Não deixa de ser curioso que a ideia de James Monroe esteja sendo re-elaborada nas condições concretas do século 21. E pelas mãos de governos acusados de antiamericanismo.
O governo brasileiro conquistou terreno nas últimas semanas na caminhada pela ampliação e consolidação do Mercosul. Em Caracas, o chanceler Celso Amorim e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, avançaram na convergência sobre assuntos pendentes. No Senado brasileiro, último passo que falta para aprovar a entrada da Venezuela no bloco, os números do comércio nacional com o vizinho bolivariano se sobrepõem pouco a pouco às objeções políticas e ideológicas.
O Parlasul —parlamento do Mercosul— caminha para existir graças a uma concessão brasileira: aceitamos estar sub-representados nele, para conforto principalmente do Uruguai e do Paraguai. Essa sub-representação é polêmica. Na prática, o eleitor brasileiro vai pesar menos do que o uruguaio e o paraguaio. Algo parecido com o que se dá na nossa Câmara dos Deputados. Críticos dizem que estamos estendendo para o Mercosul a herança maldita do Pacote de Abril de 1977. Então, o presidente Ernesto Geisel usou o AI-5 para aumentar artificialmente as bancadas dos pequenos estados, onde o desempenho eleitoral do governismo era melhor.
“A comparação não faz sentido”, contesta o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), um dos costuradores do acordo do Parlasul. “Se quisermos avançar na integração regional, precisaremos fazer concessões”, diz. “E nenhuma nação soberana aceitaria participar de um bloco no qual um único país, pelo tamanho de sua população, tivesse domínio político absoluto.” O senador argumenta que o Parlasul combinará aspectos de proporcionalidade e de equilíbrio, e lembra o papel histórico do Senado na manutenção da unidade nacional entre nós.
Polêmicas à parte, o fato é que a integração adquiriu especial importância para o Brasil com a eclosão da mega crise planetária da economia. Os líderes mundiais discursam contra o protecionismo, mas cada um deles procura manobrar para garantir ao seu próprio país a proteção de mercados.
O Brasil está nessa. Critica, naturalmente, os movimentos protecionistas nos Estados Unidos e na Europa, mas manobra para dar velocidade à formação do bloco regional, que a cada dia ganha mais peso estratégico para as exportações brasileiras. Aliás, essa é uma das principais queixas de nossos vizinhos, pois exportamos demais para eles e importamos deles de menos. Sem que haja solução simples à vista, dada a defasagem no grau de desenvolvimento entre as partes.
Eis um problema. Quando a Europa decidiu se constituir em bloco político-econômico, desenhou uma estratégia de maciços investimentos nas nações mais pobres, na época Portugal, Grécia e Espanha. Em termos práticos, alemães e franceses acabaram dividindo o ônus. E o Brasil, irá dividir o esforço com quem? Claro que com ninguém. É um debate que está por ser feito. Como encontrar o equilíbrio entre os reais investidos aqui, para gerar emprego e renda para os brasileiros, e os reais investidos lá fora, para assegurar mercados ao empresariado nacional.
A discussão está longe de ser apenas teórica. Com suas imensas reservas, a China adota há tempos uma política agressiva de expansão nas relações econômicas. O esforço chinês é mais visível na África, mas a América do Sul também ocupa lugar privilegiado na sua agenda. Dinheiro é que não falta para a China. Já nossas vantagens são a proximidade e a necessidade natural de convivência. Além, é claro, da torcida de Washington, que observa com atenção e satisfação nossos movimentos destinados a limitar a influência chinesa na área.
“A América para os americanos.” Assim passou à História a doutrina lançada no século retrasado pelo então presidente dos Estados Unidos James Monroe. A Doutrina Monroe foi criada para explicitar a oposição dos Estados Unidos à influência europeia nas Américas. Não deixa de ser curioso que, agora, com a ampliação e consolidação do Mercosul, a doutrina esteja sendo reinventada nas condições concretas do século 21. E pelas mãos de governos que, na teoria, têm um pé, ou os dois, no antiamericanismo. São as ironias da História.
Fonte:Blog do Alon.
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