Na segunda-feira, Lawrence Summers, o chefe do Conselho Econômico Nacional, respondeu às críticas feitas ao plano do governo Obama de subsidiar a compra privada de bens tóxicos. "Não conheço nenhum economista", ele declarou, "que acredita que mercados de capitais funcionando bem não seja uma boa ideia".
Por Paul Krugman, no The New York Times
Deixemos de lado por um momento a questão sobre se mercados nos quais os compradores precisam receber propina para participar podem ser realmente descritos como "funcionando bem". Ainda assim, o Mr. Summers precisa sair mais. Vários economistas reconsideraram sua opinião favorável dos mercados de capitais em vista da crise corrente.
E tem se tornado cada vez mais claro nos últimos dias que autoridades do alto escalão do governo Obama ainda são prisioneiros da mística do mercado. Eles ainda acreditam na mágica do mercado financeiro e no poder dos magos que operam nele.
A mística do mercado nem sempre governou a política financeira. Os Estados Unidos emergiram da Grande Depressão com um sistema financeiro fortemente regulamentado, o que tornou as finanças um negócio estável, até mesmo chato. Os bancos atraiam depositantes oferecendo agências bem localizadas e uma ou duas torradeiras de graça; e usavam o dinheiro assim atraído para fazer empréstimos, e era isso.
E o sistema financeiro não era apenas chato. Era, pelos padrões de hoje, pequeno. Mesmo durante os anos do mercado em ascensão nos anos 60, as finanças e as seguradoras representavam menos de 4% do PIB. A desimportância relativa das finanças se refletia na lista de ações que faziam parte do Dow Jones Industrial Average (o índice da Bolsa de Valores de Nova York), que até 1982 não tinha uma companhia de finanças sequer.
Tudo isso soa primitivo pelos padrões de hoje. Ainda assim aquele sistema financeiro primitivo servia a uma economia que dobrou o padrão de vida (dos americanos) em uma geração.
Depois de 1980, naturalmente, um sistema financeiro bem diferente emergiu. Na era de desregulamentação de (Ronald) Reagan, os velhos padrões bancários foram cada vez mais substituídos pelo giro dos negócios em grande escala. O novo sistema era muito maior que o regime antigo: na véspera da atual crise, as finanças e as seguradoras representavam 8% do PIB, mais que o dobro dos anos 60. No início do ano passado, a lista do índice Dow (Jones) tinha cinco empresas financeiras — gigantes como a (seguradora) AIG, Citigroup e Bank of America.
E as finanças se tornaram qualquer coisa, menos chatas. Atrairam alguns dos nossos melhores cérebros e fizeram um pequeno grupo imensamente rico.
Na base do glamuroso novo mundo das finanças estava o processo de securitização. Os empréstimos não ficavam mais com o emprestador. Em vez disso, eram vendidos a outros, que fatiavam, cortavam e faziam purê da dívida individual para sintetizar novos bens. Hipotecas subprime, dívidas de cartões de crédito e empréstimos para a compra de automóveis — foram todos para o liquidificador das finanças. Do outro lado saiam, supostamente, investimentos saborosos classificados como AAA (a classificação mais alta das agências de risco). E os magos das finanças eram recompensados fartamente por guiar o processo.
Mas os magos eram fraudes, sabendo ou não, e a mágica deles não passava de truques baratos. Acima de tudo, a promessa da securitização — que ia tornar o sistema financeiro mais robusto ao espalhar o risco mais amplamente — era uma mentira. Os bancos usaram a securitização para aumentar seu risco, não para reduzi-lo, e no processo tornaram a economia mais, não menos, vulnerável a crises financeiras.
Mais cedo ou mais tarde as coisas dariam errado, e eventualmente deram. O Bear Stearns faliu; o Lehman faliu; mas, acima de tudo, a securitização faliu.
O que nos traz de volta à política do governo Obama para a crise financeira.
Muito do debate sobre o plano dos bens tóxicos foca nos detalhes e na aritmética, com razão. Além disso, no entanto, o que surpreende é a visão expressa no conteúdo do plano e nas declarações de autoridades do governo. Na essência, o governo parece acreditar que uma vez que quando os investidores se acalmarem a securitização e os negócios das finanças podem voltar ao que eram um ou dois anos atrás.
Para ser justo, as autoridades tem pedido maior regulamentação (ao Congresso). De fato, na quinta-feira, Tim Geithner, o secretário do Tesouro, descreveu planos para aumentar a regulamentação que seriam considerados radicais não muito tempo atrás.
Mas a visão subjacente permanece: a de um sistema financeiro mais ou menos igual ao que era dois anos atrás, um pouco mais domado por novas regras.
Como você deve saber, eu não acredito nessa visão. Não acho que é apenas pânico financeiro; eu acho que (a crise) representa o fracasso de todo o modelo bancário, de um setor financeiro que cresceu além do necessário e que causou mais danos do que bem. Não acredito que o governo Obama conseguirá ressuscitar a securitização, nem acho que deveria tentar.
Fonte:Site O Vermelho.
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