terça-feira, 9 de dezembro de 2008

MÍDIA - Mídia nacional acumula dívidas de R$ 10 bilhões.

Com queda na receita publicitária e prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, setor já cortou 17 mil vagas em dois anos

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Com uma dívida estimada de R$ 10 bilhões, a mídia brasileira enfrenta a maior crise da sua história recente. Em dois anos, segundo dados do Ministério do Trabalho, as empresas de comunicação -rádios, TVs, jornais, revistas e agências de notícias- cortaram 17 mil empregos.
Estima-se que as empresas de comunicação acumularam prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, dos quais R$ 5 bilhões foram registrados pela Globopar -holding das Organizações Globo. A receita líquida do setor naquele ano foi 20% menor, em valores reais (descontada a inflação), do que a de 2000.
As empresas apostaram no crescimento da economia e na estabilidade do câmbio, na segunda metade dos anos 90, e se endividaram em dólar para diversificar os negócios e aumentar a capacidade de produção. Segundo um relatório que o próprio setor enviou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em outubro último, 80% das dívidas são em dólar, e 83,5% têm vencimento em curto prazo.
Entre 2000 e 2002, a circulação de revistas caiu de 17,1 milhões para 16,2 milhões de exemplares/ ano, enquanto a de jornais caiu de 7,9 milhões de exemplares/dia para 7 milhões.
O bolo publicitário -dividido entre todas as empresas de mídia- diminuiu de R$ 9,8 bilhões em 2000 para R$ 9,6 bilhões em 2002 (em valores sem correção).
Para Nelson Sirotsky, presidente do Grupo RBS (Rede Brasil Sul, com 4.300 funcionários), a crise atingiu o fundo do poço em 2002.
No segundo semestre de 2003, segundo pesquisa de investimento em publicidade do Projeto Inter-Meios, começou uma recuperação. A receita de janeiro a setembro cresceu 7,9%, em relação a igual período do ano anterior.
Segundo o presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e do Conselho de Administração do Grupo O Estado de S. Paulo, Francisco Mesquita Neto, todos os jornais, em graus variados, haviam investido na informatização das redações e na compra de impressoras novas para aumentar a tiragem e ter edições coloridas.
Foram gastos entre US$ 600 milhões e US$ 700 milhões na compra de rotativas e no aumento do parque gráfico, a partir de 95.
O grosso da dívida acumulada vem de novos negócios: TV por assinatura, telefonia e internet. O setor imaginava que haveria uma rápida convergência entre a mídia tradicional e as telecomunicações e temia o fim da mídia impressa e a dominação do mercado pelas companhias telefônicas.
Sem capital próprio suficiente e sem linhas de crédito de longo prazo no país a juros compatíveis com o retorno dos investimentos, as empresas se endividaram em moeda externa.
As Organizações Globo respondem por 60% do endividamento total de R$ 10 bilhões. A Globopar tem uma dívida equivalente a US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões) e deixou de pagar aos credores em outubro de 2002.
Essa cifra não inclui as dívidas da Infoglobo -que edita os jornais "O Globo", "Extra", "Diário de S. Paulo" e é parceira do Grupo Folha (Folha da Manhã S.A.) no "Valor Econômico"- e das emissoras de rádio, que estão fora da estrutura da Globopar.
No dia 11 de dezembro último, três fundos de investimentos norte-americanos entraram com ação na Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York, pedindo a intervenção da Justiça dos EUA na renegociação das dívidas da Globopar. O pedido ainda não foi julgado, mas a empresa sustenta que tem condições de conduzir sua reestruturação e de pagar aos credores.


DINHEIRO FARTO
O endividamento da Globo vem dos investimentos feitos, a partir de 95, em TV a cabo (Net Serviços), em TV por satélite (o projeto Sky, em parceria com Rupert Murdoch) e na Globosat.
A abertura do mercado de telecomunicações, com o surgimento de novos serviços, e o fim do monopólio estatal da telefonia provocaram uma euforia de investimentos nesse setor, que se prolongou até a privatização da Telebrás, em 1998.
"Durante o boom, havia dinheiro sobrando. Todos os investidores estrangeiros queriam aplicar no Brasil, sem questionar os projetos", afirma o diretor de Planejamento e Controle da Globopar, Jorge Nóbrega.
O otimismo se estendia ao mercado da mídia impressa. Era época de câmbio estável (US$ 1 valia R$ 1), crédito estrangeiro farto, crescimento do mercado publicitário e otimismo com o aumento da circulação de jornais e revistas.
A circulação média diária dos jornais saiu de 4,3 milhões, em 90, para 6,6 milhões de exemplares, em 95, o que correspondeu a 53,5% de aumento.
Depois de uma pequena redução em 96, quando caiu para 6,5 milhões, a circulação de jornais continuou crescendo, até atingir o pico de 7,9 milhões de exemplares/dia em 2000, graças, principalmente, ao lançamento de novos jornais populares.
Em 95, o Grupo Folha inaugurou seu novo parque gráfico, em Tamboré (Grande São Paulo), que custou, na ocasião, US$ 120 milhões, investimento pago na época com recursos próprios. Em 96, lançou o provedor de acesso à internet UOL (Universo Online) e a Plural, gráfica comercial em parceria com a norte-americana Quad Graphics. Em 99, o Grupo Folha lançou o jornal "Agora" e, em 2000, associou-se às Organizações Globo para lançar o "Valor Econômico".
Embora o Grupo Folha tenha investido em internet e gráfica comercial, seu endividamento, de R$ 290 milhões, vem principalmente dos investimentos feitos nos jornais "Agora" e "Valor Econômico".
Segundo o presidente do Grupo Folha, Luís Frias, a dívida do grupo (Folha, UOL e Plural) "não é grande, se considerada a geração de caixa própria. O Ebitda ["earnings before interest, taxes, depreciation and amortization". Em português: Lajida, lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] do grupo será superior a R$ 150 milhões em 2004. Isso representa uma relação dívida/Ebitda menor que duas vezes".
Em 98, as Organizações Globo lançaram, simultaneamente, o jornal popular "Extra", no Rio -para concorrer com "O Dia", que havia batido "O Globo" em circulação aos domingos-, e a revista "Época", em São Paulo. O jornal consumiu R$ 30 milhões em investimentos, e a revista, US$ 40 milhões. Em 2001, após o investimento no "Valor Econômico", o Grupo Globo comprou o "Diário Popular" (atual "Diário de S. Paulo") do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, pelo valor estimado de R$ 200 milhões.
O otimismo era geral. Em 98, o jornal "O Dia" tomou US$ 20 milhões de empréstimos no exterior para expandir seu parque gráfico e chegou a acumular uma dívida interna de R$ 20 milhões de capital de giro.
A presidente da empresa, Ariane Carvalho, diz que a dívida interna foi paga e a externa foi renegociada com o Eximbank, no ano passado, com adiamento do prazo para pagamento do principal de 2004 para 2007.
A Rede Bandeirantes, também em 98, emitiu US$ 100 milhões em eurobônus (títulos emitidos em euros) para quitar dívidas em reais, comprar novos equipamentos (câmeras e ilhas de edição) e para lançar a novela "Serras Azuis" e um humorístico em parceria com a Sony. A novela e o humorístico foram um fracasso de audiência.
Antonio Teles, consultor da presidência da Bandeirantes, diz que, além da fartura de recursos externos, a juros convidativos, havia a convicção de que a estabilidade do Plano Real e a paridade do dólar seriam "para sempre".
Segundo Teles, a Band suspendeu o pagamento da dívida externa em 2002 e estuda uma proposta de renegociação a ser apresentada aos credores.


PROJEÇÕES IRREAIS
As empresas que arriscaram investir em TV por assinatura dizem que o governo, os bancos, os consultores, os investidores e elas próprias superestimaram o potencial do mercado brasileiro.
A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), responsável pela venda das concessões, previa 10,1 milhões de assinantes de TV por assinatura em 2003, quando o número real é de 3,5 milhões.
Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, diz que os investimentos feitos em TV por assinatura foram a principal razão do endividamento da empresa, que fechou o balanço financeiro de 2002 com uma dívida de R$ 926 milhões.
"Fiz um esforço para esquecer o quanto investimos nessa área, mas foi bem mais do que a nossa dívida", resume o empresário. A Abril é acionista majoritária da TVA (sistema de TV paga com transmissão por cabo e por microondas) e foi acionista da DirecTV, via satélite.
Civita diz que o endividamento se deve ao custo do capital no Brasil, e não a erros estratégicos. "A dívida da Abril, comparada ao tamanho da empresa, seria pequena em qualquer país com custo financeiro razoável. Estamos sendo punidos pela ousadia, pela confiança e pela fé. Mas a gente vai sair da crise e voltar a crescer."


TELEFONIA
A Globopar poderia estar em situação pior, se não tivesse desistido das duas empresas de telefonia celular que comprou (Tele Celular Sul e Tele Nordeste Celular), no leilão de privatização da Telebrás, em julho de 98, em parceria com a Telecom Italia e com o banco Bradesco. Ela saiu, antes de colocar dinheiro no empreendimento, em dezembro de 98.
O investimento em telefonia foi uma das causas do endividamento dos grupos RBS e Estado (que edita o jornal "O Estado de S. Paulo"). A RBS declara ter US$ 125 milhões (cerca de R$ 370 milhões, pelo câmbio atual) de dívida. Estimativas do mercado, porém, calculam que esse montante atinja R$ 450 milhões. O Grupo Estado divulgou possuir dívida de R$ 384 milhões no balanço financeiro de 2002.
O presidente da RBS, Nelson Sirotsky, diz que a situação financeira do grupo está equacionada, mesmo se não houver liberação de recursos pelo BNDES. A RBS foi, segundo ele, a primeira empresa de mídia a apostar em TV a cabo (Net Sul) e em telefonia. Foi acionista da telefônica CRT (Cia. Riograndense de Telecomunicações) e da empresa de telefonia celular BCP, mas vendeu sua parte nas teles em 98 e passou o controle da Net Sul para a Globo Cabo em 2001.
"Fomos o primeiro grupo de comunicação a entrar em telefonia e o primeiro a sair. Voltamos a nos posicionar como um grupo regional", diz Nelson Sirotsky.
Para financiar os investimentos em telefonia e em TV a cabo, o grupo lançou US$ 175 milhões em títulos de dívida no exterior, dos quais, segundo seu presidente, US$ 50 milhões foram quitados.
O Grupo Estado foi acionista minoritário da empresa de telefonia celular BCP, que acabou vendida ao grupo mexicano Telmex, no ano passado, após passar por longa crise. Segundo informações do mercado, os acionistas teriam perdido 95% do capital investido.
O Grupo Estado tomou empréstimos de US$ 120 milhões no exterior para investimento no parque gráfico e na BCP.
"Havia um cenário estratégico que quase te obrigava a tomar essas decisões, mas as projeções foram frustradas depois da desvalorização cambial, da queda da economia brasileira e do ataque terrorista de 11 de setembro", diz Francisco Mesquita Neto.
"A crise provocou um atraso no vôo de crescimento que imaginávamos. Há dois anos estamos olhando apenas para dentro das empresas", diz ele. O Grupo Estado anunciou a conclusão da renegociação com seus credores, em dezembro do ano passado. Foi um longo processo, que resultou no afastamento da família Mesquita dos cargos executivos. Francisco Mesquita Neto, ex-diretor-superintendente do grupo, assumiu a presidência do Conselho de Administração. A família participa da orientação estratégica e editorial, mas saiu do dia-a-dia.


FONTE: Balanços de 2002 para grupos Globo (sem InfoGlobo), Abril, Folha e Estado. Relatório Anual de 2002 para o Grupo SBT. Grupo RBS: estimativa de mercado.

OBS.: (1) Grupo Globo: consolidado de balanços de TV Globo e Globopar (Editora Globo, Globo Cochrane, Net Serviços, Globo.com, Som Livre, TeleCine e Seguradora Roma). Estimativa de mercado para InfoGlobo (“O Globo”, “Extra” e “Diário de S. Paulo”). Não consolida participação na Sky TV e no “Valor Econômico”.

(2) Grupo Abril: consolidado de balanços da Editora Abril (Abril Gráfica, Datalistas, Dinap e outras) e TVA. Não consolida participações da Abril S.A. (Ática e Scipione, MTV, Editora Caras, Símbolo Editora e outras).

(3) Grupo Folha: consolidado de balanços da EFMSA (Folha, “Agora SP” e outros), UOL e Plural (gráfica comercial). Não consolida participação no “Valor Econômico”.

(4) Grupo Estado: consolidado de balanço da S.A. O Estado de S. Paulo (“Estado”, “JT” e outros) e OESP Gráfica. Não consolida OESPAR.
Fonte:Ecoblogue.

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