domingo, 10 de maio de 2009

COMO ESCAMOTEIAM O PODER DOS CIDADÃOS

Mauro Santayana

Na declaração arrogante de um parlamentar, em que desdenha a opinião pública e a imprensa – porque de nada adiantam as críticas dos meios de comunicação uma vez que os criticados continuam a ser eleitos – manifesta-se a erosão da sociedade nacional. O deputado, e nisso repete a maioria de seus pares, não tem compromisso com o eleitorado. Seu compromisso é com a corporação parlamentar a que pertence, e com os financiadores de sua campanha.

A nação se encontra em crise, porque não é agente da própria história, mediante o Parlamento, como deveria ser. A situação é antiga, mas, durante algumas legislaturas, a qualidade ética e intelectual de muitos dos eleitos nos meios urbanos amenizava os defeitos do processo. Muitas são as causas da crise, mas a principal é a falta de conhecimento, pela maioria das pessoas, de seu verdadeiro poder. Essa é a diferença entre o simples eleitor e o cidadão: a consciência de que a escolha dos parlamentares é ato intransferível da responsabilidade de quem vota. Há, no entanto, esforço permanente a fim de impedir que as pessoas se tornem cidadãs, isto é, que tenham consciência de seu dever para com o país.

Um excelente estudo sobre o que se passava há algumas décadas é Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal. Embora o trabalho se encerre em 1947, muitas de suas observações continuam válidas e devem ser meditadas. Ao se referir aos vícios anteriores a 1930, disse: "Entretanto, a subsistência de certos vícios exteriores ou formais, notadamente a insinceridade da verificação de poderes, realizada pelas assembleias legislativas e constantemente em prejuízo da oposição, muito concorria para que se atribuíssem os defeitos do nosso regime representativo a fatores de ordem puramente ou predominantemente políticos. Por esse mesmo motivo, a atenção dos observadores quase sempre se desviava dos fatores econômicos e sociais mais profundos, que eram, e ainda são, responsáveis pelo governismo e, portanto, pelo falseamento intrínseco de nossa representação".

É nos fatores econômicos e sociais mais profundos que se encontra o problema. As oligarquias sempre dificultaram, quando não impediram, a educação dos pobres, a fim de mantê-los sob o cabresto da necessidade. Essa situação começou a mudar, com a introdução da ajuda direta do Estado aos mais pobres. Falta-lhes, no entanto, acesso à educação de qualidade. Na maioria das escolas públicas frequentadas pelos pobres, as crianças podem aprender a ler as palavras, mas não conseguem entendê-las, nem refletir sobre elas mesmas e seu papel no mundo. Não aprendem a ser cidadãs. A realidade é contida em um ciclo fechado, no qual a falta de consciência política elege e reelege, de modo geral, parlamentares sem qualidade cívica, de discutíveis atributos éticos, a serviço do imobilismo. Contra essa maioria, que representa o poder de seus grandes eleitores, os parlamentares conscientes, patriotas e honrados, nada podem, além de exercer sua brava resistência e dar o seu testemunho ético. A maioria, no entanto, a serviço do imobilismo, impede o desenvolvimento cívico da população. Para que eles se elejam e reelejam, os cidadãos devem ser vendados pela ignorância e mantidos sob a injustiça social.

Grande parte dos membros da classe média não é muito diferente dos iletrados. A visão do êxito – construída habilmente por intelectuais a serviço do poder econômico – transformou homens de formação universitária em competidores de tempo integral. Nos vários níveis de direção das empresas, e nas reuniões sociais, eles se encontram atados a seu destino individual, sem nenhuma preocupação com a sociedade. Inclinam-se, naturalmente, a manter o sistema, para garantir seus salários, sua posição social e o seu lugar na engrenagem. Votam, em princípio, de acordo com seus patrões, quando não são eles mesmos os negociadores dos acordos pré-eleitorais.

Há muitos movimentos que se articulam no país, para romper esse processo perverso, e buscar alternativas para a nação e seu povo. A opinião pública, da qual o deputado Sérgio Moraes escarnece, não está passiva quanto no passado. Ela começa a mobilizar-se, e, se as eleições do ano que vem não moralizarem o Poder Legislativo, o povo brasileiro encontrará outros meios, legítimos, a fim de assegurar os seus direitos e sua dignidade.
Fonte:JB

Nenhum comentário: