiciária, ou seja, de uma polícia que apura, em inquérito, a autoria e a materialidade de crimes. Por tal razão, a Constituição da República atribuiu ao MP o poder correcional sobre a Polícia Judiciária.
Mais ainda, diante de eventual prova colhida de forma ilícita em inquérito, cabe ao Ministério Público desprezá-la, desentranhando-a dos autos, a fim de promover a responsabilização criminal do delegado, ou seja, do que presidiu o inquérito e colheu a prova proibida, ilícita.
Ensinam os bons livros de processo penal que as argüições de irregulares ou vícios no inquérito, quando repercutem na ação penal e trazem prejuízo ao réu, devem ser apreciadas pelo juiz. Sintetizando, cabe ao MP avaliar a prova incerta no inquérito e, caso utilizada no processo criminal, o juiz, em sentença sempre sujeita a recurso, compete concluir, de ofício ou provocação da defesa, sobre a sua higidez e validade.
Na reengenharia de Genro, o MP, que representa a sociedade, ficará cerceado e, até, poderá encontrar provas novas e a conflitar com as anteriores.
De repente, e é estranho, num caso a envolver o poderoso banqueiro, tudo é subvertido pela inusitada reengenharia de Genro. E não se está, aqui, a defender prisões espetaculares, humilhantes, ou o emprego sem necessidade de algemas. Nem a invasão de escritórios de advocacia para buscas e apreensões, a violar prerrogativa profissional. Muito menos, interceptações sem autorização judicial ou deferidas pelo juiz sem motivação. E jamais se está a pregar desrespeito às regras constitucionais, que devem servir de bússola a qualquer juiz.
Mas está claro que o sistema criminal, como numa república bananeira, já conta com o antes e o depois de Dantas. Para quem duvidar, basta atentar para a decisão da ministra Ellen Gracie, que blindou dados do Opportunity. Nesse caso, foi como impedir exame cadavérico num corpo crivado de balas e ficar sem a prova da causa da morte. E, sem essa prova, não se pode condenar.
Para o ex-ministro Thomaz Bastos, conseguiu-se aperfeiçoar o sistema com um órgão de controle externo do Judiciário: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Convém notar, entretanto, que o STF, órgão de cúpula do Judiciário, não está sujeito ao CNJ. Além disso, o CNJ é formado, em sua maioria, por juízes, ou seja, não é externo à Magistratura.
Para o ministro Genro, o delegado Protógenes, depois das apurações pela Corregedoria da Polícia Federal, será “homenageado” ou responderá na Justiça por ilegalidades.
Ora, ninguém é homenageado e nem desagravado em apuração correcional. Uma vez não encontradas infrações administrativas, o procedimento é arquivado. Em hipótese contrária, que o ministro Genro esqueceu de dizer, instaura-se processo administrativo que pode culminar na perda do cargo. Por que será que Genro não contou que Protógenes pode perder o cargo, administrativamente?
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