José Carlos de Assis (Jornal do Brasil)
No auge do machismo dos anos 50, o humorista italiano Pitigrilli dizia de louras pouco inteligentes que eram incapazes de dizer três coisas bonitinhas sem acrescentar logo uma bobagem. O relatório recente da OCDE sobre o Brasil não consegue evitar a conclusão de que o país tem enfrentado a crise com relativa competência, mas não resiste em acrescentar que, para o futuro, precisa cortar gastos públicos a fim de não comprometer o crescimento a longo prazo.
Nenhuma política pública específica em nenhum país acerta 100%. A política fiscal do governo Lula para enfrentar os efeitos da crise acertou em 90%. A política monetária ficou a meio caminho, talvez 50%: não reduziu suficientemente os juros. Mas sabemos que ela nunca funciona mesmo com crise de demanda, em especial quando combinada com crises financeiras.
A sorte do Brasil foi o rápido recurso do governo a políticas fiscais anticíclicas, e o fato de que a parte federal do sistema bancário público escapou da fúria privatizante do governo FHC. Entre janeiro e maio, os empréstimos bancários públicos cresceram 7,5%; os do sistema privado, mísero 1,5%. A lição é clara, e vem de China e Índia, únicos países do mundo que mantêm altas taxas de crescimento mesmo com a crise: a totalidade dos bancos comerciais chineses e 96% dos indianos são estatais. Os governos mandam e eles emprestam. Aqui, no caso do BB, a recusa custou a demissão do presidente. E não adianta satanizar os banqueiros privados: é da sua natureza, em momentos de crise, tornar o crédito seletivo e caro por previsível medo do risco.
Se a política monetária não funciona mesmo com redução da taxa de juros e maior disponibilidade de recursos para empréstimos - ambas adotadas no Brasil no início da crise - é preciso acionar a política fiscal. É a ampliação dos gastos públicos que ativa a demanda, a demanda sustenta o investimento e o emprego.
No pico da crise, FMI, Banco Mundial, OCDE, BID pararam assustadas diante do desastre. Houve um envergonhado silêncio mundial em torno de conceitos como auto-regulação, estado mínimo, privatização dos sistemas de bem estar etc. Entretanto, na medida em que se acredita, sem razão, que o pior da crise passou, as forças neoliberais se reagrupam.
Estamos navegando relativamente bem na contra-corrente da crise porque houve uma competente coordenação da política fiscal e financeira. A desoneração temporária do IPI funcionou. Se não recompôs empregos, pelo menos deu uma parada nas demissões. A desoneração tributária teve algum efeito na recomposição de rendas nas classes médias. O BNDES atuou vigorosamente em várias frentes. Mas o mais espetacular avanço do governo Lula, em plena crise, foi nos programas sociais: Bolsa Família, salário mínimo, Pronaf, Luz para Todos. São comprometimentos orçamentários permanentes, não só para enfrentar a crise. Seu foco é minimizar a crise social, e isso basta.
É claro que o déficit público e a dívida pública vão aumentar. Numa crise de demanda, isso não é apenas aceitável como necessário. Seguir o conselho da OCDE e cortar os gastos públicos antes de entrarmos em crescimento sustentável no rumo do pleno emprego é uma temeridade social e um suicídio econômico. Felizmente, com sua forte intuição, o presidente sabe disso. Mas ainda falta uma coisa: uma política pública eficaz de emprego garantido.
José Carlos de Assis é economista, professor e presidente do Instituto Desemprego Zero.
Fonte:AEPET.
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