sábado, 9 de maio de 2009

OS ÁTOMOS DA CRISE

Alejandro Nadal

A destruição de capital que a crise traz aparelhada é uma lição importante. Demonstra que por trás dos amáveis rituais e sofisticados gadgets com os quais disfarçamos a realidade social, jazem forças destrutivas que algum dia acabarão com tudo.

A crise não apenas provocou uma colossal desvalorização de capital disponível na esfera financeira. Também provoca a destruição física de máquinas, linhas de produção e empresas. Evidentemente, com o desemprego, a crise atinge o grau máximo de devastação, pondo em perigo a vida de milhões de pessoas. E, longe de ser enviado para um segundo plano, o tema da destruição ambiental deve estar à frente da discussão sobre a saída da crise.

Por isso, o Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente (PNUMA) deu a conhecer em Outubro passado uma iniciativa para tornar compatível a economia com o meio ambiente. A ideia central deste projecto é que urge colocar as prioridades da sustentabilidade no cerne da economia. Após anos de retórica oca, trata-se de que o entorno físico ocupe o lugar que lhe corresponde nas decisões dos agentes económicos.

O nome da iniciativa é estranho: pode-se traduzir como a Iniciativa para uma Economia Verde (IEV). Infelizmente, a IEV não está bem estruturada e os seus fundamentos são débeis, para falar diplomaticamente.

A iniciativa está organizada em torno de seis temas: energia renovável, transporte, resíduos, infra-estrutura ambiental, negócios baseados na biodiversidade e tecnologias limpas. É evidente que os primeiros dois são fundamentais para a redução de emissões de gases de efeito de estufa e para atingir uma maior eficiência. O terceiro é crucial para intensificar a reciclagem de produtos e embalagens e, em geral, para alcançar um metabolismo industrial que não assente na destruição do meio ambiente.

Só o enunciado dos componentes da IEV é um sinal sobre a confusão na qual estão empantanados os seus autores. Pouco do que contêm estes campos é realmente um tema de economia. Em matéria de energia, transporte e resíduos, por exemplo, do que se trata é de «reverdecer a tecnologia». O que não está mal. Mas está a faltar algo essencial.

O tema da biodiversidade é colocado em relação directa com as «oportunidades de negócios» e com a rentabilidade, ignorando os dois mil milhões de camponeses que trabalham em todo o mundo, cuidando dos solos, da água e da agro-biodiversidade. E, no meio de outro escândalo conceptual, na IEV o meio ambiente é visto como um componente da “infra-estrutura” sobre a qual assenta a economia. Suponho que, com estas orientações, o passo seguinte será recomendar a privatização da mencionada infra-estrutura natural.

A IEV ignora que as relações económicas do modelo que provocou esta crise são as mesmas que intensificaram a profunda deterioração ambiental que hoje ameaça a sobrevivência da humanidade. A sobreprodução, o excesso de capacidade instalada e o colapso da procura efectiva são resultado desse modelo. E os processos de erosão de solos, contaminação de aquíferos, extinção em massa de espécies, alteração climática, para mencionar alguns exemplos, intensificaram-se com este modelo delirante que assenta em bases erradas.

A desregulação financeira, a concentração de poder de mercado, a manipulação de preços, o estancamento do salário real, a abertura cega de mercados, os prémios para o capital financeiro, os fluxos de capital especulativo, são assuntos que reclamam gritantemente a atenção. Mas a IEV não lhes presta atenção. Como se estes temas não tivessem nada a ver com o desenvolvimento sustentável.

Uma coisa é evidente. A crise financeira e económica global não vai ser superada apenas premindo o botão de reinício, o reset. Se se mantiverem de pé as estruturas e processos que deram lugar à globalização neoliberal, a única coisa que se vai conseguir é reiniciar um novo ciclo que acabará por rebentar com muito maior intensidade em poucos anos. O estímulo fiscal astronómico planeado pela administração Obama não apenas será desperdiçado, como será o detonador de uma debacle económica sem paralelo dentro de poucos anos.

Em conclusão e por paradoxal que pareça, o simples “resgate” da economia não é uma boa ideia. O que é necessário é descartar o modelo neoliberal para avançar com um projecto novo que realmente coloque a justiça, a responsabilidade social e a integridade ambiental no centro das prioridades.

Marx viu-o claramente: não há um átomo de matéria que penetre nas relações sociais. Estas não são o mesmo que as coisas materiais que lhes dão suporte. Se nesta etapa da história se requer tornar compatível a economia capitalista com a sustentabilidade, é necessário transformar as relações económicas que foram a marca do modelo neoliberal. Não basta «reverdecer» a tecnologia.

Fonte: La Jornada/Blog Informação Alternativa

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