Por Cristovam Buarque
Operação Condor – O Seqüestro dos Uruguaios: Uma reportagem dos tempos da ditadura, de Luiz Cláudio Cunha, 472 pp., L&PM Editores, Porto Alegre, 2ª ed., 2009; lançamento no Rio na sexta-feira (4/9), às 19h, na Livraria da Travessa (Rua Visconde do Pirajá, 572 – Ipanema)
Se você tem idade para lembrar desta estória, como trabalho de jornalista, não deve deixar de ler, para não esquecer o tempo difícil que viveu; se é jovem suficiente para considerar como história, não deve deixar de ler, como a pesquisa rigorosa de um historiador. Em ambos os casos, não deve deixar de ler para lembrar o que foi nosso país, algumas poucas décadas atrás, e para reafirmar o seu compromisso de que essas coisas não devem voltar a acontecer.
Se você gosta de um livro bem escrito, não deve deixar de ler este que descreve quase minuto a minuto um fato verdadeiro; mas se você é daqueles que gostam de ler pelo prazer da emoção pelo suspense, não deve deixar de ler este que é capaz de virar uma obsessão durante os dias que você lhe dedicar.
Se você é daqueles que preferem os livros com grandes personagens que fazem o mundo se mover ao redor, não deve deixar de ler este, onde duas crianças, alguns jovens adultos, seus velhos pais, juízes, jornalistas, bandidos policiais ou dirigentes militares de dois países surgem como os personagens que vemos apenas nos grandes livros de ficção.
Se você é estudante de jornalismo, não deve deixar de ler esta obra prima de investigação e relato, nos moldes do que faria Truman Capote no A Sangue Frio, se ele descobrisse o crime ainda em andamento e pudesse evitar que a família fosse morta. Se você é professor de jornalismo, adote este livro como paradigma para seu estudante aprender como enfrentar, com prazer e coragem, o desafio de dissecar as entranhas de um fato.
Apenas rumores
Este é um relato histórico cuidadoso, um livro de suspense, um manifesto contra a brutalidade das ditaduras, um documento de descrição da bárbara estupidez militar policial, um libelo pela liberdade, uma denúncia contra a diplomacia brasileira nos anos de chumbo.
Um dos raros livros no qual conseguimos tudo o que procuramos em livros e raramente encontramos juntos, em um único: Emoção – de medo, de raiva, suspense, admiração, desafios, aventura; Informação – da história, da política, da diplomacia; Gosto – pelo texto, pelo mergulho na história, pelo enlevamento. Além disso, encontramos a coragem que há nos livros com grandes heróis, inclusive os que fizeram o livro, toda a equipe, e obviamente o autor-personagem.
Mais que isso, é um livro que tem em sua história a conseqüência dele próprio quando era uma matéria jornalística: um livro que, ao descrevê-la, mudou a realidade. Ainda sob a forma jornalística, virou personagem ao salvar a vida de pessoas presas e torturadas, ao desmascarar a mais vergonhosa operação internacional do terrorismo estatal que até então tinha conseguido eliminar todas as testemunhas do lado das vítimas, interessadas na denúncia.
Li a velha matéria jornalística na revista Veja, quando ela foi publicada e o assunto estava atual. Lembro de ter embrulhado o estômago ao tomar conhecimento do que se passava nos subterrâneos ainda interditos aos olhos dos jornalistas e do público. Até então, o que fora descrito como fato, eram apenas rumores, uma que outra vez vazados. Naquelas matérias estava uma descrição clara, por observadores diretos e com fontes confiáveis da tragédia da repressão.
Aprender a pesquisar
Lembro do nojo que a matéria nos deixava ao mostrar como governos de países independentes, em pleno século 20, colaboravam de maneira tão vergonhosa para a realização de operações capazes de humilhar a maldade dos nazistas. Lembro da vergonha daqueles fatos serem promovidos pelo governo de meu país; também do orgulho ao saber que os fatos tinham sido enfrentados por brasileiros; e a esperança ao imaginar que, ao vir à luz, o presente sinalizava para um futuro diferente.
Relendo agora, sob a forma de livro, senti a mesma indignação. Mas, com a distância – de décadas e séculos, décadas na cronologia, séculos simbólicos na história que desde então percorremos – li com tranqüilidade, como fatos históricos, antigos, entretanto com um sentimento mais profundo, do ponto de vista literário. Porque tem o texto corrido dos livros de suspense e do bom jornalismo, com os detalhes e o tempo das grandes obras. Li sem parar, como poucos livros conseguem prender, com o coração suspenso – daí o nome suspense – ao mesmo tempo com a cabeça relembrando aqueles dias e os que aconteceram ao seu redor.
Recomendo a todos que querem conhecer a história da maldade dos anos de chumbo, aos que precisam saber como a maldade tinha sido globalizada antes da própria economia, aos democratas para reafirmar seus valores e compromissos, àqueles que desejam ler uma boa e bem escrita estória, sabendo que é pura verdade histórica. E aos estudantes e professores de jornalismo insisto em recomendar que usem este livro: fará o aluno gostar da profissão, aprender a pesquisar, criar sua própria pauta em cima dos fatos, construir um roteiro de mergulho na estória e, ainda mais, o fará gostar de bons textos.
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