quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

EGITO - Jovens viram cérebro dos protestos no Egito.

A reportagem é de Fernando Duarte e está publicada no jornal O Globo, 02-02-2011.

Em meio a goles numa xícara de chá fumegante do lado de fora de um café no coração do Cairo, e com os ecos de uma prece muçulmana vindo de uma mesquita vizinha como trilha sonora, Khaled Tawfik tem na ponta da língua a principal razão pela qual pediu uma licença especial dos estudos de administração numa universidade de Londres e, na quarta-feira, voltou ao Egito, seu país natal, para participar dos protestos contra o governo de Hosni Mubarak.

- Há algo de muito errado quando alguém chega aos 26 anos de idade sem jamais ter visto outro presidente - explica Tawfik, apontando para o pôster de Mubarak, cujos chifrinhos improvisados, riscados com caneta, dificilmente devem ter sido obra de alguém mais velho.

Na mesma situação do estudante estão dois terços da população egípcia - jovens, com menos de 30 anos de idade - uma legião que agora vê a chance de pela primeira vez ter a oportunidade de participar do processo político - e que não por acaso, compõe a maioria dos manifestantes.

- Fomos nós quem tivemos a energia para ir às ruas e pedir mudanças. Ajudamos a inspirar os mais velhos e desiludidos a acreditar no poder da indignação. Nossa população jovem é preciosa para um país onde há muito trabalho a fazer, mas antes disso queremos a oportunidade de sentir o gosto da democracia - explica a professora Huda Mahmoud, de 29 anos.

Encontros de tuiteiros facilitaram organização

E foram esses anseios da classe média jovem que movimentaram as redes sociais. Apesar da intervenção estatal para bloquear o acesso à internet - evitando que a organização dos protestos se espalhasse pelo Facebook e pelo Twitter - os esforços do regime foram em vão: há pelo menos dois anos, velhos blogueiros egípcios cruzaram a barreira de seus monitores e ganharam rostos em encontros mensais, divulgados pela hashtag #CairoTweetup. Transformados em amigos, ficou fácil para os jovens ativistas cibernéticos se mobilizarem, mesmo sob o apagão das comunicações.

Na teoria, os maiores de 18 anos tiveram a chance de votar na última eleição presidencial, em 2005. Mas a lisura dos pleitos egípcios é tão contestada que muitos sequer se dão ao trabalho de tirar o título. Até porque a tarefa de chegar às urnas requer coragem.

- As seções eleitorais são cercadas pela polícia secreta, que no regime de Mubarak tem poderes absolutos para intimidar. Prefiro simplesmente jogar meu voto no vaso e dar descarga - diz o advogado Ibrahim Ayska, de 27 anos.

Os jovens, no entanto, exibem a mesma fragmentação que se vê nos movimentos de oposição, fruto de um autoritarismo em que partidos não conseguem conquistar a confiança de eleitores ou mesmo de futuros líderes: um exemplo é o fato de o Partido da Juventude Egípcia ter como líder o engenheiro Hussam El Khouly, de 48 anos. Nomes como Mohamed ElBaradei e Amr Moussa, secretário-geral da Liga Árabe, até surgem nas conversas, com ressalvas.

- Acho que as pessoas ainda estão mais preocupadas em ver Mubarak ir embora primeiro e ver garantias de que teremos democracia para depois pensar em candidatos. A gente ainda está aprendendo a engatinhar - afirma a estudante Mariam Rasched, de 20 anos.

O que qualquer político terá de usar como isca para os jovens é a promessa de um futuro melhor: segundo as estatísticas, a população entre 16 e 24 anos responde por cerca de 90% dos desempregados no Egito.

Fonte: IHU

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