O sonho delle é retornar ao Planalto e já começou a pavimentar o caminho.
Carlos Dória
Vinte anos depois de sua eleição à Presidência da República, o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) prepara-se para tentar retomar o cargo de onde saiu para disputar o Palácio do Planalto: o governo de Alagoas. Aos 60 anos, voltou à velha forma agressiva que marcou sua ascensão à política. Controla a TV, rádio e jornal das Organizações Arnon de Mello que o projetaram no Estado, selou uma reaproximação com um antigo aliado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), e explora, com eficiência, perante os alagoanos, a aura de injustiçado pelo impeachment.
A reportagem é de Caio Junqueira e publicada pelo jornal Valor, 31-08-2009.
Além de velhos companheiros de 1989, agregou novos entusiastas, muitos dos quais na mira da Polícia Federal. Entre os principais articuladores, está o deputado estadual Cícero Ferro (PMN), preso pela Operação Taturana, que apurou desvios de mais de R$ 280 milhões de recursos públicos. Ferro é ardoroso defensor da candidatura: "Collor é carismático, tem serviços prestados ao Estado e junta todas as lideranças".
O deputado federal Augusto Farias (AL), irmão de Paulo César Farias, é outro importante articulador de Collor. Com reduto eleitoral no litoral norte alagoano, a família Farias permanece envolvida em acusações de corrupção. A mais recente foi nas eleições de 2008, quando a PF prendeu seu irmão, Rogério Farias, candidato à reeleição em Porto de Pedras; sua cunhada, então prefeita de Barra de Santo Antônio, Rume Farias; e a filha deles, Camila Farias, candidata em São Miguel dos Milagres. Todos são do PTB.
Ainda integra o grupo do senador no Estado mais dois deputados presos na Taturana: Antonio Albuquerque, ex-presidente da Assembleia Legislativa, então no DEM, hoje sem partido; e o deputado estadual João Beltrão (PMN). Junto com Ferro, os dois são acusados pela PF de crimes de pistolagem. Afastados do cargo, puderam retornar, junto com outros indiciados, por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Nenhum desses "colloridos", no entanto, faz sombra ao poder de articulação de Renan Calheiros (PMDB-AL). O dueto de Renan e Collor no Senado, repete-se no Estado. Renan afastou-se do governador Teotonio Vilela Filho (PSDB), candidato à reeleição em 2010 e contra quem Collor pretende concorrer. O afastamento foi selado pela Operação Navalha da PF, em 2007, que prendeu Adeilson Bezerra, secretário de Infraestrutura de Alagoas, apontado como responsável pela ordem de pagamento à construtora Gautama em troca de propina. Ele havia sido indicação de Renan.
Constrangido, Vilela o demitiu e não devolveu o posto a Renan. Depois disso, o MST invadiu a principal fazenda dos Calheiros, em Murici, e o governador não se esforçou para retirá-los de lá. Some-se a isso o afastamento da dona do cartório da cidade suspeita de favorecer os Calheiros em processos de grilagem de terras e a fiscalização do frigorífico Mafrial, acusado de passar notas frias da compra de bois para abate a Renan.
No início deste ano, Renan retirou a última Pasta que tinha no governo, a da Saúde e, pouco depois, indicou Collor para presidir a poderosa Comissão de Infraestrutura do Senado. O movimento teve por objetivo sinalizar que, em 2010, estarão juntos. Segundo seus aliados, Renan avalia que, com Collor, sua reeleição ao Senado corre menos risco, tendo em vista que seu prestígio no eleitorado alagoano caiu muito devido às denúncias feitas pela ex-namorada de seu envolvimento com a Andrade Gutierrez, que culminaram com a renúncia à presidência do Senado em dezembro de 2007.
Renan é presença pública rara em Alagoas. Ausentou-se do evento que deu publicidade à aliança entre Collor e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Palmeira dos Índios, em 14 de julho. Além disso, há concorrentes fortes às duas vagas do Senado, como Heloísa Helena (P-SOL), e o ex-governador Ronaldo Lessa (PDT), favoritos nas pesquisas. Renan vem em terceiro.
Collor, por sua vez, tem interesse em auxiliá-lo como retribuição à indicação à comissão do Senado e porque Renan é melhor articulador político. Embora em baixa no eleitorado, goza de muito prestígio entre os 102 prefeitos alagoanos, que veem nele canal direto e eficiente com Lula e os ministérios. Apenas do PAC, até 2010, em transporte, energia, irrigação, saneamento e habitação, serão cerca de R$ 3,5 bilhões em investimentos - 17 vezes o que o governo estadual pretende investir em 2009.
O trabalho é para que essa chapa Collor/governador e Renan/senador aglutine, além de PTB e PMDB, o PDT do ex-governador Ronaldo Lessa, PR, PCdoB, PV, PT, PMN, DEM, PTdoB, PRB, PSC e o PP, o que somaria mais de 80% dos municípios do Estado.
Considerado imprevisível em seu Estado, Collor, por ora, nega qualquer tentativa de retorno ao Executivo - federal ou estadual. Ríspido e monossilábico, não quis fazer prognósticos em conversa com o Valor, em seu gabinete em Brasília. Instado a avaliar cenários políticos de 2010, abusou de respostas como "não acho nada" e "não sei". Solicitado a aprofundar alguma declaração, afirmou que já tinha respondido à questão. Alegou não ter pesquisas para traçar um perfil de seu eleitorado em Alagoas. Em relação ao fato de o Estado ser um dos recordistas em fraudes e assassinatos eleitorais, disse não ser "muito afeito" a esta agenda.
A cautela sobre o que fará em 2010 pode ser atribuída à existência de um obstáculo a ser contornado para que seu plano dê certo: Cícero Almeida (PP), prefeito de Maceió, reeleito em 2008 com 81,5% dos votos válidos. Nas pesquisas, é ele quem lidera a disputa com cerca de 30%, contra 25% de Collor e 4% de Vilela.
Dono de uma uma carreira política meteórica - foi vereador, deputado e prefeito em menos de dez anos - lembra Collor no apelo à religiosidade e Lula na habilidade para composições. No primeiro mandato, governou com partidos conservadores e investiu na infraestrutura tanto de áreas ricas quanto pobres. Foi criticado pela pouca ênfase na área social e no segundo mandato deu ao PT a secretaria da Educação e Assistência Social; ao PCdoB, a Fundação Municipal de Ação Cultural; e ao PDT, Governo e Economia Solidária.
Em seu gabinete, repleto de imagens de santos e de quadros em que aparece sorridente, Cícero, que costuma usar a terceira pessoa para falar sobre si, promete decidir se sai ou não candidato até dezembro. "Preciso ter os pés no chão, um grupo consolidado. Não sendo Collor o candidato, a gente tem a eleição ganha. Se a situação ficar dividida, tenho que pensar duas vezes", afirma, propenso a ser o palanque da provável candidata do PT a presidente, Dilma Rousseff. "As pessoas gostam de olhar no olho e sentir confiança. E a ministra olhou nos olhos do prefeito Cícero Almeida e sentiu isso." Resume algumas das razões de sua popularidade: "Tenho anos de trabalho como repórter policial no rádio, um programa de forró, sete CDs gravados, 40 composições. Todo mundo tem Cícero Almeida em casa."
O possível racha do bloco idealizado por Renan e Collor também se baseia na força do PP, sigla que mais cresce no Estado, muito em razão dos recursos do Ministério das Cidades, comandado pelo ministro Márcio Fortes, da mesma legenda. Desde 2004, o partido passou de cinco prefeituras em Alagoas para 22, à frente do PMDB de Renan (19), do PTB de Collor (19) e do PSDB de Vilela (13).
Com 43 anos de vida pública, o presidente estadual da sigla, deputado federal Benedito de Lyra, ex-Arena, PDS, PFL e PTB, é uma espécie de mentor político do prefeito de Maceió. De antemão, avisa quais poderiam ser os termos de uma eventual coligação com Collor: "Sempre ajudei a eleger, nunca a governar. O que disse a ele foi que o projeto de 2010 não pode ser pessoal, mas de Alagoas". Tem certeza de que os dois senadores estarão juntos em 2010: "Renan é o principal articulador dele. Para onde um for, o outro vai."
O receio maior do PP é partir para uma concorrida disputa contra Collor ao governo e correr o risco de deixar a Prefeitura de Maceió, depois de um ano e três meses de mandato, nas mãos da vice Lourdinha Lyra (PRB), irmã de Thereza Collor e filha do usineiro João Lyra. Cícero e Lourdinha não confiam um no outro, apesar de o prefeito garantir que os desentendimentos fazem parte do passado. Outro problema é que Cícero foi indiciado pela PF na Operação Taturana, sob a acusação de ter contraído um empréstimo irregular quando era deputado, usando como garantia a verba de gabinete da Assembleia e o aval do Legislativo alagoano. Na semana retrasada, foi denunciado pelo coordenador do Movimento Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral em Alagoas por enriquecimento ilícito e movimentação financeira fraudulenta. Para Cícero, tudo não passa de campanha difamatória, tendo em vista que lidera as pesquisas para o governo.
O provável principal adversário de Collor, governador Teotonio Vilela, tem assumido um discurso de composição com os cotados para enfrentá-lo. Por ora, é de que tanto Collor quanto Renan são bem vindos ao seu lado em 2010. "Nas duas únicas eleições em que não concorremos eu e Renan do mesmo lado, perdemos. Em 1990 não o apoiei ao governo, e em 1992 ele não me apoiou para prefeito. Pode ser coincidência, mas é fato", disse.
Palanque tucano em 2010, Vilela é só elogios a Lula. "O presidente tem tido uma postura mais que republicana, solidária, amiga, conosco. Nunca me pediu nada em troca", afirmou, às vésperas da terceira visita de Serra em menos de dois anos.
Atribui seu baixo índice nas pesquisas ao fato de suas ações ainda não terem aparecido à população. "É um trabalho de reconstrução de um Estado. Melhoramos a máquina administrativa, enxugamos o Estado". Vilela afirma que avanços sociais serão notados em 2010. Cita como feitos saltos na habitação popular, no saneamento e na redução da mortalidade infantil.
Nos primeiros dois anos da gestão fez um ajuste fiscal para que o Estado recuperasse sua capacidade de endividamento, o que ocorreu apenas este ano. Foram tomados cerca de R$ 380 milhões junto ao Banco Mundial. Como contrapartida, o governo se comprometeu em consolidar o ajuste fiscal. Ocorre que esse ajuste afetou sua popularidade. Logo que assumiu, Vilela baixou decretos cancelando aumentos do funcionalismo público, concedidos no fim da gestão de seu antecessor, Ronaldo Lessa (PDT). Além de ser o estopim para o rompimento de Lessa com o governo que ajudara a eleger, o episódio serviu também para reavivar o movimento sindical no Estado, que estava fechado com Lessa. A partir daí, as greves não cessaram.
Os críticos apontam um governo solitário, centralizado na figura do governador, do seu secretário-chefe do Gabinete Civil, Alvaro Machado, e do seu secretário de Planejamento, Sérgio Moreira, que blindam Vilela do acesso aos aliados - hoje restritos ao PSB e ao PPS. Um retrato disso é que uma antiga aliada, a ex-prefeita de Arapiraca Célia Rocha, militante histórica do PSDB alagoano, rompeu com Vilela e foi levada por Collor ao PTB. Com alta popularidade em sua cidade, a segunda maior do Estado, deve conduzir o Agreste -um terço do eleitorado de Alagoas- a uma maciça votação em Collor. "Cara-pintada só apareceu com Collor, mas corrupção houve com todos os presidentes. E ele ainda foi inocentado depois", afirma ela, pré-candidata a deputada federal, que completa: "Collor e Renan juntos são muitos fortes".
Fonte:IHU
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