quinta-feira, 16 de julho de 2009

A REAÇÃO DE UM GRANDE JORNALISTA À PEQUENEZ DO STF.

Celso Lungaretti

Certa vez perguntaram a George Foreman se Muhammad Ali era mesmo o melhor boxeador de todos os tempos. O gigante respondeu que isto era difícil de avaliar, mas, sem dúvida, Ali era o melhor cidadão que já lutou boxe, numa alusão à coragem com que confrontou o sistema para não se prestar ao infame papel de propagandista da Guerra do Vietnã.

Da mesma forma, Apóllo Natali não será lembrado como o melhor jornalista de sua época, mas, sem dúvida, foi o melhor ser humano que eu conheci exercendo a profissão.

Fomos colegas na Agência Estado. Era um redator eficiente, que escrevia textos de boa qualidade com extrema rapidez.

Seu talento maior, entretanto, era e é o de cronista, pois narra, com sensibilidade e elegância, o que aprendeu numa trajetória de vida riquíssima.

Crônicas hoje são pouco valorizadas e o Apóllo -- coitado! -- nunca teve o merecido reconhecimento. Nada ficava a dever a um Lourenço Diaféria, p. ex.

Maior que tudo, entretanto, era o seu valor como ser humano. Sempre foi um poço de bondade, ajudando a todos na redação, administrando com sabedoria as situações melindrosas entre a equipe, colocando seu jornalismo a serviço das pequenas boas causas, tão desprezadas.

Outra característica marcante era a de resistir à arrogância dos tiranetes que pululam nas empresas jornalísticas. Por conta disto, depois de exercer durante décadas a função de sub-editor, entregou o cargo, já que não pagavam adequadamente a carga adicional de trabalho implícita.

Cinquentão, não hesitou adiante em pedir demissão para levantar seus direitos trabalhistas e poder bancar um bom tempo sem trabalhar, enquanto assistia ao pai agonizante.

Cerca de um ano depois, cumprida sua missão, já não havia mais quem lhe desse emprego na grande imprensa.

Entre bicos jornalísticos e quebra-galhos em outras atividades, foi sobrevivendo, pobremente, mas sem queixas nem pedidos de ajuda às dezenas de amigos que ajudou. Achava indigno procurá-los, esperava que viessem a ele. Quase todos foram ingratos, como costuma acontecer.

E ainda encontrou disposição para realizar o sonho de uma vida inteira: fazer o curso de Jornalismo, pois atravessara toda sua carreira como formado na escola da vida (já estando na profissão, teve o direito de continuar exercendo-a quando o diploma passou a ser exigido dos ingressantes, no final dos anos 60).

Formou-se com louvor em 2007, nas Faculdades São Judas Tadeu, já septuagenário, recebendo manifestações de apreço dos professores e de carinho dos jovens colegas a quem, como é do seu feitio, muito ajudou.

E, nesta semana, o Observatório da Imprensa publica sua emocionante reação à decisão do STF que tornou o diploma de jornalismo (ou de qualquer outro curso superior) desnecessário para o exercício da nossa profissão.

Vale a pena ler esta lição de quem tem conhecimentos e, principalmente, moral para opinar sobre este assunto:

CARTA ABERTA AOS ESTUDANTE DE JORNALISMO

"Estudantes de Jornalismo, o diploma continua obrigatório, sim, para os vossos corações!

"Tragam um curso de Jornalismo para as vossas vidas!

"Esforçai-vos por fazer bons cursos. Não falteis às aulas, anotai tudo em classe, fazei todos os trabalhos com amor, não canseis os professores com barulho, interrupções, desrespeito.

"Apaixonados por jornalismo, apenas olhai e passai pelos que dizem: para ser jornalista basta saber contar histórias. Perdoai-os! Não sabem o que falam! Seus olhos jamais contemplaram essa luz, nem seus ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em seus corações o fogo dessa paixão.

"Este eterno enamorado do jornalismo que vos fala está com 73 anos e depois de quase quatro décadas atuando na imprensa escrita, concluiu a Faculdade em 2007, sem faltar um dia sequer, durante os quatro anos. Sempre é tempo de transitar pelas matérias fascinantes do curso de Comunicação, usufruir de seus clarões, ver o mundo com nitidez. Vale qualquer sacrifício: nos quatro anos de curso, entre idas e vindas, de casa às salas de aula, subi e desci, de dois em dois, duas vezes o total de 190.880 degraus, no metrô e no prédio da faculdade, lá sem usar elevador. Levantei às 5 horas da manhã 720 vezes durante os 4 anos. Caminhei mais de 5 quilômetros por dia, ou 3.600 quilômetros ao todo, o mesmo que ir a pé ao Rio de Janeiro oito vezes.

Justiceira da humanidade

"Abraçai, pois, com felicidade, a profissão bendita, campo, sim, para as grandes batalhas de espírito e inteligência, e sem deixar de vos conscientizar das manipulações das consciências e das transações de domínio sobre as pessoas perpetradas pelos poderosos.

"Espelhai-vos no maior jornalista que o Brasil já teve, o baiano Cypriano Jozé Barata de Almeida, que combateu como nenhum outro pela liberdade do Brasil no final do período colonial, Primeiro Império e Regência. Fez mais pela liberdade de nossa gente do que os heróis oficiais com seus festejados bustos em praças públicas.

"Explico: Cypriano fez da imprensa, e vós também podereis fazer, a grande justiceira da humanidade, a deusa tutelar da espécie humana. Os poderosos que escrevem a História deram-lhe apenas a esmola de uma rua com o seu nome no bairro do museu do Ipiranga, em São Paulo, uma em Salvador, onde nasceu, outra em Natal, onde morreu. Não importa, foi o maior jornalista!

"Ao ostentardes o diploma, obrigatório para qualquer humano, as sábias velhinhas vos dirão, emocionadas, nos pontos de ônibus, metrô, filas de bancos, supermercados: vós fizestes Jornalismo, meu filho, minha filha querida, fizestes? Que lindo!" (Apóllo Natali)

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