No dia 1º de setembro de 1939, a loucura se fez guerra: a Alemanha invadiu a Polônia e desencadeou a Segunda Guerra Mundial.
A análise é de Julián Casanova, professor de Historia Contemporânea na Universidade de Zaragoza, na Espanha. O artigo foi publicado no jornal El País, 30-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na manhã do dia 1º de setembro de 1939, o exército alemão invadiu a Polônia e, no dia 03 de setembro, Grã-Bretanha e França declaravam guerra à Alemanha. Vinte anos depois da assinatura dos tratados de paz que deram por concluída a Primera Guerra Mundial, começou outra guerra destinada a resolver todas as tensões que o comunismo, os fascismos e as democracias haviam gerado nos anos anteriores. O estourar da guerra em 1939 pôs fim ao que o historiador Edward H. Carr chamou de "a crise dos 20 anos" e tornou realidade os piores presságios. Em 1941, a guerra europeia se tornou mundial. O catálogo de destruição humana que resultou desse longo conflito de seis anos nunca havia sido visto na história.
Mesmo que algumas explicações sobre suas causas se centram exclusivamente em Hitler e na Alemanha nazista, no período que transcorreu entre 1933 e 1939, para obter uma fotografia completa deve-se rastrear nos transtornos produzidos pela Primera Guerra Mundial. No final dessa contenda, o mapa político da Europa sofreu uma profunda transformação, com a derrubada de alguns dos grandes impérios e o surgimento de novos países. Dessa guerra, saíram também o comunismo e o fascismo.
Ao tempo que se passou entre o final dessa primeira guerra e o começo da segunda chamamos de período entre-guerras, como se a paz houvesse sido a norma, mas na realidade nessa "crise de 20 anos" houve algumas pequenas guerras entre Estados europeus, revoluções e contrarrevoluções muito violentas e várias guerras civis.
A queda dos velhos impérios continentais foi seguida pela criação de seis novos Estados na Europa, baseados supostamente nos princípios da nacionalidade, mas com o problema herdado e irresolvido de minorias nacionais dentro e fora de suas fronteiras. Todos eles, salvo a Tchecoslováquia, enfrentaram grandes dificuldades para encontrar uma alternativa estável à derrubada dessa ordem social representada pelas monarquias. Além disso, essa construção de novos Estados chegou em um momento de ameaça revolucionária e distúrbios sociais.
A tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia em outubro de 1918 teve importantes repercussões na Europa. EM 1918, houve revoluções abortadas na Áustria e na Alemanha, que foram seguidas por várias tentativas de insurreições operárias. Um antigo social-democrata, Béla Kun, estabeleceu durante seis meses de 1919 uma república soviética na Hungria, derrubada pelos proprietários de terra e pelo exército romeno. A Itália, nesses dois primeiros anos de pós-guerra, presenciou numerosas ocupações de terras e de fábricas. Essa onda de revoltas acabou em todos os casos em derrota, aplastadas pelas forças da ordem, mas assustou a burguesia a contribuiu para gerar um poderoso sentimento contrarrevolucionário que mobilizou as classes conservadoras em defesa da propriedade, da ordem e da religião.
O movimento contrarrevolucionário, antiliberal e antissocialista se manifestou muito rapidamente na Itália, durante a profunda crise pós-bélica que sacudiu esse país entre 1919 e 1922, se consolidou por meio de ditaduras direitistas e militares em vários países europeus e culminou com a subida de Hitler ao poder na Alemanha em 1933. Os dados que mostram o retrocesso democrático e o caminho à ditadura são conclusivos. Em 1920, todos os Estados europeus, exceto dois, a Rússia bolchevique e a Hungria do ditador direitista Horthy, podiam ser definidos como democracias ou sistemas parlamentares restringidos. No começo de 1939, mais da metade, incluindo a Espanha, haviam sucumbido frente a ditaduras.
Durante muito tempo, principalmente nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial, analistas e historiadores jogaram a culpa de todos esses males e do estourar da guerra à fragilidade da paz selada em Versalhes e aos dirigentes das democracias que tentaram "apaziguar" Hitler, em vez de parar seu insaciável apetite. O problema começava na Alemanha, onde amplos e importantes setores da população não aceitaram a derrota nem o tratado de paz que a sancionou, e continuava em outros países como a Polônia ou a Tchecoslováquia, que abrigaram milhões de falantes de alemão que, com a desintegração do Império Habsburgo, haviam perdido poder político e econômico. Como os grupos ultranacionalistas os lembravam, eram agora minorias em novos Estados dominados por grupos ou raças inferiores.
A França foi a única potência vitoriosa que tentou conter a Alemanha no marco da paz de Versalhes. Os EUA rejeitaram esses acordos e qualquer tipo de compromisso político com as lutas pelo poder na Europa. A Itália, principalmente depois da chegada de Mussolini ao poder, queria mudar também esses acordos que não haviam lhe outorgado colônias na África e marcava sua própria agenda de expansão no Mediterrâneo. Enquanto à Grã-Bretanha, sua prioridade não estava no continente, mas sim no fortalecimento de seu império colonial e na recuperação do comércio. A França, portanto, trabalhava para que a Alemanha cumprisse os termos do tratado, e a Grã-Bretanha buscava a conciliação e a revisão daquele que considerava um acordo muito injusto para os países vencidos. Essa diferença deixou Grã-Bretanha e França em constante disputa e Alemanha disposta a tirar partido da divisão.
Apesar de todas as dificuldades, das tensões sociais e das divisões ideológicas, a ordem internacional criada pela paz de Versalhes sobreviveu por uma década sem sérios incidentes. Tudo mudou com a crise econômica de 1929, o surgimento da União Soviética como um militar e industrial sob Stalin e a designação de Hitler como chanceler alemã em janeiro de 1933. A incapacidade da ordem capitalista liberal de evitar o desastre econômico fez crescer o extremismo político, o nacionalismo violento e a hostilidade ao sistema parlamentar.
As políticas de rearmamento empreendidas pelos principais países europeus desde o começo dessa década criaram um clima de incerteza e crise que reduziu a segurança internacional. A União Soviética iniciou um programa massivo de modernização militar e industrial que a colocaria na cabeça do poder militar durante as décadas seguintes. Nas mesmas datas, os nazistas, com Hitler na frente, se comprometeram a derrubar os acordos de Versalhes e devolver seu domínio à Alemanha.
A Itália de Mussolini seguiu o mesmo caminho, e sua economia esteve subordinada cada vez mais à preparação da guerra. França e Grã-Bretanha começaram o rearmamento em 1934 e o aceleraram a partir de 1936. O comércio mundial de armas duplicou de 1932 a 1937. As estatísticas alemãs revelavam que o gasto com armas em 1934 havia disparado e que a porcentagem do orçamento alemão dedicado ao exército passou, nos dois primeiros anos de Hitler, no poder, de 10% a 21%. Segundo Richard Overy, "o sentimento popular antibélico dos anos 20 deu passagem gradualmente ao reconhecimento de que uma grande guerra era novamente muito possível".
Elos importantes nessa escalada a uma nova guerra mundial foram a conquista japonesa de Manchuria em setembro de 1931, a invasão italiana de Abissínia em outubro de 1935 e a intervenção das potências fascistas e da União Soviética na guerra civil espanhola. Em apenas três anos, 1935 a 1938, Hitler subverteu a ordem internacional que, pactada pelos vencedores da Primera Guerra Mundial, havia tentado prevenir que a Alemanha se convertesse novamente em uma ameaça para a paz na Europa. O Tratado de Versalhes impôs notáveis restrições ao poderio militar alemão. Em 1935, a região do Sarre voltou a ser alemã depois de uma maioria da população ter assim decidido em um plebiscito.
Em março de 1936, Hitler ordenou que as tropas alemãs reocupassem a Renânia, um zona desmilitarizada desde 1919, e exatamente dois anos depois o exército nazista entrava em Viena, inaugurando o Anschluss, a união da Áustria e da Alemanha.
A Liga das Nações, a organização internacional criada em Paris em 1919 para vigiar a segurança coletiva, a resolução das disputas e o desarmamento, foi incapaz de prevenir e castigar essas agressões, enquanto que os governantes britânicos e franceses, homens como Neville Chamberlain o Pierre Laval, puseram em marcha a chamada "política de apaziguamento", que consistia em evitar uma nova guerra ao custo de aceitar as demandas revisionistas das ditaduras fascistas. Hitler percebeu essa atitude como um claro sinal de debilidade e, dessa forma, preferiu obter seus objetivos com ações militares antes que se envolver em discussões diplomáticas multilaterais.
Essa debilidade chegou a seu ponto mais alto no dia 29 de setembro de 1938, em Munique, quando Neville Chamberlain e Edouard Daladier aceitaram a entrega dos territórios dos Sudetes à Alemanha. O sacrifício da Tchecoslováquia também não freou as ambições expansionistas nazistas, e Hitler interpretou que Grã-Bretanha e França haviam lhe dado luz verde pra se estender pelo leste.
Quando não havia passado nem um mês do acordo de Munique, Hitler ordenou que suas forças armadas se preparassem para a "liquidação pacífica" do que restava da Tchecoslováquia. A meados de março de 1939, as tropas alemãs entravam em Praga, e Hitler planejou lançar uma guerra de castigo contra a Polônia. Só a União Soviética, com fortes interesses nessa zona, podia se opôr, e, para que isso não ocorresse, Hitler firmou com Stalin, no dia 23 de agosto, um pacto de não agressão entre inimigos ideológicos. Dias depois, a invasão da Polônia convenceu as potências democráticas de que as colisão era preferível à derrubada definitiva da segurança europeia.
A crise da ordem social, da economia, do sistema internacional ia ser resolvido mediante as armas, em uma guerra total, sem barreiras entre soldados e civis, que pôs a ciência e a indústria ao serviço da eliminação do contrário. Um grupo de criminosos que considerava a guerra como uma opção aceitável em política exterior abusou do poder e pôs políticos parlamentares educados no diálogo e na negociação contra o muro.
E a brutal realidade que surgiu de suas decisões foram os assassinatos, a tortura e os campos de concentração. Hitler provocou a guerra, mas ela também foi possível pela incapacidade dos governantes democratas de compreender a violência desatada pelo nacionalismo moderno e pelo conflito ideológico.
Fonte:IHU
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