A Editora Abril agoniza em praça pública. Por Paulo Nogueira
Em 1989, a revista Veja deu uma capa que provocou uma barulhenta polêmica.
Cazuza estava morrendo de AIDS, e seu emagrecimento avassalador vinha sendo acompanhado por todos em fotos. Na etapa final, Cazuza parecia uma caveira.
A capa da Veja estampava Cazuza na etapa final com a seguinte chamada: agonia em praça pública.
A Veja matou em vida Cazuza.
Era um tempo em que os autores não assinavam textos na Veja. Aos curiosos, quem escreveu o texto final foi Mario Sergio Conti, um dos jornalistas mais maldosos que conheci. (Hoje, MSC faz os espectadores dormir num programa de entrevistas na Globonewzzzzzzzz.)
Bem, mas o que eu ia dizer é que, passados cerca de 25 anos, a Veja poderia dar uma outra capa na mesma linha agônica.
Apenas, em vez de Cazuza, o personagem seria a Editora Abril, que publica a Veja.
A Abril parece também estar com AIDS, não na versão controlável de hoje, mas no modelo fatal dos dias de Cazuza.
O emagrecimento da editora é extraordinário.
Nesta semana, no que já se tornou uma rotina, mais revistas foram fechadas (ou despachadas para a semimorte na Editora Caras, da qual os Civitas são sócios) e mais demissões foram feitas.
Entre alguns ex-abrilianos, houve uma comoção.
No Facebook, uma jornalista veterana que trabalhou mais de vinte anos na Abril postou a informação e disse que sentia vontade de chorar.
Mas ponderaram a ela que a Abril de hoje em nada parece com a Abril de um passado já remoto.
A alma da empresa se transformou, ou se revelou, ainda não tenho meu diagnóstico definitivo, mesmo tendo passado 25 anos na empresa.
A Abril é maligna.
A Veja faz mal ao país. Pratica um jornalismo criminoso – ou de exceção, como definiu seu diretor Eurípides Alcântara, seja lá o que isso representa.
Mente, distorce, estimula o ódio e a divisão entre os brasileiros. Investe sem pudor nenhum contra a democracia, como se viu na capa lançada um dia antes do segundo turno das últimas eleições. O único objetivo era interferir, com um golpe sujo, no resultado.
A Veja se infestou de discípulos de Olavo de Carvalho, o que significa uma visão de mundo ultraconservadora, homofóbica e outras coisas sinistras do repertório dos olavetes.
A ex-abriliana chorosa se confortou quando lhe foi dito, por algumas pessoas, que já não era a Abril dela.
Ela reconheceu que já não lia nada da Abril fazia muito tempo, por discordar inteiramente da linha da Veja e da empresa. “Sequer em consultório de dentista”, afirmou.
A Abril agoniza em parte como resultado da emergência da Era Digital, e em parte como fruto da inépcia de seus donos.
Como um dinossauro, a editora não conseguiu se adaptar aos novos tempos. Demorou para aceitar que a internet ia engolir a mídia impressa (e as demais, como agora ficou claro).
Numa de minhas últimas conversas com Roberto Civita, pouco antes de eu sair da Abril, ele me perguntou, aflito: “Onde estão as fotos como as da Life?”
Ora, elas estavam, e estão, na internet, mas Roberto não conseguia enxergá-las.
Hoje, você vê a Abril fazendo bobagens extraordinárias na internet. Uma das maiores, e escrevi sobre isso, é a TVeja.
Veteranos jornalistas têm conversas intermináveis sob uma câmara em geral estática, numa negação completa à cultura digital.
No canal da TVeja no YouTube, você encontra os resultados desse voo cego. Visualizações miseráveis, às vezes na casa das dezenas.
É claro que ninguém da Veja e da Abril se deu ao trabalho de pesquisar melhores práticas mundiais de tevê no jornalismo digital.
Quanto dura a agonia?
Revistas têm consistentemente cada vez menos leitores e cada vez menos anunciantes.
Como carruagem ou filmes para máquinas fotográficas, revistas se transformaram num produto em extinção.
E o que Abril sabe, ou sabia, fazer era revistas.
É previsível que num prazo entre curto e médio sobrem do quilométrico portfólio da Abril umas três ou quatro revistas, e mesmo assim condenadas, elas também, à morte.
Veja, Exame, talvez a Claudia, talvez a 4 Rodas, e vamos parando.
Um próximo passo inevitável vai ser a saída do caro prédio da Marginal do Pinheiros.
A Abril alugava as duas torres. Já devolveu uma, e não deve tardar a entregar a outra também.
Quanto aos funcionários, os que sobreviveram aos cortes recentes sabem que podem perfeitamente estar no próximo. E isso faz da Abril uma empresa tóxica para trabalhar.
Uma coisa particularmente bizarra é que mesmo agonizando e fazendo bobagens notáveis, a Abril, pela Veja, dá aulas diárias ao governo de como administrar o país.
Parece o Estadão, que uma vez publicou um editorial no qual dizia: “Como vínhamos alertando a Casa Branca etc etc.” Os Mesquitas não conseguiam deixar de pé seu jornal, e mesmo assim ofereciam conselhos ao presidente americano.
Não creio em outra vida, em nada disso. Sou um clássico e irremediável ateu.
Mas fico aqui pensando que Cazuza bem que merecia, de algum lugar, observar a Veja sofrer a agonia em praça pública que ela impiedosamente colocou na capa sobre ele em 1989.
Cazuza estava morrendo de AIDS, e seu emagrecimento avassalador vinha sendo acompanhado por todos em fotos. Na etapa final, Cazuza parecia uma caveira.
A Veja matou em vida Cazuza.
Era um tempo em que os autores não assinavam textos na Veja. Aos curiosos, quem escreveu o texto final foi Mario Sergio Conti, um dos jornalistas mais maldosos que conheci. (Hoje, MSC faz os espectadores dormir num programa de entrevistas na Globonewzzzzzzzz.)
Bem, mas o que eu ia dizer é que, passados cerca de 25 anos, a Veja poderia dar uma outra capa na mesma linha agônica.
Apenas, em vez de Cazuza, o personagem seria a Editora Abril, que publica a Veja.
A Abril parece também estar com AIDS, não na versão controlável de hoje, mas no modelo fatal dos dias de Cazuza.
O emagrecimento da editora é extraordinário.
Nesta semana, no que já se tornou uma rotina, mais revistas foram fechadas (ou despachadas para a semimorte na Editora Caras, da qual os Civitas são sócios) e mais demissões foram feitas.
Entre alguns ex-abrilianos, houve uma comoção.
No Facebook, uma jornalista veterana que trabalhou mais de vinte anos na Abril postou a informação e disse que sentia vontade de chorar.
Mas ponderaram a ela que a Abril de hoje em nada parece com a Abril de um passado já remoto.
A alma da empresa se transformou, ou se revelou, ainda não tenho meu diagnóstico definitivo, mesmo tendo passado 25 anos na empresa.
A Abril é maligna.
A Veja faz mal ao país. Pratica um jornalismo criminoso – ou de exceção, como definiu seu diretor Eurípides Alcântara, seja lá o que isso representa.
Mente, distorce, estimula o ódio e a divisão entre os brasileiros. Investe sem pudor nenhum contra a democracia, como se viu na capa lançada um dia antes do segundo turno das últimas eleições. O único objetivo era interferir, com um golpe sujo, no resultado.
A Veja se infestou de discípulos de Olavo de Carvalho, o que significa uma visão de mundo ultraconservadora, homofóbica e outras coisas sinistras do repertório dos olavetes.
A ex-abriliana chorosa se confortou quando lhe foi dito, por algumas pessoas, que já não era a Abril dela.
Ela reconheceu que já não lia nada da Abril fazia muito tempo, por discordar inteiramente da linha da Veja e da empresa. “Sequer em consultório de dentista”, afirmou.
A Abril agoniza em parte como resultado da emergência da Era Digital, e em parte como fruto da inépcia de seus donos.
Como um dinossauro, a editora não conseguiu se adaptar aos novos tempos. Demorou para aceitar que a internet ia engolir a mídia impressa (e as demais, como agora ficou claro).
Numa de minhas últimas conversas com Roberto Civita, pouco antes de eu sair da Abril, ele me perguntou, aflito: “Onde estão as fotos como as da Life?”
Ora, elas estavam, e estão, na internet, mas Roberto não conseguia enxergá-las.
Hoje, você vê a Abril fazendo bobagens extraordinárias na internet. Uma das maiores, e escrevi sobre isso, é a TVeja.
Veteranos jornalistas têm conversas intermináveis sob uma câmara em geral estática, numa negação completa à cultura digital.
No canal da TVeja no YouTube, você encontra os resultados desse voo cego. Visualizações miseráveis, às vezes na casa das dezenas.
É claro que ninguém da Veja e da Abril se deu ao trabalho de pesquisar melhores práticas mundiais de tevê no jornalismo digital.
Quanto dura a agonia?
Revistas têm consistentemente cada vez menos leitores e cada vez menos anunciantes.
Como carruagem ou filmes para máquinas fotográficas, revistas se transformaram num produto em extinção.
E o que Abril sabe, ou sabia, fazer era revistas.
É previsível que num prazo entre curto e médio sobrem do quilométrico portfólio da Abril umas três ou quatro revistas, e mesmo assim condenadas, elas também, à morte.
Veja, Exame, talvez a Claudia, talvez a 4 Rodas, e vamos parando.
Um próximo passo inevitável vai ser a saída do caro prédio da Marginal do Pinheiros.
A Abril alugava as duas torres. Já devolveu uma, e não deve tardar a entregar a outra também.
Quanto aos funcionários, os que sobreviveram aos cortes recentes sabem que podem perfeitamente estar no próximo. E isso faz da Abril uma empresa tóxica para trabalhar.
Uma coisa particularmente bizarra é que mesmo agonizando e fazendo bobagens notáveis, a Abril, pela Veja, dá aulas diárias ao governo de como administrar o país.
Parece o Estadão, que uma vez publicou um editorial no qual dizia: “Como vínhamos alertando a Casa Branca etc etc.” Os Mesquitas não conseguiam deixar de pé seu jornal, e mesmo assim ofereciam conselhos ao presidente americano.
Não creio em outra vida, em nada disso. Sou um clássico e irremediável ateu.
Mas fico aqui pensando que Cazuza bem que merecia, de algum lugar, observar a Veja sofrer a agonia em praça pública que ela impiedosamente colocou na capa sobre ele em 1989.
Nenhum comentário:
Postar um comentário