Frédéric Bobin, enviado pelo jornal francês Le Monde a Cabul, diz que a eleição presidencial desta quinta-feira (20) foi "manchada por múltiplas fraudes, segundo a oposição e a maior parte dos observadores". Fahim Dasthy, chefe de redação do semanário oposicionista Kabul Weekly, prevê que "as pessoas sairão às ruas no caso de uma reeleição de Hamid Karzai. Ninguém poderá controlá-las."
O enviado do Le Monde paga seu tributo ao pensamento único midiático ocidental já na primeira frase: "Um cenário à moda iraniana?" – pergunta, evocando a controvérsia sobre a eleição para presidente do Irã em 12 de junho último. Não passa recibo de que o cenário do Afeganistão é o contrário do Irã: o país está ocupado há oito anos por uma coalizão militar liderada pelos Estados Unidos, que apoiou abertamente Karzai, um ex-funcionário de multinacional que já teve cidadania estadounidense.
Essa tomada de posição preliminar sublinha as denúncias sobre "fraudes massivas", "evocadas por fontes que coincidem". Segundo Bobin, os americanos agora "tentam desarmar a crise que está sendo chocada".
Em certas províncias abstenção foi de 90%
O repórter do Le Monde relata que Richard Holbrooke, enviado especial de Washington para o Afeganistão e o Paquistão ("Afpak"), está em Cabul com esse objetivo. "Um descarrilhamento do processo eleitoral teria um efeito desastroso para a nova estratégia que a administração do presidente Barack Obama se esforça para aplicar no Afeganistão, num momento em que a situação militar se degrada diante de uma insurreição cada vez mais agressiva", escreve.
"A comissão derecursos eleitorais confirmou ter recebido, até domingo (23), 225 denúncias, algumas delas podendo afetar o resultado final. A principal acusação é de 'adulteração das urnas', nos colégios eleitorais do leste e sul do Afeganistão, zonas patchuns, desestabilizadas pela rebelião dos Talibãs, porém onde Karzai – ele próprio um patchun – concentraria historicamente o grosso do seu apoio."
"Segundo as observações recolhidas por diplomatas europeus, a participação real em 20 de agosto foi muito fraca nesse 'cinturão patchun'. A título de exemplo, ela foi da ordem de 10% nas províncias de Nimroz e de Kandahar, e entre 10 % e 20 % naquela de Helmand."
Tinta no dedo sai com detergente
O jornalista aponta porém que "os primeiros números oficiais sobre participação, que começam a vazar, estão em completo descompasso com as constatações físicas feitas por observadores independentes". Ele diz que em um colégio da província de Laghman, no leste, o comparecimento eleitoral anunciado foi de 74%, o que "parece no mínimo fantasioso". E relata que em outro colégio da mesma província o número de votos foi maior que o de eleitores inscritos.
Outro dado citado pelo Le Monde: segundo as estatísticas oficiais, o país tem 12 milhões de pessoas maiores de 18 anos, mas o registro eleitoral soma 17 milhões de eleitores. "Essa diferença, de 5 milhões de pessoas, são os registros múltiplos", diz um diplomata ouvido pelo jornal.
Bobin relatou que os eleitores tiveram de passar tinta no dedo indicador, ao comparecer à urna, para impedir que votassem mais de uma vez. "Ora, a experiência provou que os detergentes disponíveis no mercado podiam apagar a marca negra, abrindo caminho portanto para todas as manipulações", observou.
Fonte: Le Monde
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