quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

PARAGUAI - Os dilemas de Lugo nos primeiros 100 dias.

Daniel Cassol,
de Porto Alegre (RS)

Quando Fernando Lugo conseguiu pôr fim à hegemonia de seis décadas do Partido Colorado no Paraguai, já se sabia que a chave de seu governo seria o combate à corrupção, a reforma agrária e o resgate da soberania nacional em Itaipu. Passados os primeiros cem dias da posse, é justamente nestes pontos que o novo presidente alcança seus principais avanços – e enfrenta as primeiras crises.

Além do desafio de administrar uma máquina pública corrompida após 60 anos de domínio de uma mesma casta política, Lugo vem enfrentando pressões por partes dos movimentos sociais, que desejam mudanças mais rápidas e profundas, e tentativas de desestabilização por parte dos que não querem mudança nenhuma.

O primeiro enfrentamento ocorreu nos primeiros dias de setembro, quando Lugo foi a público denunciar uma conspiração de "intenções golpistas de setores antidemocráticos e retrógrados”. Lugo referia-se a uma reunião ocorrida na residência do general Lino Oviedo, da qual participaram o ex-presidente Nicanor Duarte Frutos, o presidente do Congresso, Enrique González Quintana, o chefe do Ministério Público, Rúben Candía Amarrilla, e o vice-presidente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Juan Manuel Morales.

“Era uma reunião de altas cabeças, de diferentes partidos e poderes, que evidentemente estavam lá para juntar forças contra Lugo”, afirma o comunicador e pesquisador paraguaio Juan Diáz Bordenave, em entrevista ao Brasil de Fato.

A reação imediata de Lugo deu ao presidente não apenas respaldo político, interno e externo, como fortaleceu seu discurso por mudanças nos altos cargos da Justiça paraguaia, devido às acusações de corrupção que atingem seus membros, todos alinhados ao Partido Colorado.

“Nos comprometemos durante a campanha eleitoral a realizar as ações políticas necessárias para instaurar um Poder Judiciário independente, eficiente e comprometido com a justiça social”, reiterou Lugo, em 25 de novembro, no pronunciamento sobre os 100 dias de seu governo. No ato, o presidente apontou o combate à corrupção como o principal avanço da sua administração. “Nossas primeiras ações vêm demonstrando o combate à corrupção, os primeiros passos para desarticular uma escandalosa estrutura que desvia recursos públicos”, afirmou o presidente paraguaio.

Sem maioria no Congresso, o governo encontra dificuldades para que os parlamentares promovam as mudanças no Poder Judiciário. Por isso, conta com o apoio das organizações sociais, que vêm realizando manifestações em frente aos órgãos da justiça do país, principalmente contra o chefe do Ministério Público, presente à reunião na casa de Oviedo.

Acusado pela oposição de instigar as mobilizações sociais, Lugo necessita delas mas também vê a pressão aumentar, principalmente no campo. As organizações camponesas não se demonstram contentes com o ritmo das medidas na área da reforma agrária e vêm organizando ocupações de terra, o que aumenta a revolta dos grandes produtores.

No final de novembro, Lugo reuniu-se com dirigentes camponeses e com a Coordenação Executiva para a Reforma Agrária (Cepra), que aglutina vários órgãos de Estado, para anunciar, a partir de 15 de dezembro, as primeiras ações no setor. Mas elas se limitam, por enquanto, a programas de assistência a assentamentos rurais já existentes. A meta é beneficiar, na primeira etapa do plano, cerca de cinco mil famílias assentadas, com programas de saúde, habitação, educação e infraestrutura.

No tema de Itaipu, o governo paraguaio mantém as negociações com o Brasil e demonstra esperança de chegar a um acordo em pouco tempo. Em reunião realizada no final de novembro, em Montevidéu, o Parlamento do Mercosul pediu equilíbrio e transparência nas relações entre Brasil e Paraguai sobre o tema da binacional Itaipu. Logo após a reunião, o engenheiro Ricardo Canese, representante paraguaio no ParlaSul, encontrou-se com o presidente Fernando Lugo e afirmou que espera um acordo com o Brasil até agosto de 2009. Porém, disse que o Paraguai não renunciará a seis pontos chave na negociação, entre eles a livre disponibilidade de energia que pertence ao país e o recebimento de um preço justo pelo excedente vendido ao Brasil.

Pressionado pelos movimentos sociais e criticado pela oposição, Lugo recebeu uma avaliação regular nas pesquisas de opinião realizadas pelos principais jornais do país. Em sondagem realizada pela empresa de consultoria Ati Snead, a pedido do jornal La Nacion, 47,9% dos entrevistados qualificaram o governo Lugo como “regular”, ao lado de 37,1% que o consideraram “bom”. O mesmo levantamento indicou que as prioridades do presidente, de acordo com os entrevistados, devem ser o combate ao desemprego e à violência no país, seguido por temas como corrupção e pobreza.

Já a empresa First Análisis y Estudios, em pesquisa realizada para o diário ABC Color, indicou que 60,1% da população entrevistada aprovava os primeiros cem dias de Lugo, ao passo que 31,4% reprovavam e 8,5% não sabiam responder. De acordo com os jornais paraguaios, o ex-presidente Nicanor Duarte fora mais bem avaliado que Lugo nos cem primeiros dias de governo.

O presidente paraguaio se saiu melhor no recente relatório da ong chilena Latinobarómetro. O Paraguai foi o país pesquisado, entre 18 nações latino-americanas, em que as expectativas de esperança para o próximo ano foram mais positivas: 83% dos entrevistados disseram que mantêm esperanças para 2009. (Leia mais na edição 301 do Brasil de Fato).

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