Por Mauro Santayana
Que alguns cidadãos, indignados com os escândalos, reais ou supostos, reclamem a extinção do Senado, quando não de todo o Poder Legislativo, é de se entender. O que surpreende é que essa seja também a opinião de jornalistas conceituados e de alguns homens públicos.
As instituições políticas não existem por acaso. Não há como viver em sociedade sem normas de comportamento, a que chamamos leis. Se essas leis são ditadas por uma só pessoa, ainda que sejam as melhores, não são legítimas; violam a liberdade natural dos povos. Como não é possível outra forma de legitimação que não a da vontade majoritária, criou-se o Parlamento. As tribos germânicas antigas enviavam representantes para um encontro anual, no qual se discutiam os problemas comuns, daí a palavra alemã Bundestag (Dia da Liga, da União), que continua a nomear o Poder Legislativo. Em geral, esses encontros eram sangrentos: os representantes resolviam seu desentendimento com as armas. Até que, um dia, decidiram contar os votos, homem a homem, sabre a sabre. Com o sistema de votação majoritária, eles passaram a dirimir pacificamente os litígios.
O Senado – e pedimos a indulgência dos leitores para a repetição do óbvio – em nosso sistema constitucional, atua, ao mesmo tempo, em defesa dos estados, como Câmara Federativa, e, nessa condição, também como Casa Revisora das decisões dos deputados. Ele é absolutamente necessário nas duas funções que lhe são próprias. O problema não é do Senado: é dos senadores. Sendo dos senadores, é da cidadania, que os escolheu. Mas é, da mesma forma, do sistema constitucional vigente, que – decidido por senadores e deputados, e não por constituintes independentes – acolheu a figura dos suplentes, esses seres teratológicos, e, durante a ditadura, quimeras ainda mais repelentes, como os biônicos. Nos dois casos, retirou-se do povo a sua soberania. Se o Senado deixasse de existir, estaria instituído o sistema unicameral, o Brasil voltaria a ser Estado unitário, como era no Império, o que é absolutamente impossível, porque nenhuma unidade da Federação renunciaria a sua autonomia. Nesse cenário seria natural a secessão e a guerra civil. Enquanto parece inviável ampla reforma do processo político – tarefa de que só uma Assembleia Constituinte originária e independente poderia encarregar-se – seria o caso de aproveitar o clamor público e extinguir os suplentes. Outra medida necessária é a separação nítida dos poderes Executivo e Legislativo, com a proibição de que parlamentares exerçam cargos na administração do Estado. Quem faz as leis não pode executá-las, a não ser nos sistemas parlamentaristas, o que não é o nosso caso.
Não se trata de destruir o Senado, mas, sim, de reforçar os seus pilares, e de escoimá-lo, com os remédios constitucionais. Trata-se de reconstruí-lo. Pelo que estamos assistindo, os cidadãos eleitores não têm sido capazes de escolher cidadãos que os representem e, no caso do Senado, que representem seus estados no conjunto da Federação. Quando um delegado do povo se preocupa mais em agir em favor de seus próprios interesses e de corporações que os financiam, renuncia moralmente ao mandato e, ainda mais, à cidadania.
Dizia Richelieu – e esta é uma das ideias nucleares de seu pensamento político – que as almas podem contar com a salvação eterna, mas os Estados, não. Os Estados dependem da decisão de cada minuto, e dessa decisão se encarregam os homens públicos, no sistema democrático, por delegação do povo. Os Estados, resumiu, podem perder-se na decisão de um só instante.
O senador Eduardo Suplicy pode exagerar, às vezes, na retórica, como fez, ao exibir um cartão vermelho no Plenário, mas está certo quando mostra que a atual crise política prejudica a República. O processo legislativo depende do Senado e está emperrado, com o adiamento de decisões importantes. Os cidadãos esperam que o Poder Legislativo – e, sobretudo, o Senado – discuta os grandes problemas nacionais, como o da Amazônia, do petróleo, do desenvolvimento econômico, científico, tecnológico, do bem-estar do povo. A Amazônia continua a ser invadida pelos estrangeiros, instalam-se bases americanas em nossa vizinhança, as grandes empresas petrolíferas internacionais pressionam a fim de conseguir, no pré-sal, o que não conseguiram há 56 anos, quando da criação da Petrobras, e os senadores trocam, entre eles, vitupérios e doestos.
Fonte:JB online
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