Mauro Santayana
O estudo da História nos mostra que o homem é um ensaio, uma experiência da Eternidade. Os pessimistas acreditam que ele tem sido fator de perturbação da vida planetária, forma de infecção, como bactérias e vírus. Otimistas nele vêem a esperança de que o mundo volte a ser o paraíso bíblico, depois de necessária e demorada catarse.
De vez em quando a inteligência de alguns pensadores, espicaçada pela consciência ética, concebe um projeto revolucionário. Para esses, a violação do imemorial sentimento de solidariedade da espécie é uma transgressão do real, que acaba por impor-se, mesmo à custa de grandes abalos sociais. Nesse caso, a ideia é o necessário material das revoluções. Sem teoria revolucionária, disse um cidadão conhecido como Lenine, não há revolução possível.
Estamos em momento de nova tentativa de re-endereçamento da sociedade humana. Para que o real se imponha, é necessário desfazer algumas ficções. Uma delas é a do poder do dinheiro. A moeda não existe: é convênio de boa-fé, que representa o resultado do trabalho humano. Quando lhe falta fidelidade a essa representação, a moeda perde a sua legitimidade e passa a ser instrumento da injustiça. O neoliberalismo é a doença infantil do capitalismo, se podemos parafrasear Vladmir Ulianov. Como o capitalismo não tem memória, os neoliberais perderam a noção dos limites. O capital, que deveria reconverter-se em mercadorias e assim financiar as atividades produtivas e manter o ciclo da economia, passou a ser mera ficha no cassino financeiro. A acumulação do capital e a especulação financeira ampliaram a distância entre os muito ricos e os muito pobres. É desse desequilíbrio que surgem as grandes depressões econômicas: ao reduzir-se o consumo, pelo desemprego e arrocho salarial, a estrutura do capitalismo se desfaz. Até agora, o capitalismo tem sido salvo pelos Estados, como ocorreu, por intermédio do new deal, nos anos 30. É curioso esse capitalismo, que deseja liberdade para acumular lucros ilegítimos, e exige o socorro das próprias vítimas (os contribuintes).
Os economistas não têm como diagnosticar as crises, porque deixaram de pensar politicamente. A economia, como se adjetivava a disciplina acadêmica no passado, é política. Quando se desgarra da razão política, passa a ser palpite aritmético. Ou, como dizia Galbraith, alguma coisa que legitima a astrologia.
O presidente Barack Obama se encontra à margem do Rubicão. Como dizia Tancredo Neves, ninguém chega à beira desse riacho metafórico para pescar. Ele avança na realização de seu projeto de campanha ou será vencido pelos ladrões de Wall Street. Sua atitude, no confronto com os diretores da AIG – com o indispensável apoio do Congresso de seu país – influirá na reunião do G-20, no início de abril. A tendência é a de impor regras novas e rigorosas a todas as sociedades anônimas, a fim de devolver aos acionistas o poder de fiscalização permanente dos negócios das empresas, e reduzir os bônus obscenos, que, chova ou faça sol, são atribuídos às diretorias executivas pelos conselhos de administração que elas controlam.
O Congresso norte-americano aprovou proposta democrata, com o apoio de parlamentares republicanos, que impõe tributação de 90% sobre as gratificações atribuídas aos executivos das grandes empresas financeiras que tenham recebido mais de 5 bilhões de dólares de ajuda do Tesouro. O senador republicano Charles Grassey, ao comentar a resistência dos executivos da AIG em devolver os "prêmios" recebidos, mesmo depois de prejuízos de 40 bilhões de dólares, resumiu a indignação dos americanos, ao recomendar "que se demitam ou se matem", como no Japão. O senador Christopher Dodd não crê que o Fed possa controlar as empresas, porque foi incapaz de identificar a ladroeira no passado. Os bancos centrais têm sido cúmplices dos especuladores – como tem ocorrido também entre nós.
Obama terá que se entender com o grupo dos 20 países do mundo – entre eles, o Brasil – para a criação de rígidas normas de controle mundial da economia. Os governos, queiram ou não, se encontram pressionados pelos cidadãos, e terão que recuperar o dever moral dos Estados em impor a justiça. É bem provável que seja exatamente em Londres, berço do velho liberalismo do século 18, e do novo liberalismo (o de Mme. Thatcher), que se inicie novo ciclo revolucionário na História.
Fonte:Direto da Redação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário