Elegante e moderado, enquanto viveu, o excelente médico e homem público José Aristodemo Pinotti contribuiu, com sua morte, para que arrefecessem os ânimos no Senado, na tarde de ontem. Presidindo a sessão de homenagem ao morto, o senador José Sarney pediu que os discursos se limitassem à sua memória, mas não teve êxito. O senador Arthur Virgílio quebrou o rito, ao anunciar que venderá propriedades da família, a fim de ressarcir o Tesouro do dinheiro que foi pago a um funcionário que, lotado em seu gabinete, viveu em Paris, durante mais de um ano.
Essa crise no Senado está muito distante da versão shakespeareana do complô contra César: não conseguimos ver, sob a manga da túnica de Arthur Virgílio, nem sob as dos outros que a ele se unem, o punhal de Brutus e de seus companheiros de conjura. Os punhais de hoje são metafóricos, e o senador pelo Amazonas não tem as dimensões trágicas de Marcus Brutus. O que se passa no Senado está mais para uma pantomima da commedia dell’arte do Renascimento Italiano.
Quaisquer que tenham sido os erros do senador Sarney na presidência do Senado, eles não são exclusivos do político do Maranhão. A cultura da tolerância permitiu que a representação parlamentar se degradasse a esse ponto. A longa experiência política do ex-presidente da República o devia advertir que, com os inimigos e adversários que reuniu durante décadas, devia precaver-se. Mas, pelo que vemos, quaisquer tenham sido os seus erros, ele se encontra em condições de devolver, aos honourable and wise men, todas as pedras que lhe são atiradas. Falta autoridade a Arthur Virgílio para pedir o afastamento do presidente do Senado, depois de ter confessado alguns de seus próprios pecados. Ele parece ter sido aconselhado pela astúcia jesuítica da restrição mental, quando se esqueceu, no auge de sua investida, que se valera de Agaciel Maia, a fim de socorrê-lo em Paris. Fora o senador imprevidente, ao viajar para a França sem os recursos necessários, ou perdera o controle dos gastos, o que dá no mesmo. E se esqueceu de que, na mesma Paris, estava a prova de outro descuido: o de ter, ali, recebendo vencimentos no Senado, um servidor público lotado no seu gabinete em Brasília.
Entre as muitas lições do episódio, duas se destacam. Ambas são importantes para a correção ética da vida política nacional. A primeira é que, em consequência de uma disputa menor, desencadeou-se o processo que levou à ruptura da omertà corporativa. Os debates podiam ser acesos, e eram, mas não se tocava nas coisas domésticas. Afinal, de minimis non curat praetor: dos atos secretos e dos acertos financeiros, coisa menor, cuidava o diretor-geral e seus auxiliares. Agora a cidadania sabe que uma coisa eram os discursos inflamados no plenário, outra os entendimentos fora dos holofotes e dos olhos dos repórteres.
Outra grande lição é que não pode haver República democrática sem oposição. Não temos oposição. Primeiro porque não há partidos políticos, mas, sim, grupos de interesses, que se articulam entre si, como se articulam com os “poderes de fato” exercidos pelos homens de negócios, na defesa da “estabilidade”, ou seja, da permanência da injustiça. Não há partidos políticos, salvo os pequenos, que dão testemunho ideológico no Congresso, porque não há ideias em que os grandes se sustentem. Identificam-se, vagamente, como conservadores e liberais, e dizem oscilar em torno do centro. A oposição é de faz de conta. Faltam ao Parlamento de hoje homens de ideias e de ação, como foram, em seu tempo, os oposicionistas Prado Kelly e Affonso Arinos, e os defensores do governo de Vargas, Juscelino e Jango – como Vieira de Mello, Tancredo Neves, Gustavo Capanema, Paulo Pinheiro Chagas, Almino Afonso, entre outros.
Ao presidir, com habilidade, a transição para o estado de direito, que caberia a Tancredo, o senador José Sarney prestou serviços valiosos ao povo brasileiro. Não foram fáceis aqueles anos, de 1985 a 1990, com o acúmulo de problemas, como o da inflação e o do desmonte do entulho autoritário. Embora o passado não absolva o presente, muitos dos que o acusam hoje, e são beneficiários dos desvios administrativos, nada ofereceram ao país, senão sua ambição.
Os cidadãos esperam que todos os fatos se esclareçam, e que os responsáveis pelos desmandos, ativos e passivos, paguem pelos seus erros.
Quaisquer que tenham sido os erros do senador Sarney na presidência do Senado, eles não são exclusivos do político do Maranhão. A cultura da tolerância permitiu que a representação parlamentar se degradasse a esse ponto. A longa experiência política do ex-presidente da República o devia advertir que, com os inimigos e adversários que reuniu durante décadas, devia precaver-se. Mas, pelo que vemos, quaisquer tenham sido os seus erros, ele se encontra em condições de devolver, aos honourable and wise men, todas as pedras que lhe são atiradas. Falta autoridade a Arthur Virgílio para pedir o afastamento do presidente do Senado, depois de ter confessado alguns de seus próprios pecados. Ele parece ter sido aconselhado pela astúcia jesuítica da restrição mental, quando se esqueceu, no auge de sua investida, que se valera de Agaciel Maia, a fim de socorrê-lo em Paris. Fora o senador imprevidente, ao viajar para a França sem os recursos necessários, ou perdera o controle dos gastos, o que dá no mesmo. E se esqueceu de que, na mesma Paris, estava a prova de outro descuido: o de ter, ali, recebendo vencimentos no Senado, um servidor público lotado no seu gabinete em Brasília.
Entre as muitas lições do episódio, duas se destacam. Ambas são importantes para a correção ética da vida política nacional. A primeira é que, em consequência de uma disputa menor, desencadeou-se o processo que levou à ruptura da omertà corporativa. Os debates podiam ser acesos, e eram, mas não se tocava nas coisas domésticas. Afinal, de minimis non curat praetor: dos atos secretos e dos acertos financeiros, coisa menor, cuidava o diretor-geral e seus auxiliares. Agora a cidadania sabe que uma coisa eram os discursos inflamados no plenário, outra os entendimentos fora dos holofotes e dos olhos dos repórteres.
Outra grande lição é que não pode haver República democrática sem oposição. Não temos oposição. Primeiro porque não há partidos políticos, mas, sim, grupos de interesses, que se articulam entre si, como se articulam com os “poderes de fato” exercidos pelos homens de negócios, na defesa da “estabilidade”, ou seja, da permanência da injustiça. Não há partidos políticos, salvo os pequenos, que dão testemunho ideológico no Congresso, porque não há ideias em que os grandes se sustentem. Identificam-se, vagamente, como conservadores e liberais, e dizem oscilar em torno do centro. A oposição é de faz de conta. Faltam ao Parlamento de hoje homens de ideias e de ação, como foram, em seu tempo, os oposicionistas Prado Kelly e Affonso Arinos, e os defensores do governo de Vargas, Juscelino e Jango – como Vieira de Mello, Tancredo Neves, Gustavo Capanema, Paulo Pinheiro Chagas, Almino Afonso, entre outros.
Ao presidir, com habilidade, a transição para o estado de direito, que caberia a Tancredo, o senador José Sarney prestou serviços valiosos ao povo brasileiro. Não foram fáceis aqueles anos, de 1985 a 1990, com o acúmulo de problemas, como o da inflação e o do desmonte do entulho autoritário. Embora o passado não absolva o presente, muitos dos que o acusam hoje, e são beneficiários dos desvios administrativos, nada ofereceram ao país, senão sua ambição.
Os cidadãos esperam que todos os fatos se esclareçam, e que os responsáveis pelos desmandos, ativos e passivos, paguem pelos seus erros.
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