Marina Silva
De Brasília (DF)
No último sábado, milhões de pessoas e instituições em todo o mundo atenderam ao chamado da rede de organizações não-governamentais ligadas ao WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e participaram do movimento Hora do Planeta, apagando luzes durante uma hora em residências e nos principais monumentos e prédios públicos.
A "Hora do Planeta" representa um esforço da Rede WWF para engajar a sociedade e mobilizá-la para manifestar simbolicamente sua preocupação com o aquecimento do planeta no ano em que, em dezembro, em Copenhagem, deverá ser assinado novo Acordo Global do Clima, sucederá a primeira fase do Protocolo de Kyoto, a ser encerrada em 2012.
Espera-se que em Copenhagem se estabeleçam metas substanciais de redução de emissões de gases do efeito estufa, principalmente para os países ricos. Espera-se também compromissos mais relevantes dos países em desenvolvimento, que têm diante de si o desafio de assumir a liderança política de uma transformação histórica para a humanidade, que será o advento de uma economia de baixo carbono.
O apagão ecológico, como muitos estão chamando, também teve a força de um voto a favor do planeta e da tomada de medidas contra o aquecimento global. Segundo a WWF, quase quatro mil cidades, em mais de 80 países, aderiram. No Brasil, foram 107 cidades, entre as quais 13 capitais. Em todo o mundo, milhões de pessoas se cadastraram - entre elas mais de 50 mil cidadãos e 1600 empresas do Brasil - para fazer parte da urna simbólica entregue em Bonn, na Alemanha, ao Secretário Executivo da Convenção do Clima. Lá está acontecendo, até 8 de abril, a primeira reunião do ano para preparar o texto-base do acordo a ser firmado em dezembro.
Houve um tempo em que atos simbólicos, tais como colocar venda nos olhos da estátua da deusa da Justiça, expressavam também um tensionamento, por parte da sociedade, para constranger eticamente as autoridades e dar aos formadores de opinião uma deixa para se aprofundar no sentido do gesto.
Desta vez, à inspirada e oportuna iniciativa da WWF faltou uma reação à altura nos dois sentidos. As autoridades aderiram simbolicamente, dispondo-se a apagar a luz de monumentos e prédios públicos. Ficaram bem na foto, mas não anunciaram o que seria desejável, ou seja, ações corajosas para fazer jus ao engajamento da sociedade em prol de um combate mais decidido contra os efeitos do acelerado aquecimento global.
É cada vez mais comum autoridades aderirem no plano do simbólico e deixarem de fazer aquilo que lhes cabe, com a urgência necessária. Ficam naquela de "estamos todos de acordo" e a vida segue o seu curso, com uma medidazinha aqui, outra ali, sem a intensidade e a coragem desejáveis.
A mídia, por seu lado, deixou escapar uma grande oportunidade de questionar os governantes sobre o que pretendem fazer além de ter desligado disjuntores e colocado monumentos no escuro por uma hora. Não aproveitou a deixa para cobrar coerência entre o gesto simbólico e o comprometimento real. Fez praticamente uma narrativa plástica, às vezes poética, que sem dúvida fazia parte do momento, mas o outro lado da moeda não foi explorado.
A maioria das autoridades fez cara de paisagem e demonstrou capacidade quase infinita de adaptação. Transformou um ato da sociedade em ato semi-oficial, como tem acontecido amiúde. No caso do Brasil, o esforço da WWF poderia ter gerado um debate maior. Por exemplo, sobre uma reavaliação do Plano Decenal de Expansão de Energia e sua polêmica prioridade a usinas térmicas a óleo diesel e óleo combustível. Seria uma excepcional ocasião para, além do apagamento das luzes da Esplanada dos Ministérios, anunciar o aumento de recursos e meios para expandir o uso de alternativas como a energia eólica, a solar, a de biomassa.
Se a participação de quem tem tanto poder de indução, como os governos, não for além, acarretará apenas o esvaziamento dos símbolos que as ONGs e a sociedade civil trabalharam tanto para erigir. O oficialismo vai se apropriando das demandas pelas beiradas, como forma de não criar problema e, ao mesmo tempo, não fazer nada ou pouco fazer.
Uma boa parte dos governos parece ter encontrado esse caminho das pedras. Aderem oficialmente mas, na prática, mantêm as coisas como estão para ver como é que fica.
A WWF fez sua parte, milhões de cidadãos também, mas tem gente graúda devendo ao planeta e achando que basta ficar no simbolismo. Se a moda pega, não será estranho se algum dia tivermos ministros de Energia sorridentes, acorrentados junto aos militantes em alguma manifestação do Greenpeace...
Fonte:Terra Magazine.
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