sexta-feira, 5 de março de 2010

ORIENTE MÉDIO - A Palestina vai morrendo devagar.


Nos montes pedregosos da Cisjordânia, a Palestina vai morrendo devagar

Robert Fisk


Fonte: Uruknet
Tradução de F. Macias

A zona C não dá impressão de fazer mau agouro. Uma terra de montes cinzentos salpicados de pedras e vales verdes e macios faz parte dos destroços, do igualmente destroçado Acordo de Oslo, que constam dos 60% da Cisjordânia ocupada por Israel, que era suposto serem eventualmente entregues aos seus habitantes palestinos.

Mas olhando para as estatísticas e dando uma vista de olhos à pilha de ordens de demolições que se encontram na secretária de Abed Kasab, chefe do conselho da aldeia de Jiftlik, tudo faz lembrar uma limpeza étnica, via burocracia. Perversa pode ser a palavra adequada à papelada envolvida. Obscenos parecem ser os resultados.

Casas de palestinos não autorizadas a manterem-se de pé, telhados que têm de ser desmantelados, poços fechados, sistemas de esgotos demolidos; Numa aldeia eu vi até um sistema elétrico primitivo, no qual os Palestinos têm que enterrar os postes elétricos em blocos de argamassa e cimento que ficam à superfície do caminho. Levantar os postes na terra teria como certa a sua destruição – nenhum palestino pode escavar um buraco de mais de 40 cm abaixo do solo.

Mas vamos voltar à burocracia. “Ro’i” – se este é de fato um nome oficial israelita, porque é difícil de decifrar – assinou uma série de ordens de demolições em Jiftlik em Dezembro passado, todas devidamente passadas em árabe e hebraico, ao Sr. Kasab. Vinte e uma delas vão – não seqüencialmente – do número 143912 até 145059, todas do “Controle do Conselho Superior do Planejamento (sic) da Subcomissão da Administração Civil no Distrito da Judéia e Samaria”. Judéia e Samaria – para pessoas comuns – é a Cisjordânia ocupada. A primeira comunicação é datada de 8 de Dezembro 2009 e a última de 17 de Dezembro.

E quando o Sr. Kasab fixa as ordens, isso é um problema menor para ele. Os pedidos dos palestinos para construir casas ou demoram anos ou são recusados; as casas construídas sem autorização são demolidas implacavelmente; os telhados de zinco têm que ser camuflados com folhas de plástico, na esperança de que a Administração Civil não as vá considerar um piso suplementar – caso contrário os rapazes do “Ro’i” acabariam por arrancar a parte superior da casa.

Na zona C, há até 150.000 palestinos e 300.000 colonos judeus vivendo – ilegalmente ao abrigo do direito internacional – em 120 alojamentos oficiais e em 100 “ não aprovados” ou, em linguagem atual, “postos avançados ilegais”; ilegais, tanto para os israelitas como pelo direito internacional, isto é – em oposição às 120 colônias ilegais que são legais à luz do direito de Israel. Não é preciso dizer que os colonos judeus, não têm problemas de licenças de construção.

O sol de inverno brilha através da porta do gabinete do Sr. Kasab e a fumaça dos cigarros envolve a sala, assim como homens irados, gritam as suas queixas. “Não me interessa se você inscreveu o meu nome ou não, estou cheio de raiva e vou enfrentar as conseqüências,” diz um. “Respirar é a única coisa a que ainda nos dão licença, por enquanto! “ Os desabafos estão estafados, mas a fúria é real.

“Habitações, novas estradas, depósitos de água, estamos à espera há três anos para obtermos licenças. Não nos concedem a licença para um centro de saúde novo. Temos pouca água tanto para uso pessoal como para a agricultura. Uma licença para repararmos o sistema aqüífero custa 70.000 shekels israelitas (cerca de US$ 18.000) – custa mais do que o próprio sistema de reparação.”

Uma viagem ao longo das estradas desertas da zona C – desde os arredores de Jerusalém até a meio úmida bacia do vale Jordão – leva-nos através de montes escuros e despidos de vegetação, vales pedregosos envolvidos em grutas profundas e ancestrais, até que mais a leste se encontram os campos dos palestinos e bosques de palmeiras dos colonos judeus – com cercas eletrificadas à volta – e os casebres de barro e pedra, dos palestinos criadores de carneiros. Este paraíso é uma dupla ilusão. Uma parte dos habitantes, os israelitas, pode lembrar a sua história e viver no paraíso. A parte menor, os árabes palestinos, é capaz de olhar através destas maravilhosas terras e lembrar a sua história – mas já estão fora do paraíso e dentro do limbo.

Mesmo as ONGs do ocidente que trabalham na zona C encontram o seu trabalho na ajuda aos palestinos, bloqueado pelos israelitas. Isto não é apenas um “entrave” ao “processo de paz”- seja lá isso o que for – mas um escândalo internacional. A Oxfam, por exemplo, pediu aos israelitas uma licença para construir um depósito de água subterrâneo, com uma capacidade de 300 m2 e uma canalização subterrânea de 700 m, para os milhares de palestinos que vivem nas imediações de Jiftlik. Foi recusado. Então eles informaram que pretendiam instalar, à superfície do solo, dois depósitos de fibra de vidro, um cano e uma bomba de água. Disseram-lhes que precisavam de uma licença mesmo se as canalizações fossem à superfície – e recusaram-lhes a licença. Como último recurso, a Oxfam está agora distribuindo pequenos depósitos de água em cima dos telhados.

Eu encontrei por acaso um exemplo, ainda mais escandaloso, do apartheid-por-licença na aldeia de Zbeidat, onde uma equipe de ajuda humanitária da União Européia estava fazendo 18 instalações de saneamento para libertar a pequena aldeia do cheiro repugnante dos esgotos que atravessam os jardins e a estrada principal e que segue pelos campos. Este sistema que custou 120.000 dólares – uma série de 40 canalizações que são regularmente limpas através de caminhões de lixo – foi devidamente instalado porque era localizado dentro da zona B, onde não foi pedida qualquer licença de construção.

Contudo, agora os israelitas disseram a quem trabalha na ajuda que a obra “tem que parar” na sexta, das 18 instalações – um aviso à sua demolição, embora já estejam construídas do outro lado da estrada – porque parte da aldeia fica na zona C. É escusado dizer que ninguém, nem palestinos nem israelitas, sabe qual é a linha divisória entre a zona B e C. Assim, cerca de 30.000 dólares do dinheiro europeu foram deitados fora pela israelita “Administração Civil”.

Mas de qualquer forma, esta torrente de papéis de licenças e não-licenças está a pretender escamotear a terrível realidade da zona C. Muitos ativistas israelitas, assim como as ONG ocidentais, suspeitam que Israel pretenda forçar os palestinos a deixarem as suas terras, casas e aldeias e partirem para o horror das zonas B e A. A zona B é controlada, em conjunto, pelo exército israelita, autoridades civis e polícia palestina, e a zona A pela pateta Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas. Assim, os Palestinos podiam ficar a discutir sobre uns míseros 40% da Cisjordânia ocupada – que já é uma pequeníssima fração de 22 % da Palestina Mandatada, a qual também, em tempos, o inútil Yasser Arafat teve esperanças de governar. Acresce a isto que 18% da zona C são designadas pelos israelitas por “áreas militares restritas” e acrescem outros 3% escandalosamente designados por uma “reserva natural” - seria interessante saber que espécie de animais anda ali a pastar - e o resultado é óbvio mesmo sem ordens de demolições, os palestinos não podem construir em 70 % da zona C.

Ao longo duma estrada, eu descobri uma série de grandes blocos de argamassa e cimento, colocados ali pelo exército israelita, em frente das habitações toscas e mal construídas, palestinas. “Perigo – Zona de Fogo” estava inscrita em cada uma delas, em hebraico, árabe e inglês. “Entrada Proibida”. O que é que os palestinos que aqui vivem, pensam fazer? A zona C, devemos acrescentar, são os territórios ocupados mais ricos, com produção de queijos e criação de animais. Muitas das 5.000 almas de Jiftlik foram já refugiados, as suas famílias fugiram das suas terras para Jerusalém ocidental – o Israel de hoje – em 1947 e 1948. E a sua tragédia ainda não acabou, é claro. A que preço, Palestina?

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