por cristiano.
É o que declara o colombiano Enrique Daza, que acabou de passar a última semana em Honduras, integrando uma delegação de observadores internacionais
Daniel Cassol
Correspondente em Assunção, Paraguai
O colombiano Enrique Daza, secretário da Aliança Social Continental, articulação de diferentes organizações das três Américas, passou a última semana em Honduras, integrando uma delegação de observadores internacionais no país que sofreu um golpe de Estado no dia 28 de junho. Viu o que considera uma vitalidade do movimento social, que deve ampliar suas mobilizações como forma de derrubar o presidente de fato, Roberto Michelet, pela volta do presidente eleito Manuel Zelaya. Mas acredita que a reação da comunidade internacional vem sendo ambígua, no caso dos Estados Unidos, e frágil, no caso de países como o Brasil.
“Há algo que poderíamos chamar de conspiração da direita internacional para sacrificar os avanços democráticos na América Latina”, avalia, nesta entrevista concedida ao Brasil de Fato durante a Conferência Internacional de Governos e Movimentos Sociais, prévia à Cúpula do Mercosul, que ocorre no Paraguai.
Como você avalia a situação no país? E por que na sua opinião o governo de fato dura já quase um mês?
Estive em Honduras durante toda a última semana, como parte de uma delegação da Aliança Social Continental, para observar principalmente a situação do movimento social. Eu ressaltaria, em primeiro lugar, a vitalidade do movimento social. Há manifestações todos os dias e o entusiasmo não se perdeu. Em segundo lugar, apesar da condenação clara da comunidade internacional, também é certo que muitos países, começando pelos Estados Unidos, têm tido uma ambigüidade em temas chave. Por exemplo: a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU) e os países não-alinhados defenderam o retorno imediato de Manuel Zelaya ao poder. Mas Estados Unidos, Canadá, Costa Rica e outros países vêm defendendo o restabelecimento da situação no país através de uma negociação. E este processo de negociação, que dura cerca de dez dias, é um processo que fracassou. O presidente Zelaya já declarou morto este processo, coisa que se sabia desde o começo. Porque uma solução negociada, a partir do escritório de Hillary Clinton [secretária de Estado dos EUA]e Oscar Arias [presidente da Costa Rica], o que buscava era dar uma saída elegante aos militares. Ou seja, uma saída pela qual os militares não sejam castigados como corresponde, se não uma saída em que haja uma transição, com concessões mútuas.
Com o fracasso das negociações, qual seria uma solução possível para este impasse?
Creio que o impasse em Honduras tem dois tipos de solução. A primeira e mais importante é que o povo hondurenho siga sua luta, amplie seus protestos e que vários setores da população se incorporem a eles. A outra solução é que a comunidade internacional ponha sanções efetivas contra o governo de fato. Os Estados Unidos nem sequer retiraram o passaporte de Roberto Michelet, tampouco retirou seu embaixador em Honduras. Somente o isolamento diplomático, cultural, comercial a Honduras dará solução a essa situação.
Mas não condenamos quando isso é feito, por exemplo, contra Cuba?
Cuba nunca esteve isolada da comunidade internacional. O que houve foi um bloqueio dos Estados Unidos, o que era um problema, digamos, unilateral dos Estados Unidos. Inclusive a OEA não fez bloqueio à Cuba, quem fez foram os Estados Unidos. Nós pensamos que se pareceria mais com o caso da África do Sul. Na época do Apartheid, a comunidade internacional colocou sanções muito fortes ao regime. É muito diferente uma sanção da comunidade internacional de bloqueios unilaterais que afetam ao povo.
Considerando o tempo que leva o governo de fato e o crescimento do discurso de que não houve um golpe em Honduras, pode se dizer que os golpistas saíram vitoriosos?
Realmente, desde o primeiro dia, a teoria dos golpistas, que foi amplamente divulgada na América Latina, nos Estados Unidos e em todas as partes, era a de se estava preservando a ordem constitucional em Honduras, ante uma infração que Zelaya haveria cometido. Isso é falso. Examinando o processo, várias coisas ficam claras. Uma, é que a Constituição hondurenha proíbe extraditar cidadãos, coisa que o Exército fez. Segundo, que a Constituição do país não tem nenhum mecanismo que permita ao Congresso destituir o presidente. Terceiro, que tampouco o Exército tem a faculdade de dizer quem é presidente e quem não é. Quarto, que havia procedimentos legais que poderiam ser aplicados se de fato Zelaya houvesse desrespeitado a lei. O procedimento de votação no Congresso foi irregular, somente participaram alguns parlamentares favoráveis ao golpe, utilizaram inclusive empregados do Congresso, que se colocaram de costas às câmeras e votaram como se fossem parlamentares. A acusação que se faz contra Zelaya não é certa porque o que ele estava propondo era uma consulta, não uma eleição vinculante, apenas que nas eleições de novembro o povo opinasse se queria uma Constituinte ou não.
E se pode falar de que Honduras é um ensaio para outras tentativas de golpe em países do continente?
Eu penso que a direita na América Latina está muito preocupada com os avanços democráticos no continente, e considera não se deve fazer mais avanços. Como em Honduras e em todo o continente, a direita quer defender seus privilégios contra qualquer tipo de pressão. Então, se você olha a tentativa de golpe que houve em Guatemala um mês antes, e uma espécie de maior iniciativa política da direita em todo o continente, podemos concluir que realmente há algo que poderíamos chamar de conspiração da direita internacional para sacrificar os avanços democráticos na América Latina.
Dão-se conta que a experiência em Honduras está funcionando, por enquanto.
Este é o perigo da posição dos Estados Unidos. A mensagem dos Estados Unidos, com sua postura em relação a Honduras, é de que a direita pode dar golpes que o país não vai tomar nenhuma medida. E isso é extremamente perigoso, porque se vê uma tolerância à violação das constituições por parte da direita.
Que exemplos você daria desta ambigüidade da postura dos Estados Unidos?
Os Estados Unidos demoraram a condenar o golpe como um golpe. Barack Obama disse depois que se tratava de um golpe, mas legalmente os EUA não qualificaram isso como um golpe. Dizem que estão em processo de investigação e que somente a partir dessa investigação, que já leva mais de 15 dias, poderiam dizer se é um golpe, o que levaria à imediata suspensão da ajuda econômica e militar. E não querem fazer isso. Em segundo lugar, os EUA trataram de criar uma coalizão que rompa com a unanimidade da OEA, através deste processo de negociação. Em terceiro lugar, para dar um exemplo, Hillary Clinton chamou Michelet e o advogado pessoal da família Clinton é o principal encarregado de recebê-lo em Washington. Há uma série de indícios e fatos que mostra que uma parte do estabilishment norte-americano, o Pentágono, o Exército e uma parte das relações exteriores está com Michelet. E Barack Obama não diz nada. Pelo menos, há uma aceitação tácita desta situação.
Você acredita que a Cúpula do Mercosul tem algum poder para influenciar na situação hondurenha?
Eu creio que a Cúpula do Mercosul tem muito poder. Mas a mim me surpreende muito o pouco protagonismo do Brasil, que se destaca pelo seu protagonismo internacional em todos os campos, em todos os fóruns. E me parece que o perfil dos pronunciamentos do Brasil tem sido muito baixo, não liderando nada, simplesmente se somando às coisas que se fazem no âmbito internacional. Coisa que é preocupante. Eu penso que é importante um pronunciamento forte por parte do Mercosul e de seus associados, além de algumas sanções, que podem ter um caráter simbólico, como a retirada dos embaixadores, podem contribuir para o isolamento do governo de fato em Honduras.
Fonte:Brasil de Fato.
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