Hélio Fernandes
O tempo é implacável e invencível. Em 1960, em plena campanha para presidente, Jânio Quadros foi a Cuba. (Num avião fretado, levou 29 jornalistas, este repórter entre eles). Como sempre, José Aparecido comandando tudo.
No avião, apenas dois não-jornalistas. Afonso Arinos, que esperava ser chanceler e foi. Adauto Cardoso, que esperava ser ministro da Justiça, não foi.
Fidel e Che Guevara, no auge da popularidade, andavam na rua com os jornalistas brasileiros, ou conversavam conosco na residência do embaixador do Brasil, Vasco Leitão da Cunha, depois ministro do Exterior, cargo mais tarde surpreendentemente ocupado por diplomatas do segundo time, que quando estavam no Instituto Rio Branco, escutavam: “Esse não chegará a embaixador”. Um deles, Celso Amorim, mas não apenas ele.
Eu já estivera em Cuba duas vezes, no Poder, um personagem corruptíssimo, com o mesmo nome, mas duas patentes diferentes. Era Fulgêncio Batista, que tomou o Poder como SARGENTO, foi derrubado, voltou mais tarde. E deu a si mesmo a patente de MARECHALÍSSIMO.
A enorme popularidade de Fidel e seus companheiros vinha da expectativa de liberdade, e a derrubada daquele LADRÃO público, que proporcionalmente roubou mais do que Berlusconi, embora isso pareça impossível. Batista fugiu imediatamente, no momento exato em que surgia o 1º de janeiro de 1959.
Os tempos iniciais de Fidel e Che foram de glória e reconhecimento mundial. O papa aplaudia os revolucionários, seu relacionamento com os EUA, o mais cordial e democrático possível. (Sem esquecer que começaram fatos estranhos, como o desaparecimento do bravo e destacado Camilo Cienfuegos).
O jornalista Herbert Matthews, principal repórter do New York Times, tinha casa em Havana. (Foi chamado de editor, cargo que jamais ocupou, recusou sempre, queria ser o que foi com enorme destaque: repórter, correndo o mundo). Ficamos lá 9 dias, mandava como habitualmente artigo e coluna para o bravo Diário de Notícias.
Numa dessas matérias, dizia textualmente: “Gostei de conversar com Fidel, mas quem me impressionou mesmo foi Che Guevara”. Em 1961, Fidel veio ao Brasil com Che Guevara, a convite do já presidente Jânio Quadros, que lhe deu a maior condecoração.
Diziam, e conhecendo Jânio nenhuma surpresa, que “o convite e a condecoração” faziam parte da renúncia forjada, mas que, contra a vontade dele, aconteceu mesmo.
Não quero contar a História, apenas o meu conhecimento. Em 1962, a lamentável “invasão da Baía dos Porcos”, a iminência de uma guerra atômica por causa dos mísseis em Cuba, a batalha que se transferiu para a diplomacia, a vitória do embaixador dos EUA na ONU, Adlai Stevenson, antes e surpreendentemente derrotado duas vezes para presidente dos EUA.
Algum tempo depois, o jornalista Jean-Jacques Servan-Schreiber, repórter e diretor do Le Express, “um dos muitos sucedâneos da revista Time”, o mesmo que acontecera com a revista Life. (As duas pertencentes ao poderoso Henry De Luce, também dono da Fortune e da Sport Ilustrated, ainda hoje a maior revista esportiva dos EUA).
Schreiber escreveu: “Estive na Arábia Saudita, encontrei com Che Guevara, presidente do Banco Central de Cuba. Normalmente, perguntei como ele ia, me respondeu de forma estranha”. Só que, apesar de repórter viajado, Schreiber não percebeu, pouco depois Che deixava o cargo e a própria Cuba, nunca mais se encontrou com Fidel.
E não muitos anos depois, Che era assassinado, num dos mais extraordinários acontecimentos, depois dos também assassinatos de John Kennedy, Martin Luther King, Robert Kennedy e até de Jimmy Hoffa, que controlava o maior sindicato do mundo, o dos caminhoneiros, era candidato a presidente. Seu corpo jamais apareceu.
O rompimento Cuba-EUA teria que ocorrer. Fidel não tinha formação ou convicção comunista, o irmão Raul, sim. Mas Raul, durante 45 anos chefe das Forças Armadas, jamais apareceu. Estive em Cuba 5 vezes, duas depois de Fidel, nunca falei nem vi Raul. Ninguém via, sua lealdade ao irmão, total.
Mas sem recursos, e com a União Soviética poderosa e sem problemas, o financiamento e o domínio, mesmo de longe, inevitável. E facilitando as coisas para Cuba e a União Soviética, a “burríssima” política externa dos EUA. “Burrice” que se acentuou com a Guerra Fria, quando gastaram talvez mais do que agora, com os aventureiros financeiros.
Fidel só deixou o Poder por causa da doença, jamais imaginou ou acreditou que fosse contestado (mas não traído, como dizem) pelo irmão, deliberadamente em silêncio e na voluntária obscuridade.
A última vez que estive em Cuba: 1987, seminário sobre “Dívida Externa”. Extraordinário. Do Brasil, apenas três jornalistas: Newton Carlos, Argemiro Ferreira e este repórter. Presidindo em rodízio: Gabriel Garcia Marquez, Isabel Allende, Perez Esquivel (Prêmio Nobel da Argentina), Luiz Carlos Prestes e mais uns 40.
Não-jornalistas estavam: Severo Gomes, Frei Beto, Marilena Chauí, Cristina Tavares e Luiz Inácio Lula da Silva, que já preparava a candidatura a presidente, para 1989 ou 1990, dependendo do mandato que Sarney (sempre ele, sempre ele) exigia. Não obtendo os 6 anos, a eleição foi mesmo em 1989.
* * *
PS – Lula perderia essa, a de 1994 e a de 1998. No mundo, só outro homem perderia três vezes, embora não seguidas. Foi o pastor William Jennings Bryan, nos EUA. Carregava multidões para as suas pregações religiosas, mas não os transformava em eleitores. Perdeu em 1896, 1900 e 1908. Não ganhou nenhuma.
PS2 – Ao contrário de Lula, que perdeu três, ganhou duas e pretende igualar o placar. Ou Fidel, que não perdeu desde 1959, exatamente 50 anos.
Fonte:TRIBUNA DA IMPRENSA
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