O Departamento da Energia dos EUA muda de tom quanto ao Pico Petrolífero
Michael T. Klare (Resistir.info)
Todo verão a Energy Information Administration (EIA) do Departamento da Energia dos EUA emite o seu International Energy Outlook (IEO) – um compacto compêndio de dados e análises sobre a evolução da equação da energia no mundo. Para aqueles com capacidade para interpretar os resultados estatísticos chaves, a divulgação do IEO pode proporcionar uma oportunidade única para avaliar mudanças importantes nas tendências energéticas globais, tal como os relatórios de rotina do Partido Comunista publicados no Pravda outrora proporcionavam aos observadores do Kremlin percepções quanto a mudanças na liderança de topo da União Soviética.
De fato, a divulgação recente do IEO 2009 proporcionou aos observadores da energia um festim de revelações significativas. A revelação de longe mais significativa: o IEO prevê uma queda aguda na projetada futura produção mundial de petróleo (em comparação com expectativas anteriores) e um aumento correspondente da dependência do que costuma ser chamado de “combustíveis não convencionais” – areias petrolíferas, petróleo ultra-profundo, óleo de xisto e biocombustíveis.
Assim, aqui está a manchete: Pela primeira vez, a respeitada Energy Information Administration parece estar juntando-se àqueles peritos que desde há muito tem argumentado que a era do petróleo barato e abundante chegou ao fim. Quase igualmente notável, no que concerne a notícias, o relatório de 2009 destaca a insaciável procura da Ásia por energia e sugere que a China mover-se cada vez mais para perto do ponto em que ultrapassará os Estados Unidos como o consumidor número um de energia do mundo. Claramente, uma nova era de competição energética implacável está iminente.
O Pico Petrolífero torna-se a nova norma
Ainda em 2007, o IEO projetava que a produção global de petróleo convencional (o material que brota do solo em forma líquida) atingiria 107,2 milhões de barris por dia em 2030, um aumento substancial em relação aos 81,5 milhões de barris produzidos em 2006. Agora, em 2009, a edição mais recente do relatório, sombriamente, reduziu aquele número projetado para 2030 a apenas 93,1 milhões de barris por dia – em termos de produção futura, um impressionante declínio de expectativa de 14,1 milhões de barris por dia.
Mesmo quando se acrescenta a projeção do relatório de 2009 de um aumento maior do que o esperado na produção de combustíveis não convencionais, ainda assim acaba-se com um declínio líquido projetado de 11,1 milhões de barris por dia na oferta global de combustíveis líquidos (quando comparado aos números em ascensão projetados no relatório do IEO de 2007). O que significa este declínio – senão o crescente pessimismo de peritos em energia no que se refere à oferta internacional de líquidos petrolíferos?
Muito simplesmente, ele indica que os habitualmente optimistas analistas do Departamento da Energia agora acreditam que a oferta de combustível simplesmente não será capaz de acompanhar o ritmo da ascensão da procura mundial. Durante anos e até hoje, variados geólogos do petróleo e outros especialistas em energia têm advertido que a produção mundial de petróleo está se aproximando do nível máximo diário sustentável – um pico – e subsequentemente irá declinar, produzindo possivelmente caos econômico global. Seja qual for o timing da chegada do pico real do Pico Petrolífero, há acordo crescente de que, pelo menos, já entramos no território do Pico Petrolífero, ainda que não tenhamos chegado ao momento do declínio irreversível.
Até recentemente, responsáveis da Energy Information Administration ridicularizavam a noção de que está iminente um pico na produção global de petróleo ou que deveríamos prever uma contração na futura disponibilidade de petróleo a qualquer momento dentro em breve. “Esperamos o petróleo convencional atinja o pico mais cerca dos meados do século XXI do que no princípio do mesmo”, declarava enfaticamente o relatório da IEO de 2004.
Em coerência com esta visão, a EIA relatava um ano depois que a produção global atingiria uns estarrecedores 122,2 milhões de barris por dia em 2025, mais de 50% acima do nível de 2002, que foi de 80,0 milhões de barris por dia. Isto era a coisa mais próxima de uma rejeição explícita do Pico Petrolífero que se podia obter dos peritos da EIA.
Para onde foi todo o petróleo?
Agora, vamos voltar à edição de 2009. Em 2025, segundo este novo relatório, a produção mundial de líquidos, convencionais e não convencionais, atingirá apenas uns relativamente funestos 101,2 milhões de barris por dia. Pior ainda, a produção de petróleo convencional será apenas de 89,6 milhões de barris por dia. Em termos da EIA, isto é pura profecia da desgraça, tão profundamente pessimista no que se refere à futura capacidade de produção de petróleo quanto é provável ser.
Os peritos da agência afirmam, contudo, que isto não se demonstrará completamente o desafio que possa parecer porque eles também reviram em baixa as suas projeções da futura procura de energia. Em 2005 eles estavam projetando um consumo mundial de petróleo em 2025 de 119,2 milhões de barris por dia, abaixo da produção prevista naquele ano. Este ano – e todos nós deveríamos teoricamente dar um profundo suspiro de alívio – o relatório projeta aquele número para 2025 em apenas 101,2 milhões de barris por dia, convenientemente a quantidade exata que se espera que o mundo produza naquele momento. Se isto realmente for o caso, então os preços do petróleo presumivelmente permanecem dentro de uma amplitude administrável.
Contudo, de fato a parte do consumo parece o cálculo menos confiável desta equação, especialmente se o crescimento econômico continua em algo como o seu ritmo recente na China e na Índia. Na verdade, toda a evidência sugere que o crescimento nestes países retomará o seu ritmo pré-crise no fim de 2009 ou no princípio de 2010. Sob estas circunstâncias, a procura global de petróleo acabará por ultrapassar a oferta, conduzindo os preços outra vez para cima e a ameaçar recorrentes e potencialmente desastrosas desordens econômicas – possivelmente na escala do atual colapso econômico global.
Ter a mais mínima oportunidade de impedir tais desastres significa ver uma elevação drástica na produção de petróleo não convencional. Tais combustíveis incluem areias petrolíferas canadianas, petróleo extra-pesado venezuelano, petróleo deep-offshore, petróleo do Árctico, petróleo do xisto, líquidos derivados do carvão (coal-to-liquids ou CTL) e biocombustíveis. Atualmente, tudo isto acumulado constitui somente cerca de 4% da oferta mundial de combustíveis líquidos mas é esperado que atinja aproximadamente 13% em 2030. No cômputo geral, segundo estimativas do novo relatório IEO, a produção de líquidos não convencionais atingirá uns estimados 13,4 milhões de barris por dia em 2030, acima dos 9,7 milhões de barris projetados na edição de 2008.
Mas para que ocorra uma expansão nesta escala, indústrias inteiramente novas terão de ser criadas para fabricar tais combustíveis a um custo de vários milhões de milhões (trilhões) de dólares. Este empreendimento, por sua vez, está a provocar um debate amplo sobre as consequências ambientais de produzir tais combustíveis.
Por exemplo: qualquer aumento significativo na utilização de biocombustíveis – supondo que tais combustíveis fossem produzidos por meios químicos ao invés de, como agora, por cocção – podia reduzir em simultâneo emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito estufa [NR], reduzindo realmente o ritmo da futura alteração climática. Por outro lado, qualquer aumento na produção retirada das areias petrolíferas canadianas, do petróleo extra-pesado venezuelano, do óleo de xisto das Montanhas Rochosas implicaria atividades intensivas em energia a níveis estarrecedores, que emitiriam vastas quantidades de CO2, as quais podem mais do que cancelar quaisquer ganhos provenientes dos biocombustíveis.
Além disso, a produção acrescida de biocombustíveis arrisca divergir vastas extensões de terra arável do cultivo crucial de alimentos básicos para a fabricação de combustível para transporte. Se, como é provável, os preços do petróleo continuarem a aumentar, é de esperar que se torne mais atraente para agricultores plantarem mais milho e outras plantas para conversão final em combustíveis para transporte, o que significa aumentos nos custos alimentares que poderiam colocar os preços fora do alcance dos muito pobres, enquanto estica famílias trabalhadoras até o limite. Tal como em Maio e Junho de 2008, quando tumultos alimentares propagaram-se por todo o planeta em reação a altos preços alimentares – provocados, em parte, pelo desvio de vastas extensões da cultura do milho para a produção de biocombustível – isto poderia levar à inquietação e à fome em massa.
Uma forte pegada energética sobre o planeta
As implicações geopolíticas desta transformação poderiam ser impressionantes. Dentre outros desenvolvimentos, a influência global do Canadá, Venezuela e Brasil – todos eles produtores chave de combustíveis não convencionais – forçosamente seria fortalecida.
O Canadá está a tornar-se cada vez mais importante como o principal produtor do mundo de petróleo extraído da areia, ou betume – um material espesso, pegajoso e viscoso que deve ser extraído do chão e tratado de vários modos intensivos em energia antes de poder ser convertido em petróleo sintético (synfuel). Segundo o relatório IEO, a produção das areais petrolíferas, agora de 1,3 milhão de barris por dia pouco lucrativa, poderia atingir o marco de 4,4 milhões de barris (ou mesmo, de acordo com os cenários mais optimistas, 6,5 milhões de barris) em 2030.
Dadas as novas projeções da IEA, isto representaria um acréscimo extraordinário aos abastecimentos globais de energia exatamente quando se espera que fontes chave de petróleo convencional em lugares como o México e o Mar do Norte sofram declínio severo. Contudo, a extração de petróleo de areias poderia demonstrar-se um desastre poluidor de primeira grandeza. Em primeiro lugar, são necessárias notáveis injeções de energia do velho estilo para extrair esta nova energia, enormes extensões de florestas teriam de ser limpas e utilizadas vastas quantidades de água para o vapor necessário ao desalojamento da substância viscosa enterrada (exatamente quando o equivalente “pico da água” pode estar a chegar).
O que isto significa é que a produção acelerada das areias petrolíferas está certamente ligada à pilhagem ambiental, à poluição e ao aquecimento global. Há grande dúvida de que responsáveis canadianos e o público em geral estará, no final das contas, disposto a pagar o preço econômico e ambiental envolvido. Por outras palavras, seja o que for que a IEA possa projetar agora, ninguém pode saber se os synfuels realmente estarão disponíveis nas quantidades necessárias daqui a 15 ou 20 anos.
A Venezuela tem sido desde há muito uma fonte importante de petróleo bruto para os Estados Unidos, gerando grande parte da receita utilizada pelo presidente Chávez para sustentar seus experimentos sociais internos e uma ambiciosa agenda política anti-americana no exterior. Nos próximos anos, contudo, espera-se que a sua produção de petróleo convencional caia, deixando o país cada vez mais dependente da exploração de grandes depósitos de betume na bacia oriental do Rio Orenoco. Só para desenvolver estes depósitos de “petróleo extra-pesado” exigirá investimentos financeiros e energéticos significativos e, tal como as areias petrolíferas do Canadá, o impacto ambiental podia ser devastador. No entanto, o desenvolvimento com êxito destes depósitos podia demonstrar-se uma fonte de riqueza econômica para a Venezuela.
O grande vencedor nestas amargas corridas da energia, contudo, será provavelmente o Brasil. Já um grande produtor de etanol, espera-se ver um enorme aumento na produção de petróleo não convencional uma vez que os seus novos campos ultra-profundos nos “sub-sal” das bacias de Campos e Santos comecem a produzir. Trata-se de maciços depósitos offshore de petróleo enterrados abaixo de espessas camadas de sal a umas 100 milhas [161 km] da costa do Rio de Janeiro e várias milhas abaixo da superfície do oceano.
Quando os desafios técnicos substanciais para explorar estes campos submarinos forem ultrapassados, a produção do Brasil subirá até três milhões de barris por dia. Em 2030, o Brasil deveria ser um grande ator na equação energética mundial, tendo sucedido à Venezuela como o principal produtor de petróleo da América do Sul.
Novas potências, novos problemas
O relatório IEO alude a outras mudanças geopolíticas que estão a ocorrer na paisagem energética global, especialmente um esperado aumento espantoso na fatia do abastecimento energético global consumida na Ásia e um declínio correspondente por parte dos Estados Unidos, do Japão e de outras potências do “Primeiro Mundo”. Em 1990, os países em desenvolvimento da Ásia e do Médio Oriente representavam apenas 17% do consumo energético mundial; em 2030, esse número, sugere o relatório, deveria a tingir os 41%, rivalizando com o das grandes potências do Primeiro Mundo.
Todas as edições do relatório previram que a China finalmente ultrapassaria os Estados Unidos como o consumidor de energia número um. O que é notável é quão rapidamente a edição de 2009 espera que isso aconteça. O relatório de 2006 colocara a China na posição de liderança em 2026-2030; no de 2008, era 2021-2024; no de 2008, era 2016-2020. Este ano, a EIA está projetando que a China ultrapassará os Estados Unidos entre 2010 e 2014.
É muito fácil passar por alto estas estimativas cambiantes, pois os relatórios não enfatizam como elas mudaram de ano para ano. Contudo, o que sugerem é que os Estados Unidos enfrentarão uma competição cada vez mais acirrada da China na luta global para assegurar fornecimentos adequados de energia para atender as necessidades nacionais.
Dado o que sabemos acerca das perspectivas minguantes quanto a adequados fornecimentos futuros de petróleo, estamos certos de enfrentar competição geopolítica acrescida e conflitos entre os dois países naquelas poucas áreas que são capazes de produzir quantidades adicionais de petróleo (e sem dúvida desespero genuíno entre muitos outros países com muito menos recursos e poder).
E muito mais se seguirá. Como principal consumidor de energia do mundo, Pequim sem dúvida desempenhará um papel muito mais crítico no estabelecimento de políticas internacionais de energia e de preços, enfraquecendo o papel central há muito desempenhado por Washington. Não é difícil imaginar, então, que grandes produtores de petróleo no Médio Oriente e na África verão como do seu interesse aprofundar laços políticos e econômicos com a China a expensas dos Estados Unidos. Pode-se esperar também que a China mantenha laços estreitos com fornecedores de petróleo como o Irã e o Sudão, não importa quanto isto se choque com objetivos de políticas externa americanos.
À primeira vista, o International Energy Outlook para 2009 não parece diferente das edições anteriores: um tedioso compêndio de tabelas e textos sobre tendências energéticas mundiais. Encarado sob outro prisma, contudo, ele trombeteia as manchetes do futuro – e as suas notícias não são confortantes.
A equação energética global está a mudar rapidamente, e com isto é provável que se desencadeie grande competição de potências, perigo econômico, aumento da fome, inquietação crescente , desastre ambiental e contração da oferta de energia, não importa que passos sejam adoptados. Sem dúvida a edição de 2010 do relatório, e aquelas que se seguirão, revelarão muito mais, mas as novas tendências em energia sobre o planeta já são cada vez mais evidentes – e perturbadoras.
[NR] Um falso problema. O autor deixou-se iludir pela teoria do aquecimento global.
Michael T. Klare é professor de estudos da paz e da segurança mundial no Hampshire College em Amherst, Massachusetts, autor de Rising Powers, Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy .
O original encontra-se em
http://www.tomdispatch.com/post/175082/michael_klare_goodbye_to_cheap_oil
Este artigo foi publicado também em http://resistir.info/ ./AEPET
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