A gigante varejista Wal-Mart voltou às primeiras páginas quando uma multidão que dormira na fila à espera da liquidação na sexta-feira passada (a chamada "Black Friday", dia seguinte ao Thanksgiving) em Long Island, Nova York, derrubou a porta de vidro, invadiu a loja e pisoteou pessoas - entre elas um empregado de 34 anos, declarado morto uma hora depois.
A imagem da Wal-Mart é controvertida nos EUA. Comunidades em todo o país disseminaram um logotipo que equivale a um veto contra instalações de mais lojas da super cadeia - o que leva ao fechamento de um comércio tradicional, menor, numa vasta área. Aém disso, ela mantém política trabalhista retrógrada, paga péssimas salários e nega planos de saúde a empregados, elevando o gasto público de governos locais com saúde.
Um documentário sobre tais práticas, inclusive os abusos trabalhistas e contendo ainda críticas duras ao sistema de comercialização e outras mazelas, estreou há três anos, sendo exibido até em circuitos normais. O filme, "Wal-Mart: The high cost of low price" (O alto custo do preço baixo), de Robert Greenwald fazia tal estrago que a transnacional decidiu contestá-lo, financiando um documentário-resposta.
Os cristãos e o apelo de vendas
"Why Wal-Mart works & Why that makes some people crazy" (Porque a Wal-Mart funciona & Porque isso enlouquece certas pessoas) foi produzido por Ron Galloway, obviamente com o estímulo (e muita grana) da empresa. Antes mesmo dos dois documentários a Wal-Mart já temia os efeitos da controvérsia, pois em junho o semanário "The Nation" tinha promovido um debate sobre ela, mostrado na rede pública C-SPAN.
Agora, em 2008, a Wal-Mart foi acusada também de punir empregados que manifestavam simpatia pelo candidato democrata Barack Obama. Ironicamente, na campanha de quatro anos antes a corporação ajudara a reeleição de George W. Bush mas acabou sendo prejudicada pelo fortalecimento da direita religiosa, que ampliou sua pregação obscurantista e acabou acusando a Wal-Mart e outras lojas de sabotarem o Natal cristão.
O tele-evangelista Pat Robertson, na mesma época, passara ao ataque contra os fiéis de uma comunidade da Pensilvânia. Em dezembro de 2005 ele acusou pacatos cidadãos da área de terem "rejeitado Deus" ao votar a favor de comissão escolar que desautorizara o ensino do "intelligent design" (novo nome da teoria da criação segundo a Bíblia). O pastor pediu publicamente uma vingança divina, na forma de desastre natural devastador, contra a comunidade.
O desastre nunca veio, mas a direita religiosa continuou enlouquecida e ganhou o apoio da rede Fox News - o império de mídia do magnata australiano Rupert Murdoch - em outra frente. Grupos evangélicos somaram-se na ofensiva contra o Natal da Wal-Mart e demais lojas varejistas. A maior cadeia varejista do mundo tornou-se a mais visível como alvo dos cristãos fundamentalistas contra o tipo de apelo de vendas no fim do ano: "Boas Festas" em vez de "Feliz Natal".
A Fox e a guerra contra o Natal
Em relação à suposta mudança de enfoque do comércio varejista, o apresentador de "talk show" John Gibson, da Fox (à época, na TV; hoje, mais no rádio) previu o potencial da controvérsia e preparou para lançamento nas festas de fim de ano de um livro alarmista incitando os fundamentalistas contra as lojas. Segundo ele, era preciso "defender o Natal" contra a ameaça de outras religiões, judaismo e islamismo entre elas.
O título foi "The war on Christmas" - ou seja, "A guerra contra o Natal". Para Gibson, sendo os cristãos 85% da população dos EUA, era preciso festejar no fim do ano apenas o Natal, não o Hannukah judaico ou as festas equivalentes dos muçulmanos, africanos e outros. Ao mesmo tempo, ele condenou o comércio que, obcecado em faturar, preferia ampliar em vez de estreitar o apelo - ao espalhar o "Happy Holidays" no lugar do "Merry Christmas".
A religião da Wal-Mart, claro, é vender e fazer dinheiro - seja o cliente cristão, judeu, muçulmano ou ateu. Gibson e a Fox conseguiram passar a idéia de que a gigante varejista era a principal responsável, pelo fato de ser a maior cadeia de lojas. Os cristãos ficaram em pé de guerra em "defesa" do Natal. Para a Wal-Mart, eram ataques em péssima hora, pois suas lojas estavam ainda na alça de mira dos sindicatos, pela conduta antitrabalhista e reacionária.
Embora ignorasse quaisquer críticas até 2005 a Wal-Mart resolveu então, pela primeira vez, abrir as portas de sua sede em Arkansas à mídia, num esforço repentino de relações públicas e controle de danos, pois sentia também a hostilidade crescente de comunidades contra ela. Na Carolina do Norte um prefeito (de Belmont) perdera o cargo após 25 anos por ter aprovado a instalação de um Wal-Mart SuperCenter.
O 11/9 como vingança divina
Em relação ao Natal e à direita religiosa, Robertson e a Fox News foram amaciados. A Wal-Mart prometeu mudar o apelo de vendas, mas só no ano seguinte (2006). O pastor, candidato presidencial nas primárias de 1988, tornara-se influente depois de criar uma rede de emissoras cristãs (Christian Broadcasting Network) e inventar a Coalizão Cristã (Christian Coalition), que controlava parte do Partido Republicano.
Um dos feitos de Robertson em 2005 tinha sido a conclamação a Bush para usar a CIA e assassinar o presidente Hugo Chavez, da Venezuela. Depois, foi mais longe, ameaçando a vingança de Deus contra a comundiade da Pensilvânia. A cruzada contra a teoria da evolução de Darwin era esforço recorrente dele. Para neutralizar darwinistas, ele pedia ação permanente dos fiéis fundamentalistas a favor do ensino da teoria bíblica da criação.
Os cientistas e a área acadêmica não vetam o "intelligent design" mas acham, para desespero dos fundamentalistas, que deve ser ensinado na aula de religião e não na de ciências. Quanto à ameaça divina do tele-evangelista, apenas reeditava o que dissera depois do 11/9. Na ocasião lançou esta tese: o ataque ao World Trade Center foi um castigo de Deus aos americanos por causa da permissividade, dos gays, das lésbicas e das feministas, etc.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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