Alejandro Nadal
Nos Estados Unidos muitos se perguntam: onde está o dinheiro do resgate bancário? Não é um assunto menor. Afinal de contas, há 700 mil milhões de dólares envolvidos no programa de recuperação de activos (TARP), aprovando em princípios de Outubro. Em teoria, esses recursos eram para restaurar a saúde do sistema bancário e fazer com que o crédito voltasse a fluir. Nada disso aconteceu. Nem a confiança foi restabelecida, nem o crédito está a fluir. A economia continua em queda livre.
Adiantemos a resposta: os bancos estão a entesourar e utilizam o dinheiro para o que sabem fazer em épocas de crise: comprar os seus competidores. O TARP foi distorcido na sua operação e nos seus fins. Também é justo dizer que, com a pressa, foi mal concebido.
Originalmente, o TARP de Henry Paulson procurava comprar carteiras vencidas, mas quando os operadores viram a magnitude do buraco nos bancos estadunidenses, lançaram-se para trás e optaram por adquirir participações nos bancos para capitalizá-los. A mudança de estratégia e os poderes discricionários de Paulson esfriaram os ânimos, pelo que a liquidez não foi restabelecida e as operações interbancárias continuaram atoladas na desconfiança.
Quando o Departamento do Tesouro entregou a primeira fatia de 125 mil milhões de dólares a nove bancos, em finais de Outubro, assinalou sem ambiguidade que esperava que esses recursos fossem destinados a linhas de crédito para pequenas e médias empresas, para consumidores e para reanimar o mercado hipotecário. Mas essa era apenas um exortação: por incrível que pareça, o TARP não contém um regime de condicionalidade e tampouco impõe aos bancos participantes a obrigação de alimentar linhas de crédito. Este é sem dúvida o seu defeito mais grave.
Por isso, os bancos que tiveram acesso aos recursos do TARP são livres de entrar no jogo das fusões e aquisições (FeA), que tantos lucros proporcionaram ao sector financeiro. Utilizando os recursos do TARP, muitos grandes bancos estão a aproveitar as oportunidades de compra de outros bancos a fim de “consolidar-se”. Isto não é um estímulo para a economia e até contribui para imprimir estruturas ainda mais oligopólicas ao sector bancário. Mas isso não incomoda os bancos.
Em Outubro, o Grupo Financeiro PNC (com sede em Pittsburgh) converteu-se no primeiro banco a utilizar dinheiro do TARP para comprar outro banco em dificuldades, o National City Corp, por 5,2 mil milhões de dólares. Para financiar esta operação, o PNC vendeu 7,7 mil milhões de dólares de acções preferenciais ao Departamento do Tesouro como parte do programa de recapitalização no âmbito do TARP.
Os exemplos multiplicam-se: a BB&T, com sede na Carolina do Norte, anunciou planos para solicitar dinheiro do TARP e utilizá-lo nos seus planos de expansão via aquisições. Por sua vez, o Zions Bancorporation (de Salt Lake City) revelou sem lamento que receberá 1,4 mil milhões de dólares do TARP e que uma parte significativa deste montante será destinada a explorar novas oportunidades de aquisições nos próximos meses.
Por isso não se restabelecem as linhas de crédito nos Estados Unidos. O exemplo da fábrica de portas e janelas Republic Window, hoje ocupada pelos seus trabalhadores, é revelador. O Bank of America (BOFA), que recebeu 25 mil milhões de dólares do TARP, fechou a linha de crédito, e a empresa, que já vinha ressentindo os efeitos do colapso na indústria da construção, viu-se obrigada a encerrar. Tudo ao contrário do que fora anunciado ao ser aprovado o TARP.
Em contrapartida, o BOFA aprovou em Setembro a aquisição da Merrill Lynch por 50 mil milhões de dólares. Recentemente, comprou os bancos LaSalle e Countrywide, e emitiu dívida garantida por outros 9 mil milhões de dólares. Também comprou acções do China Construction Bank (CCB), aumentando a sua participação para 19 por cento. Ainda que essa operação lhe tenha sido muito rentável, o certo é que os recursos do TARP não são para andar a vasculhar para ver o que se pode comprar no mundo do sector bancário. O resgate tem outros objectivos. Desgraçadamente, o próprio Departamento do Tesouro e a Reserva Federal estiveram a incentivar este jogo.
Os bancos sabem que vêm aí reformas no regime regulatório. No futuro, os depósitos serão mais importantes que o alavancamento: a cobertura regional será uma arma poderosa nesse ambiente. Mas de momento é a guerra e quando assentar o pó a paisagem do sector bancário terá mudado de forma radical.
Para os bancos, a prioridade é salvaguardar a sua posição futura. Mas parecem ignorar que os depósitos de amanhã passam pelos créditos de hoje. O seu jogo de fusões permite revalorizar activos no curto prazo, mas põe em perigo a recuperação. Por desgraça, o pacote de resgate deixou passar a oportunidade de impor regras aos bancos. Talvez nem Bush nem Paulson tenham querido aproveitá-la. Haverá que ver se Obama pode reformar o TARP.
Fonte: La Jornada/Site Informação Alternativa.
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