Jim Mitchell e Bruce Jessen eram militares da reserva e psicólogos atrás de oportunidades de negócio. Eles encontraram um ótimo cliente na CIA. Assim, em 2002, se tornaram os arquitetos do principal programa de interrogatório da história do contraterrorismo americano.
A reportagem é de Scott Shane e publicada pelo jornal The New York Times e reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, 26-08-2009.
Mitchell e Jessen nunca haviam conduzido um interrogatório de verdade, somente sessões simuladas no treinamento militar que supervisionavam. Também não possuíam nenhuma formação acadêmica relevante.
Suas dissertações de doutorado versavam sobre hipertensão arterial e terapia familiar. Não tinham tampouco nenhuma habilidade com línguas e nenhuma especialização na Al-Qaeda.
Tinham, contudo, credenciais em psicologia e um conhecimento íntimo de um regime de tratamento brutal usado décadas antes por comunistas chineses. Para um governo ansioso para endurecer com os que haviam matado 3 mil americanos, isto bastou.
Assim, "Doc Mitchell" e "Doc Jessen", como eles eram conhecidos na Força Aérea dos EUA, ajudaram a conduzir o país por um debate doloroso sobre tortura que, sete anos depois, ainda não chegou ao fim.
Na última segunda-feira, o secretário de Justiça, Eric Holder, decidiu abrir uma investigação criminal sobre tortura, em que o papel dos dois, provavelmente, ficará sob intenso escrutínio.
Hoje, os escritórios da Mitchell Jessen and Associates, a lucrativa empresa que eles operavam de um bonito edifício centenário no centro de Spokane, Estado de Washington, estão vazios e seus contratos com a CIA foram bruscamente encerrados no primeiro semestre deste ano. Com um possível inquérito criminal à espreita, Mitchell e Jessen contrataram um conhecido advogado de defesa, Henry F. Schuelke III.
INÍCIO PROMISSOR
Em dezembro de 2001, as teorias de Mitchell estavam atraindo a atenção do alto escalão de Washington. Funcionários da CIA pediram que ele avaliasse um manual da Al-Qaeda, capturado na Grã-Bretanha, sobre como os terroristas poderiam resistir aos interrogatórios.
Mitchell e Jessen foram contratados e escreveram a primeira proposta de adaptar as técnicas brutais do inimigo - tapas, privação do sono, arremessos contra a parede e simulação de afogamento - em um programa de interrogatório dos EUA. Em março de 2002, quando a CIA capturou Abu Zubaydah, número 3 da Al-Qaeda, o plano de interrogatório Mitchell-Jessen estava pronto.
Em uma prisão secreta da CIA na Tailândia, dois agentes do FBI usaram métodos convencionas de construção de confiança para extrair informações vitais de Zubaydah. Em seguida, chegou a equipe de Mitchell. Com o apoio do quartel-general da CIA, ele ordenou que Zubaydah se despisse e o expôs ao frio e à música em alto volume para impedi-lo de dormir.
Com o passar das semanas, Mitchell começou a dirigir o interrogatório e, ocasionalmente, falava diretamente com Zubaydah. Em julho de 2002, Jessen se reuniu ao sócio na Tailândia. Em agosto, os psicólogos aumentaram a pressão.
Por duas semanas, Zubaydah foi confinado em uma caixa, atirado contra a parede e submetido 83 vezes à simulação de afogamento. O tratamento brutal só parou depois que Mitchell e Jessen decidiram que Zubaydah não tinha mais nenhuma informação a dar.
O caso Zubaydah deu motivos para questionar o plano Mitchell-Jessen: o prisioneiro havia fornecido suas informações mais valiosas sem coerção. Mas a CIA não fez mudanças e os métodos seriam usados com outros 27 prisioneiros, incluindo Khalid Sheik Mohamed, que foi submetido 183 vezes à simulação de afogamento.
Os planos empresariais de Mitchell e Jessen progrediram. Eles recebiam entre US$ 1 mil e US$ 2 mil por dia cada e tinham uma mesa permanente no Centro de Contraterrorismo e, agora, podiam colocar no currículo suas experiências em interrogatórios de membros do alto escalão da Al-Qaeda.
Até que a bonança acabou. O governo rompeu os contratos com Mitchell e Jessen. Em poucos dias, o escritório ficou vazio, os telefones foram cortados e ninguém em Spokane sabe para onde eles foram.
Fonte:IHU
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