quarta-feira, 13 de maio de 2009

SÓ BIN LADEN PODE SALVAR DICK CHENEY.

Argemiro Ferreira

No passado recente Dick Cheney, como um vice-presidente obcecado pelo sigilo e aparente “gênio do mal” do governo Bush, fugia de entrevistas como o diabo da cruz. Negava-se a falar mesmo a estrelas da Fox News, o templo da direita e do conservadorismo republicano. Agora, ao contrário, parece ter menos coisas a esconder e mais a dizer. Assim, persegue jornalistas até na mídia que mais evitava.

Foi o caso de suas duas últimas entrevistas à televisão. Uma à rede de cabo CNN (foto do alto – saiba mais AQUI), escolhida por ele para o primeiro desabafo depois de sair com Bush da Casa Branca. Escolha estranha: além de liberal, ao contrário da conservadora Fox, aquela rede é sua rival mais próxima na disputa pela audiência. A outra entrevista, domingo, foi à CBS, rede aberta hostilizada pelo bushismo desde que Dan Rather investigou para o “60 Minutes” o tema sensível da fuga de Bush ao serviço militar .

Nas duas entrevistas de agora o ex-vice deixou passar corrosivo ressentimento ante o desprezo do eleitorado americano e da opinião pública mundial pela herança desastrosa do governo Bush-Cheney – guerras sem fim, desintegração econômico-financeira, abandono dos valores que o país dizia defender no passado e violação dos direitos humanos, com a prática da tortura e a espionagem interna.

Uma receita para recriar a histeria
Na recém descoberta paixão de Cheney pela mídia fica claro que a nova batalha dele é para manter o rumo equivocado do Partido Republicano nos últimos oito anos. O resultado eleitoral de 2008 sugeria correção de curso para abrir e ampliar o partido. Cheney obstina-se, ao contrário, em estreitá-lo com o expurgo de infiéis. Aposta numa purificação duvidosa. Sonha com uma espécie de volta ao extremismo macarthista.

O pesadelo da caça às bruxas em seguida à II Guerra Mundial, quando um senador republicano demagogo, Joseph McCarthy (foto ao lado), faturou o medo e ajudou a fabricar a histeria obscurantista, só pode ser entendido à luz das condições que o favoreceram. A redução dos problemas mundiais à equação da guerra fria, EUA v. URSS, com uma corrida armamentista nuclear, fundamentava a retórica oportunista de que se valeu McCarthy, suficientemente audacioso para investir até contra o presidente republicano Dwight Eisenhower.

Acusações levianas de “deslealdade” e “traição” podiam até fazer sentido num tempo em que as crianças eram ensinadas na escola a se esconder debaixo da mesa para fugir de bombas atômicas. Hoje, com apenas uma superpotência a reinar no mundo, com uma máquina de guerra sem paralelo na História, teria de haver outro 11/9 para Cheney conseguir recriar o medo que gerou a histeria dos anos McCarthy e dos anos Bush.

Pedindo socorro aos terroristas
Esse é o drama dele. Só Osama Bin Laden e a al-Qaeda poderiam salvar a credibilidade de Cheney. Como mercador do medo o ex-presidente aposta nessa hipótese. Mais do que isso: precisa desesperadamente de que aconteça devastadora ação terrorista nos EUA, se possível com mais vítimas do que no World Trade Center. Seria, supostamente, a prova de que torturas e espionagem interna funcionam – e garantem segurança.

Basta um mínimo de bom senso, claro, para repudiar a suposta prova. Mas em meio à histeria, sonho de Cheney, razão e sensatez não prosperam. Daí o macarthismo explícito dos atuais sermões dele nas entrevistas. Na CNN, afirmou que “é maior agora o risco de novo ataque ao povo americano” porque Obama sustou a vigilância interna ilegal e os interrogatórios sob tortura (saiba mais na análise de Paul Begala AQUI).

Na entrevista à CNN sobrou até para George W. Bush, que o deixara tão à vontade como o mais poderoso vice da história dos EUA. Ele se queixou de que Bush, além de não ter ajudado Lewis “Scooter” Libby (ex-chefe de gabinete de Cheney, condenado por mentir sob juramento) ainda se negou a dar a ele o perdão presidencial. Criticou Bush ainda por causa do acordo com a Coréia do Norte (a oposição do vice fora verbalizada na época pelo infame John Bolton, seu cão de ataque defenestrado na ONU).

Diante do entrevistador John King, na CNN, ele só passou à defensiva ao ser lembrado que o governo Bush recebera de Bill Clinton um orçamento com superávit e ao passar o cargo a Obama em 2009 o déficit superava US$1 trilhão. Mas Cheney justificou com as guerras – como se a invasão do Iraque, que tanto contribuiu para afundar a economia, tivesse sido inevitável e não a pretexto de armas proibidas que não existiam.

Hora de expurgar os moderados?


O neomacarthismo de Cheney ficou ainda mais explícito na entrevista do último domingo ao “Face the Nation” da CBS. Ali o ex-vice fez uma declaração de amor (leia AQUI) ao destemperado e obeso Rush Limbaugh (acima na foto da direita, com Colin Powell à esquerda), apresentador de rádio que, com sua força de rei do talk show, faz um patrulhamento diário contra republicanos insuficientemente duros na oposição.

Chamado pelo veterano entrevistador Bob Schieffler a se pronunciar sobre o ataque do radialista a Colin Powell, que Limbaugh intimara a abandonar o Partido Republicano, Cheney só faltou rotular de traidor o ex-secretário de Estado (com o qual disputava espaço no governo) e ex-chefe do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas (do qual teve divergências como secretário da Defesa). O que não faltou: a acusação de “deslealdade”, cacoete de caçadores de bruxas (saiba mais AQUI e veja a entrevista na íntegra AQUI).

Foi como se Cheney estivesse tentando afirmar-se como o novo Joe McCarthy – ou, pelo menos, o guardião da doutrina da fé a promover expurgos e queimar bruxas, zeloso à frente da cruzada no Santo Ofício. Pode ser que tenha sucesso, mas o policiamento implacável dos desvios corre o risco de enfraquecer mais o partido de Lincoln – no qual conservadores e moderados, antes do assalto da direita radical, conviviam civilizadamente.
Fonte:Blog do Argemiro.

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