Longe do governo há dois anos, quando deixou a Diretoria de Gás e Petróleo da Petrobras por divergências com a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), o professor Ildo Sauer não diminuiu o tom de suas críticas. Ele diz que, antes da apresentação de um marco institucional para o pré-sal, o governo deveria ter encomendado à própria Petrobras um mapeamento prévio da área e de suas possibilidades de produção. Segundo ele, esse “açodamento” está ligado às eleições presidenciais do próximo ano.
— Corremos o risco de converter o pré-sal numa cavalariça de partilha de interesses — afirmou Sauer, que, até o fim do ano, vai lançar um livro sobre sua passagem pela Petrobras.
— Vai tratar das metamorfoses do governo.
A entrevista é de Aguinaldo Novo e publicada pelo jornal O Globo, 30-08-2009.
Eis a entrevista.
O senhor aprova a forma como o governo tem conduzido as discussões sobre o pré-sal?
O governo colocou a carroça na frente dos bois. Antes de apresentar um modelo para o pré-sal, deveria ter contratado a Petrobras, que é a responsável pela descoberta, para fazer um mapeamento prévio da área e de suas possibilidades de produção. Não sei se os campos se comunicam, e provavelmente se comunicam. Não sei se são 30 bilhões, 90 bilhões ou 350 bilhões de barris de reserva, o que é essencial para determinar o ritmo ideal de exploração. Sem isso, não é possível ter um plano sério e racional para aproveitar esse novo fluxo de riqueza e criar um plano nacional de desenvolvimento econômico e social.
E por que o governo teria escolhido esse caminho?
O açodamento na definição dos modelos de partilha pode estar mais ligado ao calendário eleitoral do que ao aproveitamento dos recursos em benefício do país. Corremos o risco de converter o présal numa cavalariça de partilha de interesses.
‘O modelo atual de concessão está caduco’
O senhor pode ser mais específico sobre essa influência das eleições?
Durante a campanha de 2002, houve um longo debate sobre a necessidade política de suspender novas licitações de poços. Todas as grandes reservas de petróleo no mundo estão hoje nas mãos dos Estados nacionais e de suas empresas estatais. Lamentavelmente, o governo Lula manteve as concessões iniciadas na gestão Fernando Henrique. E fez isso mesmo depois de saber do sucesso de exploração do campo de Tupi, em julho de 2006. O presidente da República foi informado pela Petrobras desde a primeira confirmação de óleo no pré-sal. Mas é importante que a sociedade saiba que a Casa Civil (comandada pela ministra Dilma Rousseff), com a ANP, lutou barbaramente para manter todas as licitações, inclusive de Tupi, num alinhamento aos interesses internacionais. Agora, está acontecendo um arrependimento tardio, uma tentativa de buscar os louros do pré-sal. Essas pessoas têm de assumir suas responsabilidades. Primeiro, de não terem implementado as promessas de campanha. E, segundo, por terem mantido as licitações mesmo depois de saber do sucesso dos testes.
O setor privado reclama que não foi consultado sobre o novo modelo. Concorda?
SAUER: Ninguém foi consultado. Não é o governo sozinho, encapsulado nos palácios e sem qualquer participação popular, que pode decidir essa questão. E pior: dizer que o modelo apresentado tem de ser aprovado logo. A descoberta é fruto do povo na rua nas décadas de 40 e 50, quando se anunciou que o petróleo era nosso. Hoje, digo que o pré-sal é nosso.
Por que o modelo atual de concessão não poderia ser mantido?
O modelo atual de concessão de áreas de exploração de petróleo na região do pré-sal está caduco. As concessões se baseavam na existência de risco exploratório. As empresas recebiam um prêmio para correr esse risco. Mas o risco não existe mais. Os contratos de concessão atuais para a área do pré-sal são como a venda de bilhetes que se sabe antecipadamente premiados.
O governador Sérgio Cabral tem razão em pedir percentual maior na distribuição de “royalties”?
É legítimo que os governadores se empenhem para preservar seu acesso aos recursos. Dito isso, é preciso afirmar também que não é lógico pensar que só Rio, Espírito Santo e São Paulo possam ser os únicos beneficiários de um recurso que pertence a toda a nação.
O senhor deve lançar até o fim do ano um livro. Do que vai tratar?
Vai falar da metamorfose, do que era proposta de governo em 2002 e os caminhos efetivamente trilhados. Uma delas era a promessa de mudar o sistema de concessões e depois a sua manutenção. Foi uma metamorfose com “M” maiúsculo.
Fonte:IHU
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