A radicalização da política proposta pelo presidente do Banco Central pode ser vista como solução ideal? Em se tratando de projeções econômicas, certas recorrências devem ser evitadas. Ainda mais quando guardam similitudes com o ideário derrotado nas urnas em 2002.
Gilson Caroni Filho
No momento em que a direita brasileira, sem projetos, se socorre de factóides de uma imprensa partidarizada, com clara vocação golpista e nenhuma credibilidade, o campo progressista deve se debruçar sobre algumas ambiguidades que, não sendo devidamente explicitadas, podem suscitar interpretações contraditórias. Tendo claro que o destino de um povo é forjado na ação de muitas gerações e no descortino de algumas decisões fundamentais, a estratégia de política econômica não pode deixar dúvidas quanto à consistência de sua implementação.
É preocupante, por exemplo, quando o Ministro da Fazenda, Guido Mantega diz que não há problema no déficit em conta-corrente (déficit nas transações correntes) porque ele será coberto pela entrada de capital externo, pois foi exatamente isso o que disse o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, durante quatro anos - até que, depois de toneladas de sofrimento inútil, a economia estourou em 1999. Em se tratando de projeções econômicas, certas recorrências devem ser evitadas. Ainda mais quando guardam similitudes com o ideário neoliberal derrotado nas urnas em 2002.
É o caso de se perguntar a quem beneficia a hipervalorização do real? A resposta é quase prosaica. Às grandes corporações transnacionais que desejam importar os insumos que suas matrizes produzem. Qualquer política que proponha substituir as importações pela produção interna das filiais dos conglomerados está, na verdade, pregando a desnacionalização da economia brasileira em nome da entrada em massa, sem controle e sem regulação, de "investimentos diretos estrangeiros". O sacrifício de financiamentos para empresas nacionais, voltadas à produção para o mercado interno, pode aparecer em médio prazo, e cabe à esquerda estabelecer a agenda que reverta o que se afigura como possibilidade tendencial.
Certamente não é um problema que vá estourar nos próximos meses. Mas, no caso da provável vitória de Dilma Rousseff, como situaremos nosso discurso se ganharmos as eleições sem falar nada sobre isso, quando essas dificuldades se tornarem mais evidentes? A radicalização da política proposta pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pode ser vista como solução ideal?
O norte desse texto é definir uma vertente alternativa agora, para que tenhamos força suficiente no ano que vem. Fazer exercícios projetivos nada custa. E, de qualquer forma, não nos parece politicamente plausível ganhar as eleições sem localizar as dificuldades a enfrentá-las, dizendo que o quadro é róseo, quando não é. Não deve se furtar ao debate quem lutou tanto, em condições tão adversas, debaixo da ditadura, e depois, durante os mandatos de Collor e de FHC. Há tempos que precisam ser superados, jamais esquecidos.
Aliás, no mais elementar exercício de realismo político, o que se chama de programa de um governante, desde a inflexão do governo Lula, deixou de ser apenas uma série de propostas para enfrentar as dificuldades, em que o principal cacife era o de continuar o governo anterior, como bem sabiam aquelas raposas da República Velha, sempre "salvando a lavoura", apesar de serem apoiadas pela raposa anterior, que aumentava as pragas do campo cultivado enquanto ocupava o cargo de presidente.
Esse roteiro, repaginado pelo tucanato e seus sócios oligárquicos, se esgotou com o modelo econômico neoliberal que mandou o país à lona durante oito anos. Desde 2003, cabe ao governo a tarefa de reconstruir a nação em bases sólidas.
Bem entendido, não estamos fazendo qualquer referência ao programa da candidata, que em geral tem de ser algo genérico, mas àquelas medidas práticas que a nova presidente pode ou não implementar depois de eleita, e sob a forma que for possível, pois isto não se pode prever. Para isso, é fundamental que haja massa crítica acumulada em debates sem qualquer tipo de interdição.
A título de exemplo, convém lembrar que Getúlio Vargas não colocou o cancelamento da dívida com os bancos ingleses no seu programa de candidato, em 1930, e nem essa medida cabia ali. Mas foi exatamente o que fez com a decretação de moratórias (1931 e 1937) e a recompra dos títulos da dívida por uns 2% do valor de face.
Só Luís Carlos Prestes, com uma considerável dose de ingenuidade, condicionou o apoio à candidatura de Vargas a que o cancelamento fosse o primeiro ponto do programa - e o segundo fosse a expropriação dos latifundiários (numa chapa em que o vice-presidente era João Pessoa e o principal apoio vinha dos latifundiários mineiros, para não falar de Borges de Medeiros e demais gaúchos). Assim, jogou pela janela a chance de ser o comandante militar da Revolução de 30, ampliando o leque de alternativas políticas do movimento.
Evidentemente, ficar exigindo que o programa da ministra Dilma seja explícito sobre as dificuldades a enfrentar, e sobre as medidas a tomar, é coisa de pessoas dotadas de alto grau de indubitável má-fé. Mas, se pudermos acumular reflexão crítica que mais favoreça o país, e sua grande massa recém-incluída, tanto melhor. Para isso, a ambigüidade, como figura de construção discursiva, deve ser evitada quando estão em jogo os rumos concretos da política macroeconômica.
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