sábado, 6 de dezembro de 2008

MÍDIA - Nery e a "Tribuna", de Lacerda a Helio.

Quem vivenciou os "Anos e Chumbo" como eu, não pode deixar de lamentar o que aconteceu com a Tribuna da Imprensa, único jornal que não apoiou o regime militar.
Carlos Dória.

Artigo do Argemiro Ferreira.

De Salvador o colunista Sebastião Nery, meu vizinho há décadas no espaço da Tribuna da Imprensa, enviou seu relato-depoimento sobre o nascimento do jornal, em dezembro de 1949. Nery estava então no seminário. Só passaria a ler todos os dias a Tribuna de Carlos Lacerda a partir de 1951, já depois de trocar Salvador por Belo Horizonte, onde eu o conheci (saiba mais sobre Nery AQUI).

Como ele, discordei da linha golpista contra a posse de JK, que se seguiu à campanha do mar de lama, atentado da rua Tonelero e suicídio de Getúlio Vargas. Depois da derrubada do presidente João Goulart e da instalação da ditadura militar, acompanhamos a resistência heróica do jornal, já então sob a direção de Helio Fernandes, as prisões e confinamentos do diretor, os 10 anos de censura prévia e o atentado a bomba perpetrado pelos próprios militares na obsessão de silenciar a imprensa. Vale a pena ler o relato, publicado na Tribuna Online (veja AQUI) e reproduzido abaixo:

VIDA, PAIXÃO E IDA DE UM JORNAL - Sebastião Nery

Salvador - O Panteon (salão nobre) do velho, venerando e trisecular Seminário Central de Santa Tereza da Bahia, entre a Ladeira de Santa Tereza e a Rua do Sodré (hoje o Museu de Arte Sacra da Bahia), estava cheio de padres e bispos naquela tarde de dezembro de 1949.

Na frente, na mesa, o padre reitor, Monsenhor Monteiro, o diretor do Seminário Menor, monsenhor Veiga, dois bispos e um homem magro, narigudo, olhos fortes atrás dos óculos bem pretos: Carlos Lacerda, jornalista do Rio de Janeiro. Nós, seminaristas do Seminário Maior (Filosofia e Teologia), tínhamos sido chamados para também ouvi-lo.

Não sei se ele estava ali por conseqüência do Congresso Eucarístico Nacional, que acabava de realizar-se aqui em Salvador, em comemoração dos 400 anos de fundação da cidade. Mas ele era o dono da reunião.
Carlos Lacerda

carlos-lacerda1Em um silêncio de claustro, começou a falar, com seu galopante vozeirão de barítono. Citou amigos e companheiros da “intelectualidade católica” do Rio: Padre Helder Câmara, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Gustavo Corção, Octavio Faria, Gladstone Chaves de Melo, etc.

Seu recado era claro e direto: a imprensa brasileira era comandada por homens sem nenhum compromisso com os princípios cristãos e a Igreja Católica: Assis Chateaubriand, o superpoderoso, Paulo Bittencourt e Roberto Marinho no Rio, Julio de Mesquita Filho e outros em São Paulo. E mais, e pior: os norte-americanos estavam entrando no Brasil, a partir das crianças, da juventude, das famílias, com seu enxame de revistas em quadrinhos, traduzidas e distribuídas pelo Grupo Disney. E a ideologia deles nada tinha a ver com a Igreja Católica. Pelo contrário: eram agnósticos.
Tribuna da Imprensa

Carlos Lacerda queria e pedia o apoio da Igreja Católica para um jornal que iria lançar em breve, “muito em breve, logo, logo”: a Tribuna da Imprensa, que seria a voz anunciadora de um novo tempo na imprensa brasileira. Atrás dela, viriam revistas para pregarem “uma visão cristã e católica da vida” e “um caminho cristão e católico para o Brasil”.

Foi aplaudido e calorosamente apoiado. Saiu dali com um pequeno exército de alguns bispos, padres e seminaristas encantados com seu projeto, suas propostas e inteiramente conquistados pelo fervor de sua oratória ardorosa, convincente, irresistível. Um soldado de Cristo.

Foi embora e cumpriu a promessa: antes que aquele mês de dezembro de 1949 se acabasse, estava circulando no Rio de Janeiro a Tribuna da Imprensa, um jornal diferente, nascido para “o bom combate”.
UDN

Em 1950, alguns exemplares circularam pelo Seminário, como jóia rara, já que nós seminaristas não tínhamos acesso à imprensa “do Sul”. Mas a partir do ano seguinte, estudante, professor e jornalista em Minas, passei a ler a Tribuna todos os dias, já que chegava invariavelmente a Belo Horizonte, até pela força da UDN, da qual Lacerda era estandarte.

Lia diariamente aqueles seus artigos em letras gordas, do alto a baixo da página, como se tivessem sido escritos em cima de um cavalo a galope. E Duarte Filho, Stefan Baciu, Gladstone Chaves de Mello, tantos. De repente, passei a discordar completamente . Eu apoiava Juscelino para Presidente e a UDN de Lacerda era cada dia mais um terremoto golpista.
hfHelio Fernandes

Veio o golpe de 64, Lacerda no comando, todos nós na cadeia. Impossibilitado de manter-se ao mesmo tempo na direção do jornal e no governo da Guanabara, Lacerda já havia passado a direção do jornal para o filho Sergio. E logo Helio Fernandes assumia o jornal com todas as responsabilidades de uma voz sempre poderosa na política do Rio.

Helio pagou o preço desde o primeiro instante. A política econômica de Roberto Campos era um crime contra a Nação e Helio denunciava. Havia torturas nos quartéis e Helio denunciava. Começava a censura à imprensa e Helio denunciava. Em 1966, todos os institutos de pesquisa apontavam Helio como o deputado que seria o mais votado da Guanabara. A mesquinharia e covardia política de Castelo Branco e seu ministro da “Justiça” Juracy Magalhães cassaram Helio Fernandes na véspera da eleição. E logo veio o tropel das violências: confinado em Fernando de Noronha, Corumbá, Pirassununga, dezenas de vezes preso. E a censura permanente no jornal, o mais censurado da imprensa brasileira.
40 anos

Em agosto de 68, entrei no escritório da Editora Saga, no Edifício Avenida Central, no Rio, de José Aparecido, Fernando Gasparian e Helio Ramos, os três cassados pela ditadura. Também lá Enio Silveira e Helio Fernandes, que naquele dia havia escrito uma nota elogiando meu livro Sepulcro Caiado, o verdadeiro Juracy. Agradeci e logo ele me perguntou por que não escrevia na Tribuna. No dia seguinte, comecei minha coluna.

E já são 40 anos, com cinco anos de intervalo na Ultima Hora. Como o jornal não se dobrava, não negociava, apelaram para a violência. Uma bomba brutal explodiu o jornal inteiro, oficinas, redação, tudo. Veio a anistia, todos os atingidos recebendo reparações e indenizações. Juízes e Tribunais mandaram indenizar a violência à Tribuna. O governo Lula (logo ele!) recorreu e um ministro do Supremo há 3 anos segura o processo.

Um crime contra a imprensa brasileira. O jornal, exangue, suspendeu a circulação. Mas os governos passam e a Tribuna voltará, reviverá.
Fonte:Blog do Argemiro Ferreira.

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