Mais uma vez a revista Veja dá eco a histórias que não se comprovam depois. Foi assim no episódio publicado em 2005 sobre os dólares de Cuba, que teoricamente teriam financiado parte da campanha de Lula à Presidência da República, que conduziu o ex metalúrgico ao Planalto pela primeira vez, em 2002.
Por Lúcia Rodrigues, na Caros Amigos
O semanário também publicou em 2005 reportagem que insinuava que candidatos ligados ao Partido dos Trabalhadores teriam recebido recursos das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, para o financiamento de suas campanhas.
As fitas com o áudio do diálogo entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) reproduzido nas páginas de Veja, também nunca apareceram. Investigação da Polícia Federal não identificou esses grampos que a revista insinuava existir. Segundo a reportagem, essas gravações teriam sido produzidas pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e seriam repassadas a Lula, apesar de afirmar que não necessariamente o presidente tivesse conhecimento disso.
A principal publicação do grupo Abril se transformou em espécie de contadora de histórias da carochinha, para embalar seus leitores com a desinformação. Ao longo de anos, várias e várias historinhas têm ilustrado dezenas de páginas do folhetim romanceado da Marginal Pinheiros, quando o objetivo é desancar algum desafeto da família Civita. Faz a denúncia. Não prova nada. E fica o dito pelo não dito.
Desta vez o alvo do ataque foi o irmão do ministro Franklin Martins, o diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), Victor de Souza Martins. As acusações contra Victor foram veiculadas na coluna de Diogo Mainardi, da edição de 8 de abril de 2009. O texto assinado pelo articulista afirma que um relatório interno e sigiloso da Polícia Federal aponta o irmão do ministro como o responsável por um esquema de desvio de R$ 1,3 bilhão da Petrobras.
Mainardi assegurou na ocasião, que as provas que haviam chegado a suas mãos fundamentavam a denúncia publicada em sua coluna. Como ficou comprovado posteriormente, o material a que ele faz referência foi produzido à margem da legalidade.
O tal relatório nunca fez parte de nenhum inquérito da Polícia Federal, nunca existiu oficialmente. Foi fruto de uma ação clandestina de arapongagem, nos moldes do antigo SNI, o serviço de espionagem da ditadura militar, com grampos telefônicos e quebra de sigilos.
O procurador da República Marcelo de Figueiredo Freire foi quem descobriu a armação. Ele atua no grupo do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro que controla as ações da Polícia Federal. Freire se surpreendeu com a denúncia feita pelo articulista de Veja e solicitou ao superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ângelo Fernandes Gióia, informações sobre o caso.
Em ofício datado de 14 de abril de 2009, ele pede providências ao chefe da Polícia Federal carioca, para que seja identificada a autoria de quem cometeu o crime. O resultado para a solicitação veio de forma célere. Em aproximadamente 40 dias, a PF apontou o ex agente da Polícia Federal e funcionário da Assessoria de Inteligência da ANP Wilson Ferreira Pinna, como o único responsável pela produção do material com informações ilícitas.
A responsabilização única de Pinna pela Polícia Federal não convenceu o procurador da República. “Eu não fiquei satisfeito só com a responsabilização do Pinna. Por isso, abri inquérito suplementar. Não excluo a possibilidade de outros terem participado, dentro da ANP, da Polícia, da Receita Federal e de outros órgãos. Foram violados sigilos telefônico, fiscal. Provavelmente para que isso tenha ocorrido terceiros efetivamente participaram”, diz o procurador.
Freire também comunicou ao superintendente da Polícia Federal que após a denúncia ter sido veiculada na revista, foi procurado por vários jornalistas sendo que um deles lhe entregou cópia de uma espécie de dossiê intitulado Operação Royalties, que continha o nome de diversas pessoas e informações a respeito delas.
O documento entregue por esse jornalista ao procurador tem aproximadamente 10 páginas, é apócrifo e está diagramado em formato de um folder. A produção visual do material também é de boa qualidade. “Quando vi esse folder tive a convicção de que alguma coisa errada aconteceu”, relata Freire.
O procurador não quis revelar os nomes dos investigados que constam desse dossiê. E também não adiantou o número de pessoas arroladas no material produzido ilegalmente, devido ao segredo de justiça que envolve o caso. “Não tenho autorização para divulgar esses dados.”
A reportagem da Caros Amigos apurou, no entanto, que além de Victor, o superintendente de Fiscalização da ANP, Jefferson Paranhos dos Santos, também teve a vida devassada pela arapongagem. “Quero que se faça justiça. Quero saber quem produziu o dossiê, quem pagou e quais foram os objetivos”, afirma Victor.
Investigação
Freire sabia que a Polícia Federal havia instaurado inquérito em 6 de novembro de 2007, para apurar supostas irregularidades na classificação, no cálculo e pagamento de royalties de petróleo a municípios e Estados. Ele quis se certificar de que a informação veiculada por Mainardi não havia sido apensada nesse inquérito. As vistas ao processo deram ao procurador a certeza de que tais informações inexistiam nos autos.
“Constatei que fora feita uma investigação paralela, fora da cognição tanto do Ministério Público quanto do juízo criminal a que estava distribuído o inquérito”, frisa o procurador. Mesmo que de forma legal, a Polícia Federal não poderia ter promovido nenhum tipo de investigação sem dar ciência ao MPF e à Justiça Federal.
Os dados obtidos e produzidos de maneira ilegal, como escutas clandestinas e quebra de sigilo fiscal, obviamente também não poderiam ser anexados à investigação que corre na justiça federal. O dossiê completo produzido pela arapongagem foi condensado em um pendrive e deixado em um escaninho da PF.
“O que estava no pendrive não poderia jamais ingressar no inquérito. Por isso, não ingressou. Porque se tivesse ingressado certamente eu teria aberto e visto todas as condutas ilícitas que estavam ali inseridas”, enfatiza o procurador da República.
A formatação do inquérito da PF nº 2.415, de novembro de 2007, que visava verificar as supostas irregularidades no repasse de royalties a municípios e Estados também é peculiar e chama a atenção. A peça foi toda construída com base em noticiário da imprensa.
“É uma coisa pouco usual, eu tenho doze anos de MPF, todos na área criminal do Rio, e nunca vi um inquérito instaurado dessa forma. Isso não traduz nenhum tipo de conduta ilegal, mas eu nunca vi inquérito instaurado de ofício, com base em notícias de jornal”, ressalta Freire.
Os delegados da PF Lorenzo Martins Pompílio da Hora, Francisca Eliane Freire, Bruno Bastos Oliveira e Osvaldo Scalezi Junior assinam o documento que instaurou esse inquérito. Os quatro policiais foram procurados pela reportagem da Caros Amigos, por intermédio da assessoria de imprensa da PF, mas não se pronunciaram sobre o caso.
“Reforçamos o posicionamento desta Superintendência Regional pela manutenção do sigilo dos inquéritos policiais conferida pelo artigo 20 do Código de Processo Penal brasileiro”, afirma a nota da assessoria de comunicação social da Polícia Federal carioca.
Nesse inquérito, de poucas páginas, não havia nenhuma alusão a fato concreto, nem a nenhum fato criminoso com tipificação penal. “Não havia nada disso. Era um inquérito incipiente, sem objeto definido e com pouca viabilidade. Praticamente fadado ao arquivamento”, destaca o procurador Freire.
Esse era o panorama que o Ministério Público Federal tinha até veiculação do artigo de Mainardi na Veja. “Fomos surpreendidos com a publicação na coluna da revista e depois por várias outras matérias que faziam remissão a uma investigação com um objeto mais bem definido, um alvo determinado e que para nossa surpresa desconhecíamos. Então procuramos saber o que de fato estava por traz daquilo tudo.”
Fonte:Site O Vermelho
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