quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ANOS DE CHUMBO - Volta Redonda, vinte anos.

por João Quartim de Moraes*

Na noite de 9 do recém-findo mês de novembro completou vinte anos a covarde e mortífera invasão do complexo siderúrgico de Volta Redonda pelas tropas enviadas pelo general Leônidas Gonçalves, então ministro do Exército. A data se inscreve com letras de sangue na memória histórica do movimento operário brasileiro. Pretendemos evocá-la em dois artigos, começando por configurar o contexto reacionário que condicionou o odioso ato de força.


No dia 1° de outubro de 1986, quando a opinião pública ainda não sabia que o Plano Cruzado tinha fracassado (Sarney e o PMDB esperavam as eleições de 15 de novembro, em que iriam obter votação maciça, para depois deixar “reajustar” os preços em níveis vertiginosos), uma simples ameaça de greve na Companhia Siderúrgica Nacional bastou para que as instalações do complexo siderúrgico de Volta Redonda fossem ocupadas por um batalhão de Infantaria Motorizada, enviado por ordem do general Leônidas Gonçalves. Não houve incidentes porque os operários recuaram. Não poderiam, entretanto, erigir o recuo em norma de ação, nem muito menos, renunciar ao direito de greve, tão duramente conquistado.

O objetivo de Sarney e Leônidas, porém, consistia em anular aquela conquista, ou, mais exatamente, conforme método habitual da direita liberal, em cercar o exercício do direito de greve de restrições suficientemente rígidas para torná-lo na prática inoperante, ao menos nos setores-chave da indústria. A 12 de dezembro de 1986, já em plena explosão dos preços, o Exército respondeu a um apelo de greve geral programada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) com a ocupação de todos os estabelecimentos industriais importantes do setor estatal. Houve protestos dos partidos de esquerda, mas o PMDB caucionou de novo a intervenção militar contra a greve. O ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, que antes de ingressar no governo Sarney fingia simpatia pela causa sindical, embrenhou-se em melíflua fraseologia tentando inutilmente conciliar a velha máscara progressista com sua presente condição de agente do capital. Além da retórica vazia do ministro do Trabalho, não faltaram nas manobras governamentais contra a greve de 12 de dezembro, operações de intoxicação da opinião pública, como as “notícias” em velho estilo policial, complacentemente reproduzidas na imprensa.


Assim, a Folha de São Paulo de 10 de dezembro publicou matéria assinada pela “Sucursal de Brasília” denunciando grupos de “extremistas infiltrados” no comando de greve que , no âmbito de uma “ação orquestrada” visando à “desestabilização do país”, estariam querendo “um cadáver”. Profecia fácil, considerando a truculência tradicional dos aparelhos repressivos. Como, entretanto, é muito difícil julgar as intenções alheias, isto é, decidir quem “queria” cadáveres, o critério objetivo consiste em saber quem agiu de maneira a produzir cadáveres: se os operários fazendo uso do direito de greve ou os que enviaram soldados armados até os dentes para reprimir grevistas.

O fato é que as intervenções anti-grevistas das Forças Armadas tornaram-se rotina em 1987. Por exemplo, a 7 de março os onze principais portos brasileiros foram ocupados por fuzileiros navais. O ministro da Marinha, almirante Henrique Sabóia justificou a intervenção pelos “efeitos nocivos” da greve dos portuários iniciada a 28 de fevereiro. A 10 de março, o Exército ocupou dez refinarias de petróleo numa “ação preventiva” para impedir uma greve que o próprio general Leônidas Gonçalves reconheceu não apresentar caráter político. Com sua habitual desenvoltura no assunto, ele justificou a ação militar pelas eventuais “conseqüências econômico-sociais” do movimento grevista. Estava assim fixando uma linha de conduta que cedo ou tarde desembocaria em confronto sangrento. A capa da revista Veja de 18 de março de 1987 mostra sob o título “O aviso dos tanques” o general Leônidas em pose de Pinochet tendo ao fundo um tanque de guerra. O assunto é tratado no artigo “Sarney chama o Urutu”, que oferece uma visão de conjunto das operações militares destinadas a quebrar a mobilização sindical, completando-a com uma análise da situação política nacional:

“Urutu pesa 13 toneladas, tem 6 metros de comprimento e caminha numa velocidade que chega a 95 quilômetros por hora[...]. Na semana passada, com seu canhão 90 milímetros e sua carcaça sombria, Urutu saiu dos quartéis, onde costuma ficar estacionado e começou a circular por diversas cidades do país. Às 13 horas da última terça-feira, um comboio de dez Urutu tomava a direção da refinaria Duque de Caxias[...]” .

A mentalidade subjacente ao envolvimento sistemático dos militares na repressão do movimento operário foi explicitada alguns meses mais tarde pelo mesmo general Leônidas Gonçalves ao argumentar contra a proposta da semana de 40 horas, apresentada no Congresso Constituinte. “Um país como o nosso precisa de muito mais horas de trabalho”, declarou a O Estado de São Paulo (de 25 de junho de 1987). Escapou ao raciocínio sócio-econômico do general que a maneira mais útil de aumentar as horas trabalhadas seria empregar produtivamente os milhões de desempregados e sub-empregados vegetando à beira da miséria. Tampouco lhe ocorreu que com a redução da semana de trabalho a 40 horas, os operários ficariam em melhores condições físicas e mentais para aumentar o rendimento de seu esforço produtivo, criando-se, ao mesmo tempo, novos empregos para absorver aqueles que não trabalham hora nenhuma, por não ter emprego. Evidentemente, o patronato dispunha, para tratar das questões sindicais, de porta-vozes menos canhestros do que o general Leônidas. Precisava deste para brandir não a força dos argumentos, mas o argumento da força. Dele se serviu, menos de quarenta dias após a promulgação da nova Constituição, na tragédia de Volta Redonda.
Fonte: Site O Vermelho.

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