sábado, 13 de dezembro de 2008

AINDA AZNAR E JUAN CARLOS.

Argemiro Ferreira.

Em geral tenho preferido evitar confrontos com posições dos leitores, apesar de ter o cuidado de respeitar as opiniões divergentes. Mas retomo a questão sobre José Maria Aznar em razão de duas manifestações, em emails de leitores, que justificam mais algumas observações. Uma delas, correta, educada e inteligente. A outra, apenas um conjunto de insultos e idéias mal formuladas.

Recebo com humildade e respeito a divergência manifestada por Pablo (leia os dois comentários no meu blog, sob o post "Por qué no te callas, José Maria Aznar?"), mesmo mantendo minha opinião. Compreendo as razões dele. Acredita que o rei Juan Carlos ajudou a consolidar a democracia na tentativa de golpe de fevereiro de 1981. E assinala que estava defendendo menos Aznar do que a imagem da Espanha.

Como Pablo expõe de forma articulada e inteligente o que acha, deixando claro que é sincero e tem argumentos racionais, transcrevo abaixo deste texto parte de artigo publicado na época do episódio pelo jornalista Mauro Santayana, um amigo pessoal de meio século, que conhece bem a Espanha - onde acompanhou como correspondente o processo de democratização, em seguida à morte do ditador Franco.

Os fatos e os xingamentos

Pode mudar ou não a posição de Pablo - que tem suas próprias idéias e sabe muito bem defendê-las. Estou certo de que nesse processo, na troca civilizada de opiniões e pontos de vista, ambos sairemos ganhando. Em relação ao outro comentário, não me pareceu que seu autor, Mozart Guariglia, estivesse sequer interessado em ler uma resposta. De qualquer forma, aqui vai esta.

Ele atribuiu a mim a "mania de criticar acidamente pessoas notoriamente decentes e exaltar nulidades", o que considera comum "nessa nossa imprensa chapa branca no que se refere a comunas e cretinos de maneira geral". "Sentam o pau no rei e se omitem diante de uma coisa abominável como esse boquirroto Chávez". Na verdade, toda a mídia "sentou o pau" em Chávez, não no rei. Quanto a mim, não me considero chapa branca, cretino ou comuna, não exaltei Chávez e nem xinguei Aznar - ou o rei. Fiz avaliações sobre fatos.

Poderia penitenciar-me, no máximo, pela expressão "reizinho de fancaria", que se apoiava em outra afirmação (factual, não xingamento), "monarca por obra e graça do ditador Francisco Franco". Mas submeto à apreciação dos leitores - tanto os dois citados como os demais que se interessam pelo tema - trechos do excelente artigo de Santayana, publicado dia 12 de novembro do ano passado no "Jornal do Brasil". Foi o mais consistente que li sobre o episódio.

A arrogância colonialista

"O presidente Hugo Chávez é descuidado e franco no que fala. Usa, em sua retórica antiimperialista, metáforas quase divertidas, como chamar Bush de diabo. Mas não exagerou ao qualificar o ex-primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar de fascista. Aznar, produto típico da Opus Dei, que se reorganiza com novo alento na Espanha, sempre tratou a América Latina com desdém. Em 2002, em Madri, atreveu-se a dar ordens ao presidente Eduardo Duhalde, da Argentina, para que aceitasse e cumprisse as exigências do FMI."

Depois de se referir à participação de Aznar no golpe de 2002 na Venezuela, quando a Espanha foi o primeiro país a reconhecer como presidente legítimo o golpista-chefe Pedro Carmona (derrubado horas depois), Santayana referiu-se ainda ao mal-estar crescente na América Latina com a presença espanhola, identificada como "segunda conquista". Esse assunto fora citado em artigo do "El País" e levado de forma veemente ao chefe do governo Rodriguez Zapatero por pelo menos dois governantes do continente durante a cúpula. Em seguida acrescentou:

"Se Chávez, mestiço venezuelano, homem do povo, fugiu à linguagem diplomática, o rei Juan Carlos foi imperial e grosseiro, ao dizer-lhe que se calasse. O rei, criado por Franco, tem deixado a majestade de lado para intervir cada vez mais na política espanhola (…). Em razão disso, as reivindicações federalistas dos povos espanhóis (sobretudo dos catalães e dos bascos) se exacerbam e indicam uma tendência para a forma republicana de governo. Pequenos episódios revelam o conflito latente entre os espanhóis e seu rei."

Franquismo coroado, a ameaça

"Já em 1981, quando do frustrado golpe contra o Parlamento Espanhol, o comportamento de sua majestade deixou dúvidas. Ele levou algumas horas antes de se definir pela legalidade democrática. Para muitos, o golpe chefiado por Millan del Bosch pretendia que todos os poderes fossem conferidos a Juan Carlos, em um franquismo coroado.

Os dirigentes latino-americanos tentarão, diplomaticamente, amenizar a repercussão do estrago, mas o "cala a boca" de Juan Carlos doeu em todos os homens honrados do continente. O rei atuou com intolerável arrogância, como se fossem os tempos de Carlos V ou Filipe II. A linguagem de Zapatero foi de outra natureza: pediu a Chávez que moderasse a linguagem. Como súdito em um regime monárquico, não pôde exigir de Juan Carlos o mesmo comportamento - o que seria lógico no incidente.

Durante os últimos anos de Franco, a oposição republicana espanhola se referia ao príncipe com certo desdém, considerando-o pouco inteligente. Na realidade, ele nada tinha de bobo, mas, sim, de astuto, vencendo outros pretendentes ao trono e assumindo a chefia do Estado. Agora, no entanto, merece que a América Latina lhe devolva, e com razão, a ofensa: é melhor que se cale."
Fonte: Tribuna da Imprensa.

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