sábado, 22 de agosto de 2009

ECONOMIA - O paradoxo da riqueza.

"O que o Brasil experimenta atualmente é, em certa medida, um fenômeno conhecido na literatura econômica como “doença holandesa” ou “maldição dos recursos naturais"", afirma Paulo Nogueira Batista Jr., economista, em artigo publicado no jornal O Globo, 22-08-2009. Segundo ele, "um traço muito comum entre economias superdotadas de recursos naturais é a tendência a manter taxas de câmbio supervalorizadas, que estimulam as importações e inibem as exportações de quase tudo".

Eis o artigo.

Volto à taxa de câmbio. A insistência não é descabida, leitor. A valorização do real talvez seja hoje o nosso maior problema macroeconômico.

Na realidade, o problema não é de hoje. O fortalecimento da moeda brasileira vem ocorrendo há vários anos. A tendência só foi interrompida, e mesmo assim por pouco tempo, no auge da crise econômica mundial, no final de 2008 e início de 2009. Nos meses recentes, o real subiu rapidamente. E ameaça continuar subindo. A própria expectativa de valorização é uma profecia que se autorrealiza, pois desencadeia movimentos defensivos e especulativos que produzem a valorização esperada.

Diferentemente do que às vezes se afirma, a força do real não é mero reflexo do enfraquecimento do dólar nos mercados internacionais.

O real vem subindo em relação a diversas outras moedas. Relativamente a uma cesta de 13 moedas, a moeda brasileira registrou valorização real de nada menos que 36% entre dezembro de 2003 e junho de 2009.

O cálculo é feito pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), tomando por base índices de preços ao consumidor.

O peso de cada uma das 13 moedas na cesta é determinado pela participação do país (ou países no caso do euro) nas exportações e importações do Brasil.

Nessa cesta, o euro tem peso de 29%; o dólar, 28%; o peso argentino, 11%; o renminbi, 8%; o iene, 5%; o peso mexicano, 4%.

No mesmo período, a valorização do real em relação ao dólar não é muito maior do que a valorização em relação à cesta de 13 moedas.

De dezembro de 2003 a junho de 2009, a taxa bilateral com o dólar subiu quase 40% em termos reais.

A força do real reflete fatores específicos do Brasil e sua inserção internacional. Ela é, em boa medida, um fenômeno “estrutural”, isto é, um sintoma do fortalecimento da economia brasileira e das suas perspectivas.

Nos anos recentes, generalizou-se a percepção de que o Brasil segue políticas econômicas basicamente sólidas. A confiança atrai investimentos estrangeiros diretos e outros capitais.

Além disso, a extraordinária competitividade do nosso setor agroexportador, a ampla base de recursos naturais do país e, em especial, as recentes descobertas de imensas reservas petrolíferas reforçaram a percepção de que o Brasil tem um futuro muito promissor.

Atenção, porém. A força pode converter-se em fraqueza. Estamos começando a sofrer de um embarras de richesse. O que o Brasil experimenta atualmente é, em certa medida, um fenômeno conhecido na literatura econômica como “doença holandesa” ou “maldição dos recursos naturais”.

Como lembrou Moisés Naím em artigo publicado no “Financial Times” e republicado ontem na “Folha de S.Paulo”, o petróleo pode ser uma maldição, assim como reservas abundantes de gás natural, cobre ou diamantes.

Um traço muito comum entre economias superdotadas de recursos naturais é a tendência a manter taxas de câmbio supervalorizadas, que estimulam as importações e inibem as exportações de quase tudo.

A produção nacional perde espaço no mercado interno para as importações de bens e serviços, ao mesmo tempo em que a maior parte das exportações se torna pouco competitiva nos mercados externos. A economia fica excessivamente especializada, passando a apoiar-se fundamentalmente na exportação de recursos naturais. Esse desfecho não é obrigatório, entretanto. Tudo depende de como o país administra as suas riquezas.

Se as políticas fiscais, por exemplo, são prudentes, evitando o esbanjamento dos recursos. Se o país acumula reservas internacionais, cria fundos soberanos e faz investimentos seguros e rentáveis no exterior. Se o governo desenvolve políticas de diversificação da economia. E, por último mas não menos importante, se a política econômica consegue evitar uma valorização grande e persistente da moeda nacional.
Fonte:IHU

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