domingo, 29 de março de 2009

JOSÉ BOVÉ: A ECOLOGIA NÃO É COMPATÍVEL COM O CAPITALISMO.

Em um chat no Le Monde.fr, José Bové, cabeça-de-lista do sudoeste francês para as eleições europeias, reconhece que somente a junção Europa-Ecologia pode responder à atual “crise sócio-ecológica do capitalismo”.

Léon: Por que preferir a união dos ecologistas com a frente de esquerda?

José Bové : eu acredito que o importante é que hoje – e se percebe isto com a crise – temos em conta que a solução da crise e sua urgência impõem que se responda à desorientação de milhões de pessoas que se encontram desempregadas e, portanto, sem recursos. Ao mesmo tempo, esta crise que não é simplesmente uma crise social e econômica, é uma crise total do nosso modelo de desenvolvimento.

É o que nós classificamos como uma crise socioecológica do capitalismo. A partir desta constatação fica hoje evidente que a abordagem da junção Europa-Ecologia é a única capaz de responder aos dois níveis de crise. Além disto, no conjunto dos componentes do Europa-Ecologia, os conjuntos dos participantes estão de acordo com esta análise, o que fez que eu me engajasse nesta frente.

Archie: como militante de suas campanhas, inclusive a presidencial, eu não compreendo como você pode conciliar a ecologia com uma lista Europa-Ecologia cujo coração político é o liberalismo de efeitos devastadores?

José Bové: eu creio que esta é uma visão caricatural do Europa-Ecologia. Na verdade, atualmente os ecologistas são os únicos que se engajaram numa luta para cassar Barroso da direção da Comissão de Bruxelas. Não apenas sobre temas nem sempre ligados à ecologia, mas também sobre sua atitude em relação à desregulamentação social e em relação à colocação em risco dos direitos dos assalariados europeus e à sua vontade de querer desmantelar os serviços públicos.

De maneira idêntica, os parlamentares verdes europeus, dos quais Daniel Cohn-Bendit é o co-presidente, querem a saída de Barroso também porque ele quis impor acordos de livre-comércio com os países do sul e por ter forçado a extensão da política de livre-comércio. Portanto, está claro atualmente que o Europa-Ecologia, como eu sempre tenho dito, denuncia através dessas crises atuais, o modelo capitalista nos seus desgastes sociais e ecológicos.

Melanie Monjean: a questão ecológica transcende as divisões políticas?

José Bové: eu creio que a tomada de consciência em relação aos desgastes causados atualmente ao planeta pode ser levada em consideração por todos os cidadãos qualquer que seja sua preferência política. Todavia, apenas a constatação não é suficiente para produzir as respostas. E o modelo liberal, como este atual apoiado pela maioria na França e na Europa, não responde à crise e não permite a saída dela.

David_Miodownick: você acredita num eco-capitalismo?

José Bové: De maneira bem clara, para mim a ecologia não é compatível com o capitalismo. Todas as ideologias produtivistas, de direita ou de esquerda, falharam e os riscos ligados a este modelo com o aquecimento climático que se acelera demonstram que é necessário alterar o programa para repensar o futuro.

Isidore le bien heureux: ao entrar na arena política, você não está a ponto de renegar aquilo que fazia sua especificidade, ou seja, ocupar o terreno social?

José Bové: durante trinta anos eu fui sindicalista, eu estive na criação da Confederação Camponesa, fui porta-voz desta organização durante muitos anos e assumi responsabilidades no nível internacional na Via Campesina. Atualmente me parece essencial que os mais antigos, os que assumiram responsabilidades desse tipo assumam também a possibilidade de alterar as regras do jogo no nível europeu.

Naquilo que me envolve diretamente em relação à minha experiência, a questão da política agrícola comum que deverá ser modificada em 2013, não posso permanecer indiferente. Nós teremos uma chance histórica de reorientar a política agrícola de alimentação e assim também o futuro da biodiversidade no continente europeu. Não se trata apenas de uma questão de melhoramento das políticas atuais, é, isto sim, a necessidade de virar as costas ao modelo produtivista agrícola que eliminou milhões de camponeses, destruiu a qualidade dos alimentos e depredou o meio-ambiente. Ademais, é uma necessidade em relação ao futuro dos agricultores dos países do sul, vítimas do “dumping” econômico. É uma questão fundamental para mim e eu não posso ficar de braços cruzados.

David_Miodownick: na sua opinião, Nicolas Hulot é um verdadeiro ecologista ou apenas um aproveitador do espetáculo de cores ambiental?

José Bové: eu não gosto muito de falar dos outros. Entretanto, eu conheço eu conheço Nicolas Hulot há muitos anos e pude presenciar a evolução de suas tomadas de posição e devo reconhecer que em janeiro de 2008, na ocasião em que nós fazíamos greve de fome para conseguir a moratória da cultura do milho transgênico, Niimpocolas Hulot não apenas nos apoiou, como também ele se engajou de modo muito firme naquele combate. Para mim, estas são ações que contam e é o que me parece mais importante.

Isidore_le_bien-heureux: a quem você atribui a pouca credibilidade que os franceses atribuem, em termos eleitorais, aos movimentos ecológicos?

José Bové: eu não sei a partir de que critérios vocês se baseiam para fazer esta afirmação porque se vê a cada eleição local, comunitária ou regional os ecologistas têm sempre bons resultados. Do mesmo modo, a cada eleição européia as listas dos verdes – e agora a do Europa-Ecologia – obtêm resultados que ultrapassam sempre aquele que alguns observadores prevêem. Eu creio que existe uma verdadeira tomada de consciência entre nossos cidadãos sobre essas questões de urgência ecológica e que nas eleições desse tipo, os eleitores demonstram confiança nos ecologistas para apresentarem soluções para essas questões.

Resk1: você foi sempre considerado da esquerda libertária, mas você não foi bem entendido (completamente?) na questão Tarnac. Por quê?

José Bové: Eu apresentei, nos primeiros dias do surgimento da questão Tarnac meu apoio e não é meu hábito me impor no lugar daqueles que travam um combate. Por outro lado, eu estou sempre pronto a responder a qualquer apelo que me seja feito para ampliar o movimento.

Eu acho escandaloso que uma pessoa seja ainda presa enquanto tudo demonstra que nós fomos levados a um engano organizado pelo Ministério do Interior para tentar fazer prevalecer a teses de terrorismo. Através da questão Tarnac e também através de muitos outros atentados às liberdades assistimos atualmente uma degradação dos direitos das pessoas e uma política de mais e mais segurança, baseada no medo e na estigmatização.

Pims: Ao passo que diminui, você é favorável a uma alta do poder de compra?

José Bové: Em relação à questão do poder de compra, eu creio que é indispensável implantar medidas pontuais para o poder de compra, para permitir aos de mais baixos salários e às pessoas que recebem o mínimo social ou aposentadorias irrisórias viver com decência. Também, é necessário criar uma moratória nas expulsões habitacionais e uma proteção reforçada para os assalariados atualmente ameaçados de demissão, já que eles não são responsáveis pela crise.

Apesar de tudo eu gostaria de dar uma outra pista que é a respeito do fato de que se os sucessivos governos deste país nos últimos dez anos tivessem posto em prática as propostas dos ecologistas poderíamos ter dividido por dois a fatura do aquecimento e dos combustíveis utilizados pelas famílias. As famílias poderiam assim ter economizado 36 bilhões de euros, ou seja, 1,5 vezes o plano de recuperação de Sarkozy. Eu digo isto para mostrar que em situação de crise, são necessárias respostas urgentes, mas que também é necessário, ao mesmo tempo, prever a reconversão da economia e do modelo no qual nós vivemos.

Tradução: Argemiro Pertence – engenheiro e ex-vice-presidente da AEPET.

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Publicado originalmente: Le Monde (Paris)/AEPET

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