domingo, 23 de agosto de 2009

ANOS DE CHUMBO - O anistiado pela lei foi o opositor político e não o agente do Estado.

O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, estudava medicina, em 1971, quando foi preso e condenado à prisão por fazer parte dos quadros da Ação Libertadora Nacional, organização de esquerda que propunha a luta armada para a derrubada da ditadura. Solto em 1976, sob liberdade condicional, ele se engajou em movimentos pela redemocratização e, mais tarde, na construção do PT.

A entrevista é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 23-08-2009.

Nesa entrevista, o ministro comenta o contexto político em que a Lei de Anistia foi aprovada e observa que o Brasil, mais cedo ou mais tarde, será questionado internacionalmente por não ter dado ainda respostas às famílias dos mortos e desaparecidos na ditadura, nem punido os responsáveis pelos crimes.

Eis a entrevista.

Como viu a aprovação da Lei da Anistia, em 1979?

Em primeiro lugar é preciso esclarecer que a proposta aprovada pelo Congresso, 30 anos atrás, era de uma anistia limitada. Não era a proposta popular e democrática de anistia ampla, geral e irrestrita, que previa liberdade para todos os presos políticos. A proposta popular foi derrotada, da mesma maneira como foram derrotadas as propostas populares das Diretas Já e da Assembleia Nacional Constituinte exclusiva e soberana.

Por que associa as três coisas?

As três fazem parte do mesmo fenômeno político, que foi a derrota das propostas democráticas pra valer. Acho importante ressaltar isso porque prevalece, especialmente na imprensa, a percepção de que foi uma anistia irrestrita. Não foi. O que o Congresso aprovou foi a proposta do general João Baptista Figueiredo, a proposta da Arena, o partido oficial do governo. Quem defendia a anistia ampla, geral e irrestrita era o MDB.

Afirma-se que a anistia de 1979 era a anistia possível, fruto de um grande acordo, na legalidade vigente.

Não é verdade. O que houve foi uma escolha entre dois projetos. A Arena, partido que tinha maioria no Congresso, venceu o MDB. Quanto à legalidade vigente, digo que era a legalidade de um regime ilegítimo, de exceção. Ora, num regime ilegal, todas as suas leis são ilegais.

Quem ficou de fora da anistia?

Ficaram de fora os chamados terroristas, os que praticaram assaltos, ações armadas. Esses não foram soltos. O último preso político só foi libertado 14 meses depois da Lei da Anistia.

Mesmo limitada, a anistia de 1979 representou um avanço na luta pelas liberdades democráticas?

Sem dúvida. A anistia de 1979 foi o recuo mais palpável da ditadura, ao lado do fim do AI-5. Os exilados puderam voltar e se engajar na política. Entre eles estavam Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Apolônio de Carvalho, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Betinho...

A lei beneficiou o torturador?

Na minha opinião, quem é anistiado pela lei, mesmo com suas limitações, é o opositor político. Não é o agente do Estado. Mas quem vai decidir isso é o Supremo Tribunal Federal.

Mesmo se o STF concluir que responsáveis por crimes de tortura também foram anistiados, o Brasil pode ser obrigado a rever essa questão, sob pressão internacional?

Sim. É possível que o Brasil tenha de reabrir o debate daqui a três ou cinco anos. As definições e conceitos internacionais na área de direitos humanos são dinâmicos e se ampliam a cada ano. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, assim como a Corte Interamericana, já tomaram decisões em relação a anistias no Peru e no Chile, forçando os países a revê-las. É provável, por analogia, que, mais cedo ou mais tarde, haja um pronunciamento formal da comissão ou da corte sobre a apuração dos fatos e a anistia no Brasil.
Fonte:IHU

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