quarta-feira, 13 de maio de 2009

GRIPE SUÍNA - A outra tragédia por trás da gripe.

Argemiro Ferreira

Quando da mudança do nome da gripe suína para Gripe-A, há mais de 10 dias, o jornalista Mauro Santayana, em sua coluna do Jornal do Brasil, divulgou dados relevantes e suspeitas graves que, por alguma razão, não eram citados nas notícias de nossa mídia. No último domingo os dados e suspeitas afinal chegaram também à primeira página do jornal Washington Post, destacados em três colunas (veja a página abaixo, à esquerda, e depois a ampliação da reportagem, à direita).

Enviada da cidade de La Gloria, no México, onde fica uma grande fazenda industrial de criação de porcos, a reportagem de Steve Fainaru, da editoria internacional do Post, referiu-se às denúncias feitas há anos por comunidades afetadas por unidades como aquela, sobre os efeitos das “lagoas” de excremento e urina, de mais de um milhão de porcos, que contaminam os lençóis freáticos da região (leia a íntegra AQUI).

No segundo parágrafo da reportagem o jornal ressalvou que “as autoridades de saúde não encontraram conexão entre as granjas de criação de porcos e a gripe suína” (leia informação diferente AQUI). E as autoridades da Organização Mundial da Saúde (OMS) fizeram mais do que isso, como Santayana tinha registrado (leia AQUI a íntegra da coluna do JB). Aparentemente sob pressão das multinacionais de porcos,inventaram para a gripe um nome novo – e neutro – para distanciá-la dos porcos.

Desde o primeiro momento o artifício lembra o complô da indústria de cigarro, durante mais de meio século, para negar a conexão entre seu produto e o câncer. A indústria, que nos EUA prefere inspecionar-se a si mesma, ao invés de sofrer inspeções do governo – leia AQUI) negava haver “prova conclusiva”. É o se faz agora, segundo o Post. Atribuiu-se ao prefeito de Perote, sede do condado onde fica La Gloria, esta afirmação: “Para desfazer o mito, ou mesmo para reconhecê-lo como realidade, precisamos de mais estudos”.

Como o NAFTA abriu o caminho
Segundo o prefeito Guillermo Franco Vázquez, na jurisdição do condado, no estado de Veracruz, sudeste do país, há 22 comunidades afetadas por tais fazendas. “Desde o final de março, quando misteriosa doença respiratória infectou 616 residentes, La Gloria tornou-se o centro da crise da gripe suína”. O primeiro caso do novo vírus, tinha relatado Santayana, foi Edgar Hernández, de 4 anos.

Como boa parte dos dados da reportagem do jornal dos EUA já estava no dia 1° de maio na coluna do Jornal do Brasil, é estranho ter ficado fora da maioria da mídia. Em especial aquilo que já era sabido sobre a companhia Granjas Carroll de Mexico, dona das fazendas de porcos – e subsidiária da transnacional americana Smithfield Foods (saiba mais sobre ela AQUI), sediada no estado da Virgínia e cujos dirigentes negaram-se a falar ao Post.

Santayana citou declaração do deputado mexicano Atanasio Durán, segundo a qual as Granjas Carroll foram expulsas de dois estados americanos, Virginia e Carolina do Norte, devido aos danos ambientais que causavam. A salvação para elas foi o NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Graças ao tratado, as Carroll transferiram-se em 1994 para o México, com apoio do governo local.

O NAFTA permitia à gigante transnacional dos EUA ficar isenta do controle das autoridades mexicanas – detalhe que motivara a decisão. O jornalista destacou: “É o drama dos países dominados pelo neoliberalismo: sempre aceitam a padridão que mata”. Mesmo assim, a reportagem do Post destaca que as relações agora entre a Smithfield e os residentes das comunidades próximas tornaram-se insustentáveis.

Os protestos da população afetada repetem-se desde 2007. Manifestações às vezes até bloqueiam uma rodovia federal na região. E a resposta da Smithfield/Carroll tem consistido em mobilizar a própria polícia local contra os manifestantes, alguns dos quais são alvos de processos criminais instigados pela transnacional. Um pequeno fazendeiro de 66 anos contou ao Post ter sido obrigado a vender sua plantação de milho para pagar sua defesa.

Prisão para punir as vítimas
Bertha Crisóstomo, autoridade municipal de La Gloria citada no Post e na coluna de Santayana, foi acusada pela Smithfield. Atualmente está em liberdade sob fiança. Em fevereiro ela denunciara a contaminação do subsolo pelos tanques de urina e excrementos da Carroll. Hoje ela acha que a companhia escolhe certos alvos deliberadamente – parte do processo de intimidação para silenciar os descontentes.

Assim, a gravidade da gripe suína – ou Gripe-A, Influenza-A, ou que nome tenha – está servindo para amplificar problema, que já era sério para os residentes da área e continua a se agravar devido à expansão da atividade da transnacional, ameaçando ainda mais a saúde dos residentes e o meio-ambiente. Apesar de favorável a investimentos na região, Crisóstomo acha que “não se pode negociar com a saúde das pessoas”.

A julgar pelo que relatou o Post, a posição das autoridades do governo do México é ambígua. Originalmente a Smithfield chegou como uma joint venture com a mexicana Agroindustrias Unidas, trazendo o método da “integração vertical” – que amontoa milhares de porcos em estábulos idênticos, cobertos por telhados de metal (foto acima). Ali os porcos comem, crescem, urinam e defecam – até a hora de serem mortos.

Excrementos e urina caem sobre plataforma de madeira e seguem em condutos para depósitos-tanques a céu aberto do tamanho de dois campos de futebol – chamados pela companhia de “lagoas”. Alega-se que são à prova de vazamento, mas os residentes contestam. Instalações agroindustriais desse tipo, em larga escala, são riscos graves para a saúde da população. Podem contaminar os lençóis freáticos e transmitir vírus, inclusive novos.

Uma batalha sempre desigual
Gente da região queixa-se há anos de doenças de pele, garganta inflamada e outros efeitos. As “lagoas”, de cor avermelhada e opacas, são abertas e sem cercas. O mau cheiro é horrível. Faz as pessoas se sentirem tão mal que em certos momentos não conseguem comer. As 16 fazendas da Smithfield na área produzem, segundo a própria companhia, um milhão e 200 mil porcos por ano. Em 2006 a Smithfield – já uma das maiores poluidoras dos EUA – foi celebrizada por revelações assustadoras de uma reportagem de Rolling Stone sobre suas práticas habituais (leia AQUI e veja a foto no final deste post).

Fazendas podem surgir da noite para o dia, a poucas centenas de metros de casas habitadas por famílias no condado das fazendas industriais de porcos no México. Como contou ao Post o fazendeiro de soja e milho Fausto Limón: “Nunca pensamos que iriam criar uma aqui perto, mas ela veio. Em casa passamos a vomitar, ter dores de cabeça, olhos lacrimejantes. Tivemos de sair à procura de outro lugar, longe daquele mau cheiro”.

Outro efeito é a praga dos cachorros que se alimentam de pedaços de porcos mortos descartados nas proximidades das instalações. Além disso, há mais restos espalhados. Ao saber que se planejava a instalação de outra fazenda perto de sua casa, Limon afinal resolveu unir-se a outros residentes e organizar mais um dos grupos ativistas Pueblos Unidos, atuantes na região.

É principalmente contra os Pueblos Unidos – com sua ação semelhante à dos Sem-Terra do Brasil – que a Smithfield/Carroll atua, mobilizando como pode a polícia e a Justiça, graças a seus largos recursos e um exército de advogados. Estes, com a certeza de que são imbatíveis, movimentam-se com desembaraço também junto às autoridades nos vários níveis – local, estadual e federal.
Fonte:Blog do Argemiro.

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