domingo, 19 de julho de 2009

HONDURAS - O Departamento de Estado tinha conhecimento do golpe.

Eva Golinger *

* O Departamento de Estado e o Congresso dos Estados Unidos financiaram e assessoraram os atores e organizações hondurenhas que participaram no golpe.
* O Pentágono treinou, capacitou, financiou e armou o exército hondurenho que perpetrou o golpe e continua reprimindo o povo de Honduras.
* A presença militar estadunidense em Honduras, que ocupa a Base Militar de Soto Cano (Palmerola), autorizou o golpe de Estado com sua cumplicidade tácita e com a negativa de retirar seu apoio aos militares hondurenhos.
* O Embaixador dos EUA em Tegucigalpa, Hugo Llorens, coordenou a expulsão do poder do presidente Manuel Zelaya junto com o subsecretário de Estado Thomas Shannon e John Negroponte, que trabalha atualmente como assessor da Secretária de Estado Hillary Clinton.
* Desde o primeiro dia do golpe, o governo de Washington tem falado das "duas partes" envolvidas e da necessidade de um "diálogo" para restituir a ordem constitucional, legitimando dessa forma aos golpistas.
* O Departamento de Estado negou-se a qualificar legalmente os acontecimentos de Honduras como um "golpe de Estado"; não suspendeu nem congelou seu apoio financeiro e o comércio com o país; nem tomou medidas para pressionar eficazmente ao governo de fato.
* Washington manipulou a Organização dos Estados Americanos (OEA) para alargar o tempo de debate sobre o que deveria ser feito e não apoiar o regresso imediato do presidente Zelaya ao poder, como parte de uma estratégia que continua em pé e simplesmente busca legitimar ao governo de fato e desgastar ao povo hondurenho que todavia resiste ao golpe.
* A Secretária de Estado, Hillary Clinton e seus porta-vozes deixaram de falar sobre o regresso do presidente Zelaya ao poder após a designação de Óscar Arias, presidente da Costa Rica, como "mediador", e agora qualificam ao ditador que assumiu o poder ilegalmente durante o golpe, Roberto Micheletti, como "presidente interino". A estratégia de "negociar" com os golpistas foi imposta pelo governo de Obama como uma maneira de desacreditar ao presidente Zelaya -culpando-o pelos fatos que provocaram o golpe- e legitimando aos golpistas.
* Congressistas estadunidenses -democratas e republicanos- organizaram uma visita de uns representantes dos golpistas de Honduras a Washington, e os receberam com honras em diferentes instituições da capital estadunidense.
* Apesar de que foi o senador republicano John McCain que coordenou a visita dos golpistas a Washington através de um bufete de lobby, The Cormac Group, atualmente o advogado de Bill Clinton e amigo próximo de Hillary, Lanny Davis, é quem foi contratado como "lobbysta" para conseguir a aceitação pública do governo de fato de Honduras em Washington.
* Otto Reich e o venezuelano Robert Carmona-Borjas, que foi advogado do ditador Pedro carmona durante o golpe de Estado na Venezuela, em abril de 2002, ajudaram, desde Washington, a preparar o cenário para o golpe contra o presidente Zelaya, em Honduras.
* A equipe de desenho do golpe de Estado em Honduras designado por Washington também incluía a um grupo de embaixadores dos Estados Unidos recentemente nomeados na América Central, experts na desestabilização da revolução cubana, e a Adolfo Franco, ex-encarregado do programa de Cuba da USAID.
* Ninguém duvida da implicação de Washington no golpe de Estado de Honduras contra o presidente Manuel Zelaya que começou no passado 28 de junho. Muitos analistas, dirigentes e, inclusive, presidentes, o denunciaram. No entanto, a maioria coincide em desculpar a administração de Barack Obama de algum papel no golpe hondurenho, responsabilizando em seu lugar resquícios do governo de George Bush e aos falcões que todavia andam pelos corredores da Casa Branca. A evidência demonstra que sim, que é certo que os falcões e os protagonistas de sempre dos golpes e sabotagens na América Latina também participaram e, além disso, existem amplas provas que assinalam o papel do governo de Obama.


[PARA QUEM QUISER LER MAIS SOBRE OS DETALHES DA PARTICIPAÇÃO DE WASHINGTON NO GOLPE, CONTINUA ABAIXO]

O Departamento de Estado

A nova diplomacia estadunidense, denominada "smart Power" (poder inteligente) tem jogado um papel principal antes, durante e depois do golpe de Estado em Honduras. Os porta-vozes do Departamento de Estado, admitiram em uma conferência de imprensa no dia 1º de julho, que tinham conhecimento prévio do golpe e que haviam estado trabalhando com os setores que o planejavam para buscar "outra solução" [i]. Também admitiram que os altos funcionários do Departamento de Estado, o subsecretário de Estado para América Latina, Thomas Shannon, e o subsecretário de Estado, James Steinberg, estiveram em Honduras na semana anterior ao golpe para manter reuniões com os grupos civis e militares que o executaram. Dizem que seu propósito era "frear" o golpe, no entanto, sua pressão verbal não concorda com seu respaldo aos setores golpistas.

Após o golpe, a Secretária de Estado, Hillary Clinton, publicou uma declaração, no domingo 28 de junho, que não reconhecia os acontecimentos como um "golpe" e tampouco exigia a restituição do presidente Zelaya ao poder. Também sempre fazia referência às "duas partes" do conflito, legitimando aos golpistas e responsabilizando publicamente ao presidente Zelaya desde o primeiro dia: "A ação contra o presidente hondurenho Mel Zelaya viola os princípios da Carta Democrática da OEA e deve ser condenado. Chamamos a todas as partes em Honduras a respeitar a ordem constitucional e o Estado de direito, que reafirmem sua vocação democrática e se comprometam a resolver as disputas políticas de maneira pacífica através do diálogo. Honduras deve abraçar os mesmos princípios da democracia que ratificamos há um mês na reunião da OEA celebrada nesse país [ii]

E desde então, apesar de diversas referências ao "golpe" de Honduras, o Departamento de Estado negava-se a qualificá-lo de golpe de Estado, o que o obrigaria a suspender toda classe de apoio econômico, diplomático e militar ao país. No dia 1º de julho, os porta-vozes do Departamento de Estado o explicaram dessa maneira: "Em referência ao próprio golpe, o melhor seria dizer que foi um esforço coordenado entre os militares e alguns atores civis. Obviamente, os militares foram os que conduziram a remoção forçada do presidente e atuaram para assegurar a ordem pública durante esse processo. Porém, para que o golpe seja mais do que uma insurreição ou uma rebelião, tem que haver uma transferência de poder aos militares. E nesse sentido, o Congresso -a decisão do Congresso de juramentar seu presidente Micheletti, como presidente de Honduras, indica que o Congresso e membros chaves deste desempenharam um papel importante nessa situação" [iii].

Essa posição ambígua, que condena os fatos de Honduras como uma ruptura da ordem constitucional, porém não chega a qualificá-los como golpe de Estado e nem exige a restituição do presidente Zelaya, foi ratificada após a reunião que a Secretária de Estado Hillary Clinton teve com o presidente Zelaya, no dia 7 de julho: "Acabo de realizar uma reunião produtiva com o presidente Zelaya. Discutimos os fatos dos últimos nove dias e o caminho a seguir. Reiterei que os Estados Unidos apóiam a restituição da ordem constitucional em Honduras. Continuaremos apoiando os esforços regionais através da OEA para alcançar uma resolução pacífica segundo as normas da Carta Democrática. Chamamos todas as partes a não cometer atos de violência e a buscar uma solução pacífica, constitucional e estável para as serias divisões em Honduras, por meio do diálogo. Para isso, estamos trabalhando com nossos sócios no hemisfério para estabelecer uma negociação, um diálogo que poderia desembocar em uma resolução pacífica dessa situação" [iv].

E estava claro, após essa reunião, que Washington não iria continuar advogando pelo regresso do presidente Zelaya ao poder, mas que buscava "uma negociação" com os golpistas que, no final, favorecesse os interesses estadunidenses. Fontes próximas a OEA afirmam que uma alta delegação estadunidense presente na reunião do dia 4 de julho na sede do organismo multilateral intensificou a pressão junto aos EUA para que aceitassem uma saída "negociada" que não implicasse necessariamente na restituição de Zelaya como presidente de Honduras.

Essa maneira de desviar o tema, manipular o assunto e aparecer assumindo uma posição quando na realidade as atuações demonstram o contrário, faz parte da nova doutrina de Obama denominada "smart Power" (poder inteligente), que pretende alcançar os objetivos imperiais sem satanizar o governo de Washington. "Smart Power" é "a capacidade de combinar o ‘poder duro’ com o ‘poder suave’ para alcançar uma estratégia vitoriosa. O ‘Smart Power’ utiliza estrategicamente a diplomacia, a persuasão, a construção de capacidades, a projeção do poder militar, econômico e político e a influência imperial de maneira efetiva, com uma legitimidade política e social". Essencialmente, é uma mistura de força militar com todas as formas de diplomacia, com ênfase no uso da "promoção da democracia" como tática para influir no destino dos povos, em vez de perpetrar uma invasão militar.

O embaixador

O jornalista Jean-Guy Allard revelou as origens do atual embaixador dos Estados Unidos em Honduras, Hugo Llorens [v]. Segundo Allard, Hugo Llorens, um cubano de nascimento que chegou aos Estados unidos como parte da Operação Peter Pan, é "especialista em terrorismo". A Casa Branca de George W. Bush captou ao astuto Llorens em 2002, nada menos do que como Diretor de Assuntos Andinos do Conselho Nacional de Segurança de Washington D.C., o que o converteu no principal assessor do presidente sobre Venezuela. O golpe de Estado de 2002 contra o presidente Hugo Chávez foi produzido enquanto Llorens se encontrava sob a autoridade do subsecretário de Estado para Assuntos Hemisféricos, Otto Reich, e do muito controvertido Elliot Abrams. Em julho de 2008, Llorens foi nomeado embaixador em Honduras".

No passado 4 de julho, o embaixador Llorens declarou à imprensa hondurenha que "...Não se pode violar a Constituição para criar uma Constituição, porque se não se tem Constituição vigora a lei da selva" [vi]. Essas declarações foram emitidas em referência à consulta popular sobre a convocatória de uma possível assembleia constituinte, que deveria ter acontecido no dia 28 de junho se não houvesse acontecido o golpe de Estado contra o presidente Zelaya. Os comentários de Llorens não somente evidenciam sua posição contra a consulta, mas, além disso, sua total ingerência em assuntos internos de Honduras.

Porém, Llorens não estava sozinho na região. Após sua nomeação como embaixador de Honduras -cargo que obviamente lhe foi destinado devido à necessidade de neutralizar a crescente presença de governos esquerdistas na região e a potência mundial da Alba-, foram nomeados vários embaixadores de Washington em vários países vizinhos, todos experts em desestabilização da revolução cubana e em operações psicológicas.

Primeiro, chegou o diplomata Robert Blau à embaixada dos Estados Unidos em El Salvador, no dia 2 de julho de 2008, como o segundo da diplomacia estadunidense. Em janeiro deste ano, Blau assumiu a embaixada como encarregado de negócios. Antes de seu envio a El Salvador, Blau foi subdiretor de Assuntos Cubanos do Departamento de Estado, após haver estado por dois anos na Seção de Interesses de Washington em Havana, como assessor político. Foi tão eficiente em seu trabalho em Cuba com a dissidência, que o Departamento de Estado lhe concedeu o Prêmio James Clement Dunn à Excelência, devido a seu trabalho com a oposição contrarevolucionária em Cuba. Llorens e Blau eram velhos amigos após trabalhar juntos na equipe de Otto Reich no Departamento de Estado.

Depois, foi nomeado Stephen McFarland como embaixador dos Estados Unidos na Guatemala, no dia 5 de agosto de 2008. McFarland, graduado na Universidade de Guerra dos Estados Unidos e ex-membro da equipe de combate número dois dos "marines" no Iraque, era o segundo na Embaixada dos Estados Unidos na Venezuela, sob William Brownfield, que incrementou de maneira alarmante o apoio financeiro e político à oposição contra Chávez. Em seguida, McFarland esteve na embaixada dos EUA no Paraguai, apoiando a construção da base militar do Pentágono nesse país. McFarland também foi diretor de Assuntos Cubanos no Departamento de Estado e seu perfil o destaca como um expert "em transições democráticas, direitos humanos e segurança".

O embaixador Robert Callahan chegou a Manágua, Nicarágua, também a princípios de agosto de 2008. Trabalhou nas embaixadas em La Paz (Bolívia) e San José (Costa Rica) e foi professor na Universidade Nacional de Guerra os Estados Unidos. Em 2004, foi enviado ao Iraque como agregado de imprensa da embaixada em Bagdá. Ao regressar, estabeleceu o escritório de imprensa e propaganda da recém criada Direção Nacional de Inteligência (DNI) de Washington, que na atualidade é o órgão mais poderoso da inteligência estadunidense.

Juntos, esses embaixadores -experts em golpes de Estado, desestabilizaram e propaganda- prepararam o terreno para o golpe contra o presidente Zelaya em Honduras.

Financiamento aos golpistas

Justo no mês anterior ao golpe contra o presidente Zelaya foi formada uma coalizão entre diferentes organizações não governamentais, empresários, partidos políticos, Igreja Católica e os meios de comunicação, denominada "a união cívica democrática". Seu único propósito era derrocar o presidente Zelaya para impedir que abrisse o caminho para uma assembleia constituinte que permitisse ao povo alçar sua voz e participar no processo político.

A "união cívica democrática" de Honduras está composta por organizações como o Conselho Nacional Anticorrupção, pelo Arcebispado de Tegucigalpa, pelo Conselho Hondurenho da Empresa Privada (COHEP), pelo Conselho de Reitores de Universidades, pela Conferência de Trabalhadores de Honduras (CTH), pelo Fórum Nacional de Convergência, pela Federação Nacional de Comércio e Indústrias de Honduras (FEDECAMARA), pela Associação de Meios de Comunicação (AMC), pelo Grupo Paz e Democracia e pelo grupo estudantil Geração X Mudança.

A maioria dessas organizações têm sido beneficiárias dos mais de 50 milhões de dólares que anualmente a USAID e a NED investem no "desenvolvimento democrático" em Honduras. De fato, um informe da USAID sobre seu financiamento e trabalho com o COHEP, destaca que "o baixo perfil da USAID nesse projeto ajudou a assegurar a credibilidade do COHEP como uma organização hondurenha e não como um braço da USAID".

Os porta-vozes da união cívica democrática de Honduras, em representação, segundo eles, da "sociedade civil", declararam à imprensa hondurenha no dia 23 de junho -cinco dias antes do golpe- que "confiam em que as forças armadas cumprirão com seu dever de defender a Constituição, o Estado de Direito, a paz e a democracia". Quando sucede o golpe, no dia 28 de junho, eles foram os primeiros a dizer que não houve de Estado, mas que haviam "resgatado a democracia" das mãos do presidente Zelaya, cujo crime foi querer dar voz, visibilidade e participação ao povo. Também em representação dos setores da classe média e alta, a união cívica democrática qualificou aos setores que apóiam ao presidente de "turbas".

O Instituto Republicano Internacional, que recebe fundos da National Endowment for Democracy (NED), obteve mais de 1,2 milhões de dólares em 2009 para trabalhar com os setores políticos em Honduras. Seu trabalho tem sido dedicado a apoiar os "centros de pensamento" e "grupos de pressão" em Honduras, para influir nos partidos políticos e "apoiará iniciativas para implementar posições políticas durante as campanhas de 2009". Esta é uma clara intervenção na política interna de Honduras e evidência do financiamento da NED aos setores golpistas do país.

O lobby de Washington

O senador republicano John McCain, ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, ajudou a coordenar a visita da delegação golpista de Honduras a Washington durante a semana passada. McCain é conhecido por sua dura postura contra a Venezuela, a Bolívia e outros países da região considerados "antiimperialistas" e por seus estreitos vínculos com a máfia cubana em Miami. McCain também é chefe do Instituto Republicano Internacional (IRI), entidade financeira dos golpistas de Honduras.McCain ofereceu os serviços de sua empresa de lobby, The Cormac Group, que organizou uma conferência de imprensa dos golpistas no National Press Club, no dia 7 de junho passado.

Porém, além da conexão republicana com os golpistas hondurenhos, há um vínculo mais comprometedor com a atual administração democrata de Barack Obama. O advogado Lanny Davis foi contratado pela sede hondurenha do Conselho de Empresários da América Latina (CEAL) para fazer lobby a favor dos golpistas e convencer aos poderes de Washington de que devem aceitar e reconhecer ao governo de fato de Honduras. Lanny Davis foi advogado do ex-presidente Bill Clinton quando este estava na Casa Branca e é um conhecido amigo e assessor da atual Secretária de Estado Hillary Clinton. Davis organizou uma ofensiva diplomática e midiática a favor dos golpistas, incluída a compra de publicidade em jornais estadunidenses e organizando reuniões entre os representantes golpistas e diferentes congressistas, senadores e funcionários do governo de EUA. O CEAL é composto pelos empresários latinoamericanos que mais têm promovido atentados contra os movimentos populares na região. Por exemplo, o atual representante da Venezuela no CEAL é Marcel Granier, presidente da RCTV, a cadeia de televisão que promoveu e tentou legitimar o golpe de Estado contra o presidente Chávez.

Como parte desse esforço, conseguiram uma audiência especial ante o Comitê de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos, com a participação de congressistas democratas e republicanos, e com os testemunhos de personagens promotores do golpe, como Michael Shifter, do Diálogo Interamericano de Washington, Guillermo Pérez-Cadalso, ex-Chanceler e Magistrado da Corte Suprema de Honduras e o famoso Otto reich, cubano-americano conhecido por seu papel na maioria das atividades de desestabilização contra governos esquerdistas na América Latina desde os anos 80. Como resultado desse encontro, o Congresso dos EUA está promovendo uma resolução que reconheça como legítimo ao governo de fato de Honduras.

Outro resultado do lobby de Lanny Davis foi a reunião convocada no Conselho das Américas, no dia 9 de junho, onde participou Jim Swigert, diretor dos Programas da América Latina e caribe para o Instituto Democrata Nacional (NDI), que recebe seu financiamento da NED, Cris Arcos, antigo embaixador dos EUA em Honduras e Adolfo Franco, ex-administrador da USAID para América Latina e Caribe e encarregado do programa de "transição" em Cuba. Esses três personagens têm trabalhado como assessores do governo de Obama frente à crise em Honduras. Franco, que também foi assessor de política exterior para o senador John McCain durante sua campanha presidencial em 2008, tem sido acusado de corrupção por seu manejo inadequado dos fundos da USAID para o programa de "promoção da democracia" em Cuba, grande parte dos quais foram destinados a grupos de Miami, como o Comitê para uma Cuba Livre e o Instituto para Estudos Cubanos em Miami, sem passar por nenhum processo transparente de revisão.

Negroponte e Reich, de novo

Muitos têm especulado sobre o papel do antigo embaixador dos EUA em Honduras, John Negroponte, que dirigiu a força paramilitar denominada "Contra" e os esquadrões da morte contra os movimentos esquerdistas na América Central durante os anos 80. Negroponte teve vários cargos durante a administração de George W. Bush: embaixador dos EUA no Iraque, embaixador ante a ONU, diretor nacional de Inteligência e, por último, subsecretário de Estado, sob ordens de Condoleezza Rice. Após sair do Departamento de Estado, Negroponte passou ao setor privado. Ofereceram-lhe um trabalho como vice-presidente da firma consultora mais influente de Washington, McLarty Associates. Negroponte aceitou. McLarty Associates foi fundada por Thomas "Mack" McLarty, ex-chefe de gabinete do presidente Bill Clinton e enviado especial a América Latina durante sua presidência. Atualmente, McLarty Associates maneja a consultora mais poderosa de Washington. Até 2008 McLarty associates chamava-se Kissinger-McLarty Associates, devido à união entre Thomas McLarty e Henry Kissinger, o que evidencia a união política entre os setores democratas e republicanos em Washington.

Em seu novo cargo, John Negroponte trabalha como assessor sobre política exterior do Departamento de Estado, sob ordens de Hillary Clinton. Recordemos que o embaixador estadunidense em Honduras, Hugo Llorens, trabalhava sob o comando de Negroponte durante a maior parte de sua gestão.

Otto Reich leva uns anos trabalhando em uma campanha contra o presidente Zelaya. Foi demandado por Zelaya em abril de 2009 por tê-lo acusado publicamente de roubar 100 milhões de dólares da empresa estatal de telecomunicações, Hondutel. Resulta que Reich fazia lobby para uma empresa privada de telecomunicações que queria privatizar Hondutel. Agora, com Zelaya destituído e um empresário no poder, o mais provável é que Reich consiga seu negócio multimilionário.

Reich fundou uma organização em Washington chamada Arcadia Foudation[vii] junto a um venezuelano, Robert Carmona-Borjas, advogado especialista em temas militares, vinculado ao golpe de abril de 2002, na Venezuela, segundo seu próprio perfil. Robert Carmona-Borjas supostamente esteve em Miraflores com Pedro Carmona durante o golpe de abril de 2002 e escapou, junto a Carmona, do Palácio quando foi tomado pela guarda de honra presidencial. Desde então vive em Washington, DC. Desde o ano passado, Reich e Carmona-Borjas desencadearam uma campanha contra Zelaya por assuntos de corrupção, com uma serie de micros que falam sobre corrupção, liberdade de expressão e mudanças em Honduras. [viii]

Carmona-Borjas tem viajado com frequência a Honduras durante os últimos meses, inclusive falando de golpe de Estado "técnico" junto com outros atores, como o defensor do povo hondurenho, Ramón Custodia, que declarou no começo de junho que "os golpes são uma possibilidade que pode acontecer em qualquer cenário político". Após o golpe, no dia 3 de julho, Robert Carmona-Borjas apareceu em Honduras na concentração dos golpistas em Tegucigalpa e foi reconhecido como um ator importante que tornou possível a saída de Zelaya e a chegada ao poder de Micheletti.[ix]

O poder militar

Estados Unidos mantêm uma presença militar muito grande na base de Soto Cano (Palmerola), situada a 97 km da capital, que tem estado operativa desde 1981, quando foi ativada pelo governo dos Estados Unidos durante a administração de Ronald Reagan.

Nos anos 80, Soto Cano foi utilizada pelo coronel estadunidense Oliver North como uma base de operações para a "Contra", as forças paramilitares treinadas e financiadas pela Agência Central de Inteligência (CIA), encarregadas de executar a guerra contra os movimentos esquerdistas na América Central e particularmente contra o governo sandinista de Nicarágua. Desde Soto Cano, a "Contra" lançava seus ataques terroristas, esquadrões da morte e missões especiais que tiveram como consequência milhares de assassinatos, desaparecidos, torturados, mutilados e aterrorizados na América Central.

John Negroponte, na época embaixador dos EUA em Honduras, junto a Oliver North e Otto Reich, dirigia estas operações sujas.

A base de Soto Cano é a sede da Força Tarefa Conjunta "Bravo" (JTF-B) dos EUA, composta por efetivos do exército, pelas forças aéreas, forças de segurança conjuntas e pelo primeiro batalhão-regimento Número 228 da aviação estadunidense. São 600 pessoas no total e18 aviões de combate, incluídos helicópteros UH-60 BlackHawk e CH-47 Chinook. Soto Cano também é a sede da Academia da Aviação de Honduras. Mais de 650 cidadãos hondurenhos e estadunidenses vivem nas instalações da base.

A Constituição de Honduras não permite legalmente a presença militar estrangeira no país. Um acordo "de punho" entre Washington e Honduras autoriza a importante e estratégica presença de centenas de militares estadunidenses na base, em um acordo "semipermanente". O acordo realizou-se em 1954 como parte da ajuda militar que os Estados Unidos ofereciam a Honduras. A base, primeiramente, foi utilizada pela CIA para lançar o golpe contra Jacobo Arbenz, na Guatemala.

A cada ano, Washington autoriza centenas de milhões de dólares como ajuda militar e econômica para Honduras, que é o terceiro país mais pobre do hemisfério. Esse acordo, que permite a presença militar dos EUA no país centroamericano, pode ser retirado sem aviso.

No dia 31 de maio de 2008, o presidente Manuel Zelaya anunciou que Soto Cano (Palmerola) seria utilizada para voos comerciais internacionais. A construção do terminal civil foi financiada com um fundo da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas).

Os dois generais com maior participação no golpe contra Zelaya são graduados da Escola das Américas e mantêm laços estreitos com os militares estadunidenses em Honduras. O comandante da Aviação de Honduras, general Luis Javier Prince Suazo, estudou na famosa Escola das Américas dos Estados Unidos, em 1996. O chefe do Estado Maior conjunto, general Romeo Vásquez, destituído pelo presidente Zelaya no dia 24 de junho por desobedecer suas ordens, foi ator principal no golpe militar dias depois, e também é graduado da Escola das Américas. Os dois altos oficiais hondurenhos mantêm relações muito estreitas com o Pentágono e com as forças militares estadunidenses em Soto Cano.

O embaixador dos EUA em Honduras que trocou em setembro de 2008, Charles Ford, foi transferido para o Comando Sul, em Miami, para encarregar-se da assessoria para o Pentágono sobre América Latina.

Os militares hondurenhos estão financiados, treinados, doutrinados e comandados pelo exército estadunidense sobre a base da doutrina antiesquerdista e antissocialista. Por isso era tão fácil atuar contra o presidente Zelaya, seu comandante em chefe, porque o viam como parte da "ameaça esquerdista", contra a qual combatem há décadas.[x]

De todas essas evidências -e haverá mais no futuro-, comprova-se o inconfundível papel de Washington no golpe de Estado em Honduras contra o presidente Zelaya.


Notas:

[i] http://www.state.gov/r/pa/prs/ps/2009/july/125564.htm
[ii] http://www.state.gov/secretary/rm/2009a/06/125452.htm
[iii] Ver nota 1.
[iv] http://www.state.gov/secretary/rm/2009a/july/125753.htm
[v] http://www.radiomundial.com.ve/yvke/noticia.php?28366
[vi] http://www.elheraldo.hn/País/Ediciones/2009/06/05/Noticias/Lo-que-se-haga-debe-ser-legal-y-constitucional
[vii] www.arcadiafoundation.org
[viii] http://www.arcadiafoundation.org/videos.html
[ix] http://www.youtube.com/watch?v=ukacM-77lXs
[x] http://www.aporrea.org/actualidad/n138264.html

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